Filme assistido durante o Festival de Toronto
Uma febre norte-americana dos anos 70 e 80 – que ainda tem os seus adeptos no Brasil -, o televangelismo se tornou um movimento polêmico. Inicialmente transformador tanto espiritual, como religiosa e culturalmente, hoje é quase visto como um antro de pregadores de índole duvidosa, à procura de presas frágeis. Tammy Faye e seu esposo, o pastor Jim Bakker, ajudaram a perpetuar essa terrível reputação e suas histórias de abuso e contravenções maquiadas de Cristianismo são os alvos de The Eyes of Tammy Faye, uma cinebiografia imperfeita, mas extremamente bem produzida.
O longa dirigido por Michael Showalter, a partir de um roteiro assinado por Abe Sylvia, nos conquista em primeira instância por sua impecável estética. Aqui, o design dos anos 70 e 80 extravasam pelas telas de forma nostálgica, nos levando a uma viagem no tempo em memorabilias culturais e sociais imprensas tanto na decoração dos ambientes, bem como no visual extravagante e ostensivo de ambas as décadas. E à medida em que acompanhamos a ascensão e queda do casal Bakker, o zeitgeist da época se mostra diante dos nossos olhos, nos hipnotizando a querer cada vez mais uma fatia maior dessa história.
Dito isso, The Eyes of Tammy é um espetáculo visual quase plástico, que nos leva até o fim pelas impressionantes performances de Jessica Chastain e Andrew Garfield. E ainda que suas diferenças de idade pudessem destoar em tela, o excepcional trabalho de maquiagem de Linda Dowds (maquiadora de longa data da atriz e vencedora do Emmy Awards) nos vende de forma convincente esse casal de pregadores que se esqueceu da essência de seu ministério pastoral: Cristo e a Bíblia. E ao longo da narrativa, somos apresentados aos excessos, luxo, insegurança e irresponsabilidade fiscal e moral da dupla que ergueu um império a partir do televangelismo. Com uma rede de TV que faturava milhões com programações focadas no público cristão, o casal ostentou um estilo glamouroso, sempre bancado por seus fiéis, que diligentemente ofertavam sob um falso discurso que nada tem a ver com as Escrituras Sagradas.
Mas o que torna o filme uma experiência tão valiosa é o equilíbrio de um roteiro que sabe ser algoz de um crime em particular. Ao invés de crucificar o Cristianismo de forma arrogante ou ofendida – sem base sustentável para esse argumento -, o roteirista Abe Sylvia faz as devidas distinções, acerta em deliberar sobre um caso em específico, ao contrário de partir para uma generalização grotesca e equivocada, e faz o seu dever corretamente. E ao final de suas quase duas horas de duração, The Eyes of Tammy Faye é uma genuína cinebiografia que opera na neutralidade e é determinada a solidificar seus fatos, sem fazer qualquer juízo de valor infundado e de ego ferido – como vemos tantas vezes em filmes que exploram a realidade de falsos cristãos.
E proporcionando sempre uma experiência imersiva, o drama biográfico abusa de sua edição e montagem, sempre trazendo a estética padrão da televisão dos anos 70 e 80 para dentro da trama. Aqui, as cenas se transformam em takes jornalísticos bem arquitetados, que quase ecoam um formato mais documental. Nos tragando de forma profunda e hipnótica para as performances de Chastain e Garfield, The Eyes of Tammy Faye é um deleite para os olhos. Extravagante em sua estética flamboyant e nas atuações dignas de indicações ao Oscar de ambos os seus protagonistas, a cinebiografia pode até nos encher de sentimentos dúbios, mas uma certeza persevera: Esse é um dos melhores papéis da história da Jessica Chastain.