sexta-feira , 15 novembro , 2024

Crítica | ‘O Rei’ é um épico de guerra que funciona melhor como drama histórico

Dramas de época sempre tiveram um poder inenarrável de conquistar o coração do público e, até hoje, configuram-se como pequenos escapes históricos para os quais podemos fugir e encarnar a pele de personagens icônicos em épocas que já passaram. Ainda que os blockbusters tenham dominado o cinema das últimas duas décadas, os filmes do gênero em questão continuam a reclamar por seu espaço nessa gigantesca indústria – e talvez tenha sido pelo que a Netflix buscava com o anúncio de O Rei, uma nova perspectiva da medievalista jornada de um dos regentes mais controversos da História, Henrique V.

O diretor David Michôd não é nenhum estranho a longas-metragens que tenham como pano de fundo principal a mescla entre o dramático e o épico – no sentido contemporâneo dos textos. Tendo comandado projetos como o futurista ‘The Rover – A Caçada’ e a tragicomédia Máquina de Guerra, é certo dizer que esperávamos algo satisfatório, ainda que limitado às restrições que o próprio cineasta imprimisse às suas obras. E foi exatamente o que recebemos: o filme é carregado por um elenco de peso, mas estende-se ao longo de extenuantes 140 minutos que falham em conquistar as variações rítmicas necessárias para uma narrativa deste tipo. No final das contas, o belíssimo cenário do século XV cede a estruturações intimistas e claustrofóbicas demais para nos envolver, apesar de abrir espaço para uma incrível performance do jovem Timothée Chalamet.



Aqui, Chalamet dá vida ao personagem-titular, que ascende ao trono inglês após a morte do pai e do irmão. Antes conhecido como Hal, o regente britânico condenava as desnecessárias táticas bélicas do pai, o atual comandante do país, e o comportamento mimado e inexperiente de Thomas, o caçula da família. Essa é a real causa de Hal ter se recuado na bebida e preferido a companhia de seu amigo ex-veterano de guerra John Falstaff (Joel Edgerton) no condado de Eastcheap. Entretanto, sua plácida e promíscua vida muda bruscamente quando ele se impõe para tentar salvar o irmão e acaba desencadeando um efeito dominó que o ascende à coroa, desagradando boa parte do clero e da nobreza que não faziam nada além de menosprezar as habilidades do jovem.

Ao longo da trama, fica claro que Hal é adepto a uma visão mais pacifista, mas o restante de seu séquito condena essa visão utópica demais para o momento em que vivem. Na verdade, muitos passam a condenar a reputação do rei, discorrendo acerca de sua personalidade complacente demais para alguém que carrega tamanho peso nas costas: é interessante observar que o roteiro, assinado também por Michôd e Edgerton, arquiteta uma série de obstáculos a serem enfrentados pelo protagonista, colocando em xeque suas ideologias em detrimento (ou talvez em prol) de permitir que ele alcance o que realmente deseja.

O longa é conduzido com maestria, pelo menos no tocante aos primeiros atos: o diretor se alia a uma fotografia que revela seus ares contemplativos logo na sequência de abertura, ambientada no centro do campo de batalha. A contraposição constante de uma trilha sonora linear, uma tensa atmosfera e a vivacidade de uma brilhante paleta de cores, chegando até a premeditar a sobriedade desconstruída da qual a obra tratará; porém, Michôd não consegue sustentar suas investidas estéticas e técnicas por muito tempo, tentando expandir um único núcleo narrativo que poderia facilmente ser concluído em menos tempo e de uma forma mais coesa e minuciosa, por assim dizer.

De fato, é o elenco que carrega todo o peso dramático da obra: enquanto Chalamet se afasta de todos os seus papéis anteriores (como os vistos em Me Chame Pelo Seu Nome e Lady Bird), encarnando o brutal cansaço físico de Henrique V e de suas ambições condenáveis, Edgerton também se mostra irreconhecível como o braço-direito Falstaff que, apesar de sua importância para a trama, é inexplicavelmente esquecido em breves momentos. Sean Harris também contribui para uma performance memorável como o Ministro da Justiça William – o personagem com o arco mais bem construído de todos e com uma reviravolta chocante nos momentos finais do filme; Robert Pattinson, que faz uma aparição breve como o Delfim da França, apesar de estar irreconhecível assim como seus colegas, posta-se dentro de uma esfera caricata demais para ser levada a sério.

Num aspecto mais geral, o situacionismo histórico é, de longe, o ponto alto da produção, seja com os diálogos bem construídos e carregados de didáticas metáforas beligerantes, seja com os picos e os declives incrustados na trama principal. Com a chegada do suposto clímax, a perspectiva cênica volta-se para a guerra (o que é natural, visto que estamos dentro desse gênero), e é nesse momento que o equilíbrio de forças volta a se perder: as construções imagéticas são confusas e entediantes demais, postas literalmente no meio da lama e optando por closes e big-closes incompreensíveis, porventura almejando a uma reinvenção estrutural que nunca encontra completude.

O Rei, em suma, é aprazível dentro das fronteiras que cria. Na verdade, é bem claro como o longa se vale muito de visões românticas, as quais são auxiliadas pela literariedade musical, pelos slow-motions excessivos e pelas explosões catárticas dos protagonistas e coadjuvantes. O mérito não se perde quando as partes são analisadas separadamente, mas dá uma sensação inacabada quando justapostas.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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O diretor David Michôd não é nenhum estranho a longas-metragens que tenham como pano de fundo principal a mescla entre o dramático e o épico – no sentido contemporâneo dos textos. Tendo comandado projetos como o futurista ‘The Rover – A Caçada’ e a tragicomédia Máquina de Guerra, é certo dizer que esperávamos algo satisfatório, ainda que limitado às restrições que o próprio cineasta imprimisse às suas obras. E foi exatamente o que recebemos: o filme é carregado por um elenco de peso, mas estende-se ao longo de extenuantes 140 minutos que falham em conquistar as variações rítmicas necessárias para uma narrativa deste tipo. No final das contas, o belíssimo cenário do século XV cede a estruturações intimistas e claustrofóbicas demais para nos envolver, apesar de abrir espaço para uma incrível performance do jovem Timothée Chalamet.

Aqui, Chalamet dá vida ao personagem-titular, que ascende ao trono inglês após a morte do pai e do irmão. Antes conhecido como Hal, o regente britânico condenava as desnecessárias táticas bélicas do pai, o atual comandante do país, e o comportamento mimado e inexperiente de Thomas, o caçula da família. Essa é a real causa de Hal ter se recuado na bebida e preferido a companhia de seu amigo ex-veterano de guerra John Falstaff (Joel Edgerton) no condado de Eastcheap. Entretanto, sua plácida e promíscua vida muda bruscamente quando ele se impõe para tentar salvar o irmão e acaba desencadeando um efeito dominó que o ascende à coroa, desagradando boa parte do clero e da nobreza que não faziam nada além de menosprezar as habilidades do jovem.

Ao longo da trama, fica claro que Hal é adepto a uma visão mais pacifista, mas o restante de seu séquito condena essa visão utópica demais para o momento em que vivem. Na verdade, muitos passam a condenar a reputação do rei, discorrendo acerca de sua personalidade complacente demais para alguém que carrega tamanho peso nas costas: é interessante observar que o roteiro, assinado também por Michôd e Edgerton, arquiteta uma série de obstáculos a serem enfrentados pelo protagonista, colocando em xeque suas ideologias em detrimento (ou talvez em prol) de permitir que ele alcance o que realmente deseja.

O longa é conduzido com maestria, pelo menos no tocante aos primeiros atos: o diretor se alia a uma fotografia que revela seus ares contemplativos logo na sequência de abertura, ambientada no centro do campo de batalha. A contraposição constante de uma trilha sonora linear, uma tensa atmosfera e a vivacidade de uma brilhante paleta de cores, chegando até a premeditar a sobriedade desconstruída da qual a obra tratará; porém, Michôd não consegue sustentar suas investidas estéticas e técnicas por muito tempo, tentando expandir um único núcleo narrativo que poderia facilmente ser concluído em menos tempo e de uma forma mais coesa e minuciosa, por assim dizer.

De fato, é o elenco que carrega todo o peso dramático da obra: enquanto Chalamet se afasta de todos os seus papéis anteriores (como os vistos em Me Chame Pelo Seu Nome e Lady Bird), encarnando o brutal cansaço físico de Henrique V e de suas ambições condenáveis, Edgerton também se mostra irreconhecível como o braço-direito Falstaff que, apesar de sua importância para a trama, é inexplicavelmente esquecido em breves momentos. Sean Harris também contribui para uma performance memorável como o Ministro da Justiça William – o personagem com o arco mais bem construído de todos e com uma reviravolta chocante nos momentos finais do filme; Robert Pattinson, que faz uma aparição breve como o Delfim da França, apesar de estar irreconhecível assim como seus colegas, posta-se dentro de uma esfera caricata demais para ser levada a sério.

Num aspecto mais geral, o situacionismo histórico é, de longe, o ponto alto da produção, seja com os diálogos bem construídos e carregados de didáticas metáforas beligerantes, seja com os picos e os declives incrustados na trama principal. Com a chegada do suposto clímax, a perspectiva cênica volta-se para a guerra (o que é natural, visto que estamos dentro desse gênero), e é nesse momento que o equilíbrio de forças volta a se perder: as construções imagéticas são confusas e entediantes demais, postas literalmente no meio da lama e optando por closes e big-closes incompreensíveis, porventura almejando a uma reinvenção estrutural que nunca encontra completude.

O Rei, em suma, é aprazível dentro das fronteiras que cria. Na verdade, é bem claro como o longa se vale muito de visões românticas, as quais são auxiliadas pela literariedade musical, pelos slow-motions excessivos e pelas explosões catárticas dos protagonistas e coadjuvantes. O mérito não se perde quando as partes são analisadas separadamente, mas dá uma sensação inacabada quando justapostas.

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