Crônicas do caráter no gelo e no sangue. Dividido em duas partes, com complementos vindos apenas do desenvolvimentos dos protagonistas, a série sueca Os Assassinatos de Åre é uma engenhosa e macabra trama que parte de duas personalidades que tinham tudo para entrar em rota de colisão e nos guia até mentes doentias. Essa importância e detalhes na construção dos arcos dramáticos deixam poucas pontas soltas, dando chance para o suspense brilhar e surpreender.
Com um discurso sóbrio que caminha nas linhas tênues das relações de confiança, seja nas soluções dos casos de assassinatos, seja na própria vida pessoal dos personagens principais, o projeto que logo chegou ao Top 10 da Netflix é uma adaptação dupla, de dois livros da escritora e advogada Viveca Sten: Hidden in Snow e Hidden in Shadows.
Nos três primeiros episódios tomamos conhecimento dos perfis dos protagonistas. A detetive Hanna (Carla Sehn) resolve ir relaxar e esquecer dos problemas em uma área mais isolada da Suécia se distanciando do mundo na casa da irmã. Mas logo chama sua atenção o desaparecimento de uma jovem, fato esse que a faz trabalhar com Daniel (Kardo Razzazi), o encarregado das investigações que recentemente foi pai. Ao longo dos dias, descobrirá segredos e enfrentará a desconfiança da sua dupla.
Todo filmado na própria cidade de Åre – um lugar gelado que tem cerca de 1.300 habitantes – essa primeira parte da história, adaptação de Hidden in Snow, é quase um prólogo quando pensamos nos personagens. A desconfiança, elemento presente todo o tempo, dá lugar as novas formas de enxergar uma cidade pacata com pouco alvoroço. Sob neve constante, o clima esquenta conforme pistas vão surgindo guiando o público para entrelaços que surpreendem. Aqui, o mistério ganha o protagonismo, fisgando o público a cada descoberta.
Já no segundo caso, adaptação do livro Hidden in Shadows, a dupla de protagonistas precisa enfrentar as perguntas que giram em torno do assassinato brutal de um ex-atleta olímpico que tinha uma empresa. Nesse ponto da história, Hanna e Daniel estão muito próximos e essa relação se estreita com os problemas em casa que o segundo enfrenta.
Mesmo seguindo ainda um detalhado olhar para o campo da investigação – que se perde em alguns momentos com subtramas pouco desenvolvidas – nesses capítulos finais, o foco acaba sendo a relação mais próxima e de provável conflito entre os dois detetives. Mas nada apaga a riqueza na forma de dissecar as emoções e os limites do comportamento humano – leia-se dentro da ética e moral – algo refletido em uma direção de arte e fotografia que andam em total harmonia transformando Os Assassinatos de Åre em um ‘Dois em um’ que vale o ingresso.