terça-feira , 5 novembro , 2024

Crítica | O Mau Exemplo de Cameron Post – Fraca discussão sobre o autoritarismo teocêntrico

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Vencedor do Grande Prêmio do Júri do Festival de Sundance, O Mau Exemplo de Cameron Post (The Miseducation of Cameron Post) nos remete a um retiro espiritual, o qual o indivíduo se integra para abandonar o caminho mundano e restaurar-se. Adaptado e dirigido por Desiree Akhavan (Appropriate Behavior), a obra chama atenção pela sua temática de intolerância sexual e o embate entre a religião e as escolhas individuais ainda na adolescência.

As primeiras cenas mostram Ruth (Kerry Butler) arrumando a sobrinha Cameron (Chloë Grace Moretz) para o baile de formatura, enquanto a jovem demonstra o seu desconforto pela maquiagem, vestido e sapatos. Logo em seguida, ela e sua melhor amiga Coley (Quinn Shephard) fogem da festa para fumar um baseado no carro. A atração entre as duas domina o ambiente e, em uma bela sequência, as duas beijam apaixonadamente e se tocam. Seria um desfecho perfeito para o baile de formatura, não fosse o flagra do namorado de Cameron, provocando uma cena perturbadora e desconfortante.

Com mais de 50 títulos no currículo, apesar dos seus 21 anos, Chloë Grace Moretz (Kick-Ass, Se Eu Ficar, Deixe-me Entrar) encara o seu papel mais dramático e maduro. O filme segue a sua escalada de emoções, diante do seu caminho de aceitação, rebeldia e revolta contra o sistema. Após o incidente, Ruth envia Cameron para uma instituição designada a curar jovens que sentem atração pelo mesmo sexo, de acordo com os princípios cristãos. Sem opção, Cameron se resigna a morar no local e a seguir a cartilha.

A partir da ideia dos irmãos líderes Dra. Lydia Marsh (Jennifer Ehle) e Reverendo Rick (John Gallagher Jr.), a instituição baseia-se na conversão de Rick em hétero e promete o mesmo caminho aos jovens enviados para lá. Primeiramente, os adolescentes devem aceitar que pecaram e que, somente por meio da graça divina, eles serão livres da sua pulsão sexual maligna.

O Mau Exemplo de Cameron Post é uma obra de discursos passivos, afinal são adolescentes se autodescobrindo e ainda sem coragem de afirmar os seus sentimentos. Desse modo, o roteiro não expõe confrontos, mas mostra um autoritarismo estapafúrdio em pequenas instâncias. Em contraponto, a obra evidência os desejos reais dos adolescentes por meio de seus sonhos e os seus envolvimentos.

Entre os internos, Cameron acha conforto na presença de Jane (Sasha Lane) e Adam (Forrest Goodluck), com histórias diferentes, mas a mesma falta de apoio familiar. Como Jane mesmo diz: “O que é pior? Sessões de karaokê ou morar nas ruas?”. Ela foi “expulsa” de casa pelo novo padrasto, já Adam é rejeitado pelo pai indígena e político, que em suas palavras “ter um filho como ele poderia sujar sua imagem”. Assim como os outros jovens, eles foram renegados pela família e este seria o sentimento mais profundo a ser trabalhado pela psicóloga, mas não é.

As cenas entre os três novos amigos são a alavanca que impulsiona o filme, pois nestes momentos o teatro se desfaz, os diálogos fluem mais realisticamente e coloca-se o tema central em discussão, mesmo que de forma jocosa e combalida pela percepção dos adolescentes. Ou seja, ao invés de exercerem a aceitação do próximo, lhes é pedido que não aceitem a si mesmos. As sessões de terapias são vazias de emoção, explicações ou auxílio psicológico, porque todo mundo está atuando (principalmente os líderes).

O único método apresentado no filme é uma metáfora do iceberg, em que todos os internos devem escrever em sua parte escondida na água os motivos que podem ter desencadeado o seu desvio de comportamento. Neste jogo de inverdades, tudo é válido, como relacionamentos com os pais, gosto por esportes, música, etc. . Logo, Cameron percebe que para viver, ela só precisa seguir algumas regras até o dia da sua liberdade, no entanto, alguns obstáculos surgem nesta trajetória

O filme apresenta três pontos-chave no enredo, que dissolvem o marasmo da narrativa arrastada. Um deles é quando Cameron recebe uma carta da sua amiga Coley e admite sentir culpa pelo acontecimento, enquanto Jane busca dissuadi-la desse engodo picando aquelas palavras de comiseração em pedaços. Abalada pela perspectiva futura, Cameron telefona para Ruth e pede para retornar à casa, mas a tia apenas a faz relembrar que quem a colocou naquele lugar, não a ajudará a sair.

Outro momento, e o mais intenso de todo o longa, é quando finalmente um dos internos, Mark (Owen Campbell), mostra sua indignação e revolta ao receber uma carta do pai não permitindo seu retorno à casa, com a justificativa de que o garoto ainda possui um jeito afeminado. Sem saber lidar com as emoções do interno, Dra. Lydia Marsh apenas o repreende, o que gera uma bola de neve.

Com um tema sensível nas mãos, Desiree Akhavan aponta um erro, mas não busca investigá-lo. Ou seja,  O Mau Exemplo de Cameron Post deixa a discussão no plano superficial, os personagens sem vida e um recorte do mundo dentro de regime totalitário teocêntrico, o qual Deus seria a resposta para tudo mesmo quando ninguém pode ser livre para fazer uma pergunta.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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As primeiras cenas mostram Ruth (Kerry Butler) arrumando a sobrinha Cameron (Chloë Grace Moretz) para o baile de formatura, enquanto a jovem demonstra o seu desconforto pela maquiagem, vestido e sapatos. Logo em seguida, ela e sua melhor amiga Coley (Quinn Shephard) fogem da festa para fumar um baseado no carro. A atração entre as duas domina o ambiente e, em uma bela sequência, as duas beijam apaixonadamente e se tocam. Seria um desfecho perfeito para o baile de formatura, não fosse o flagra do namorado de Cameron, provocando uma cena perturbadora e desconfortante.

Com mais de 50 títulos no currículo, apesar dos seus 21 anos, Chloë Grace Moretz (Kick-Ass, Se Eu Ficar, Deixe-me Entrar) encara o seu papel mais dramático e maduro. O filme segue a sua escalada de emoções, diante do seu caminho de aceitação, rebeldia e revolta contra o sistema. Após o incidente, Ruth envia Cameron para uma instituição designada a curar jovens que sentem atração pelo mesmo sexo, de acordo com os princípios cristãos. Sem opção, Cameron se resigna a morar no local e a seguir a cartilha.

A partir da ideia dos irmãos líderes Dra. Lydia Marsh (Jennifer Ehle) e Reverendo Rick (John Gallagher Jr.), a instituição baseia-se na conversão de Rick em hétero e promete o mesmo caminho aos jovens enviados para lá. Primeiramente, os adolescentes devem aceitar que pecaram e que, somente por meio da graça divina, eles serão livres da sua pulsão sexual maligna.

O Mau Exemplo de Cameron Post é uma obra de discursos passivos, afinal são adolescentes se autodescobrindo e ainda sem coragem de afirmar os seus sentimentos. Desse modo, o roteiro não expõe confrontos, mas mostra um autoritarismo estapafúrdio em pequenas instâncias. Em contraponto, a obra evidência os desejos reais dos adolescentes por meio de seus sonhos e os seus envolvimentos.

Entre os internos, Cameron acha conforto na presença de Jane (Sasha Lane) e Adam (Forrest Goodluck), com histórias diferentes, mas a mesma falta de apoio familiar. Como Jane mesmo diz: “O que é pior? Sessões de karaokê ou morar nas ruas?”. Ela foi “expulsa” de casa pelo novo padrasto, já Adam é rejeitado pelo pai indígena e político, que em suas palavras “ter um filho como ele poderia sujar sua imagem”. Assim como os outros jovens, eles foram renegados pela família e este seria o sentimento mais profundo a ser trabalhado pela psicóloga, mas não é.

As cenas entre os três novos amigos são a alavanca que impulsiona o filme, pois nestes momentos o teatro se desfaz, os diálogos fluem mais realisticamente e coloca-se o tema central em discussão, mesmo que de forma jocosa e combalida pela percepção dos adolescentes. Ou seja, ao invés de exercerem a aceitação do próximo, lhes é pedido que não aceitem a si mesmos. As sessões de terapias são vazias de emoção, explicações ou auxílio psicológico, porque todo mundo está atuando (principalmente os líderes).

O único método apresentado no filme é uma metáfora do iceberg, em que todos os internos devem escrever em sua parte escondida na água os motivos que podem ter desencadeado o seu desvio de comportamento. Neste jogo de inverdades, tudo é válido, como relacionamentos com os pais, gosto por esportes, música, etc. . Logo, Cameron percebe que para viver, ela só precisa seguir algumas regras até o dia da sua liberdade, no entanto, alguns obstáculos surgem nesta trajetória

O filme apresenta três pontos-chave no enredo, que dissolvem o marasmo da narrativa arrastada. Um deles é quando Cameron recebe uma carta da sua amiga Coley e admite sentir culpa pelo acontecimento, enquanto Jane busca dissuadi-la desse engodo picando aquelas palavras de comiseração em pedaços. Abalada pela perspectiva futura, Cameron telefona para Ruth e pede para retornar à casa, mas a tia apenas a faz relembrar que quem a colocou naquele lugar, não a ajudará a sair.

Outro momento, e o mais intenso de todo o longa, é quando finalmente um dos internos, Mark (Owen Campbell), mostra sua indignação e revolta ao receber uma carta do pai não permitindo seu retorno à casa, com a justificativa de que o garoto ainda possui um jeito afeminado. Sem saber lidar com as emoções do interno, Dra. Lydia Marsh apenas o repreende, o que gera uma bola de neve.

Com um tema sensível nas mãos, Desiree Akhavan aponta um erro, mas não busca investigá-lo. Ou seja,  O Mau Exemplo de Cameron Post deixa a discussão no plano superficial, os personagens sem vida e um recorte do mundo dentro de regime totalitário teocêntrico, o qual Deus seria a resposta para tudo mesmo quando ninguém pode ser livre para fazer uma pergunta.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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