Apollo 11
E a temporada de prêmios começou oficialmente. Com o lançamento de O Primeiro Homem e Nasce uma Estrela este mês, os filmes que concorrem a uma vaga no Olimpo cinematográfico saem em largada rumo a eternidade. De fato, algumas produções já são pensadas neste âmbito: as chamadas iscas de Oscar. Veja bem, tal termo não é pejorativo para uma produção de forma alguma e nada tem a ver com a qualidade da obra em si – ao contrário do que muitos possam achar. Mas quando trazemos uma equipe de peso na frente e atrás das câmeras, num relato biográfico sobre um herói norte-americano, as apostas aumentam consideravelmente.
Quando explodiu no mundo do cinema em 2015 com Whiplash – Em Busca da Perfeição, baseado em seu próprio curta, o jovem Damien Chazelle, de 33 anos, escrevia inadvertidamente seu nome entre os astros mais brilhantes de Hollywood. A “cidade das estrelas” se curvaria ao rapaz apenas três anos depois. Com o amadurecimento em La La Land no currículo, o diretor chega agora ao seu terceiro e mais ambicioso longa, dando o próximo passo e demonstrando que o céu é realmente o limite para seu talento em expansão.
Desde que este foi anunciado como seu próximo projeto, grande dúvida pairava na mente dos cinéfilos, já que até então os filmes do cineasta focavam em relacionamentos e a paixão pela música. Por isso, a ousadia causava certa estranheza. O Primeiro Homem se ergue como a primeira obra não assinada por Chazelle, igualmente um roteirista de primeira. Este texto é baseado no livro de James R. Hansen, com roteiro adaptado por Josh Singer (produtor de Spotlight e The Post) e narra a trajetória biográfica de Neil Armstrong até o dia em que se tornou o primeiro homem a pisar na lua – cimentando seu nome na história do mundo, como uma das figuras mais importantes que já viveu neste planeta. Pouca coisa, certo?
Aliás, este é um dos tópicos discutidos aqui no filme de Chazelle, e talvez o principal deles. O que move o homem? O que nos faz enfrentar a morte? Arriscar nossas vidas? Todos nós iremos morrer, isso é indiscutível. Os mais corajosos apostam tudo por uma chance de um grande feito, de se despedir em grande estilo em nome de um ideal e da humanidade. Ou, se forem bem sucedidos, melhor ainda, já que poderão usufruir de tal glória. Assim foi a vida de Armstrong, interpretado aqui pelo ator fetiche do cineasta, Ryan Gosling. Pela colaboração anterior, Gosling recebeu sua segunda indicação ao Oscar, e ao que tudo indica está forte no páreo para a terceira.
O retrato de Armstrong que Ryan Gosling cria é introspectivo e minimalista, como de costume. Tem se tornado especialidade para o ator viver homens de poucas palavras, fechados em seus sentimentos e conduzidos por uma performance interiorizada, rica em expressões faciais e reações, e curta em diálogos. Quem acompanha de perto para o bate bola é a novata Claire Foy, britânica que despontou ao estrelato devido a série da Netflix, The Crown. A atriz vive Janet Armstrong, a esposa do astronauta e ganha seus momentos no holofote, em especial a cena na qual obriga o marido a se despedir dos filhos, já que pode partir e nunca mais vê-los. O momento é de pura explosão e a jovem de 34 anos segura a composição como uma veterana – muito bem podendo ser seu “clipe do Oscar”.
Voltando ao primeiro parágrafo, O Primeiro Homem é um filme confeccionado para prêmios, ou ao menos risca todos os itens primordiais da lista para encantar os votantes. Mas como dito também, a qualidade para tal é imprescindível e Chazelle marca o terceiro consecutivo sem escorregar. A obra segue de perto a trilha de produções memoráveis sobre o tema, vide Os Eleitos: Onde o Futuro Começa (1983) – indicado para melhor filme e vencedor de quatro Oscar – e Apollo 13: Do Desastre ao Triunfo (1995) – indicado para melhor filme e vencedor de dois Oscar.
O Primeiro Homem, no entanto, não é um filme tão acessível quanto os primeiros do diretor. Contra a obra, o tempo excessivo de projeção (2h20min) e o ritmo deliberadamente lento – e em muitos trechos contando com a ausência completa de diálogos – se mostrará um desafio para o grande público e exigirá mesmo dos cinéfilos, que não se interessam tanto pelo tema. Dito isso, mesmo que esta não seja muito a sua praia, o que os envolvidos conquistam aqui é incontestável. E não apenas na parte técnica. O novo filme de Chazelle é escrito com F maiúsculo.
O Primeiro Homem funciona como espetáculo visual, nos imergindo por completo em cenas que reproduzem com realismo impressionante decolagens de foguetes, entradas na estratosfera, perda de controle da nave e momentos de tensão que prometem deixar os nervos à flor da pele. É claro que o prato principal é a aterrissagem na lua, servida por uma trilha incisiva e exuberante (mesclada ao longo da projeção com jazz – como não poderia deixar de ser) e uma recriação visual do icônico momento que nos põe literalmente no satélite natural da Terra. O trecho é tão perfeito que merecia estar em algum passeio da NASA. Você pode fazer a sua parte e procurar a maior sala acessível para assistir ao longa.
Por outro lado, o filme é um resiliente estudo de personagem, que não se intimida ao desbravar a persona fria do herói, seus traumas e perdas. Além, é claro, de seu pilar, a forte mulher por trás (ou quem sabe à frente) dele. O Primeiro Homem é o longa mais sóbrio e correto de Damien Chazelle, mas não menos especial.