Todos os países têm suas próprias histórias fundadoras. Alguns deles, devido às múltiplas guerras, disputas, imposições e colonizações, tiveram parte de suas histórias apagadas, reescritas ou esquecidas por suas populações; outros seguem resistindo, tentando não fazer com que elementos essenciais se percam com o passar do tempo, seja repassando e/ou registrando as histórias, seja adaptando-as em um contexto moderno e atraente para o mundo de hoje. É mais ou menos por aí a vibe de ‘O Troll da Montanha’, novo filme norueguês da Netflix que está conquistando os espectadores e figura no primeiríssimo lugar do Top 10 desde sua estreia.
Quando pequena, Nora Tidemann (Ine Marie Wilmann) costumava se aventurar e acreditar em tudo que seu pai, Tobias (Gard B. Eidsvold), dizia. Depois que cresceu, foi trabalhar com arqueologia, se afastando completamente do pai e de suas histórias fantasiosas que a constrangeram ao longo da juventude. Certo dia, durante uma obra de abertura de estrada pelas montanhas de Dovre, uma explosão incomum faz com que boa parte da montanha desmorone e, aparentemente, uma criatura não conhecida pelos seres humanos passa a circular pelos arredores, causando um rastro de destruição. Por isso Andreas (Kim Falck) recruta Nora a pedido da Primeira Ministra da Noruega (Anneke von der Lippe), e, junto com o capitão Kristoffer (Mas Sjogard Pettersen), os três irão atrás da criatura misteriosa, antes que ela avance na direção de Oslo, capital do país.
‘O Troll da Montanha’ é um filme que vai te surpreender. Partindo das lendas ancestrais locais – as histórias vikings, que contam as origens dos deuses, da cultura e da região da Noruega – o roteiro de Roar Uthaug e Espen Aukan bebe na fonte das tradições originárias para construir o argumento do filme. Assim, fantasia e realidade se misturam em uma aventura contemporânea sobre a existência de uma criatura mística – o troll – na Noruega de hoje, disfarçado de paisagem e oculto nas profundezas da terra, num conceito que demonstra que a ‘Viagem ao Centro da Terra’, de Julio Verne, é um pensamento tão ancestral quanto contemporâneo.
De um mote belíssimo, o filme de Roar Uthaug aborda o apagamento das histórias originárias devido à cristianização e a colonização forçada, tudo isso pelo viés homem versus criatura já tanto trabalhado no cinema em filmes como ‘King Kong’ e ‘Godzilla’. É claro, rola momentos de violência contra o desconhecido – atitude que está no cerne comportamental das sociedades ocidentais – , e elas representam as cenas mais tristes e doloridas de ‘O Troll da Montanha’, demonstradas pelo triângulo da ação do longa – a ciência, a política e o exército – então, não se engane: você vai se emocionar.
Ainda que com umas incongruências de roteiro (por exemplo, o fato de nenhum outro país, nem mesmo os Estados Unidos, se meter a impedir a criatura) , ‘O Troll da Montanha’ é um filme bonito e tocante, que emociona o espectador de surpresa. Através da fantasia e da ação, entrega um filme que fala tanto com os jovens quanto com os adultos. Uma pérola da Netflix.