A volta… dos que Não Foram
Os Órfãos é a mais recente obra a levar às telonas o popular conto The Turn of the Screw (A Volta do Parafuso), de Henry James, lançado originalmente em 1898. A ideia, no entanto, já nasce no prejuízo devido a dois grandes problemas essenciais. O primeiro é que a história antiga perdeu seu frescor, já que ao longo de mais de um século ganhamos diversas tramas similares – muitas inclusive inspiradas pela obra-prima de James. Filmes como O Sexto Sentido (1999) e Os Outros (2001), por exemplo, elogiados por críticos e público, beberam de sua fonte mesclando bem os temas de fantasmas e loucura. Isso sem contarmos os diversos outros longas que se apropriaram de temática similar a este que foi um dos precursores do gênero.
O segundo é: para que os Órfãos conseguisse sobressair o “mais do mesmo” seria necessário investir em certos diferenciais na produção, ou seja, um bom texto, uma direção inovadora e atuações chamativas. Infelizmente, ele não possui nenhum destes itens. Em resumo, Os Órfãos conta uma história muito “batida”, de uma forma pouquíssimo inspirada. Por comparação, Os Inocentes (1961), a mais famosa e elogiada adaptação do texto, contou com roteiro do escritor Truman Capote, direção do indicado ao Oscar Jack Clayton (Almas em Leilão) e foi estrelado por Deborah Kerr, indicada para 6 Oscar. E este tipo de pedigree geralmente consegue tirar leite de pedra.
Qualquer história ou ideia, por mais requentada que seja, pode ser contada ou recontada com novidade e entusiasmo, basta o contador de histórias certo. E, infelizmente, a italiana Floria Sigismondi não tem o melhor dos desempenhos no comando desta obra – que poderia sim ser impactante como sua reviravolta, caso utilizasse a abordagem certa. A diretora, saída do mundo dos videoclipes, até passou por bons títulos em programas de TV, vide Demolidor (2016), O Conto da Aia (2017) e Deuses Americanos (2017), mas em seu segundo longa após o morno The Runaways: Garotas do Rock (2010), exibe pouco pulso, num comando frouxo de seus bons atores, uma fotografia pra lá de escura, e recai nos mais variados clichês do gênero.
Na trama, modernizada para os anos 1990 (para evitar o uso de telefones celulares), uma jovem governanta (papel da carismática Mackenzie Davis) aceita emprego numa mansão de campo para cuidar de duas crianças órfãs ricas. Seus pais morreram e eles estão sob custódia do tio, que vive a trabalhar em Londres, deixando a criação dos pequenos a cargo da Sra. Grose (Barbara Marten), que comanda o lugar. Idosa e cansada, ela agora recorre à ajuda de Kate (Davis), após a última governanta jovem abandonar o serviço sem grandes explicações.
Os herdeiros do local são a doce Flora (Brooklyn Prince, de Projeto Flórida), a filha mais nova, e o problemático Miles (Finn Wolfhard, de Stranger Things), o filho mais velho. O menino em especial irá testar a nova funcionária, sempre a desafiando e a assustando constantemente. Piorando a situação da protagonista, ela começa a ter visões de um homem e uma jovem mulher no local, os espíritos de dois ex-funcionários, que podem estar atrelados às crianças. Dentro deste ambiente de trabalho nada convidativo, Kate luta para manter sua sanidade.
Como dito acima, Os Órfãos possui muitos problemas. Aposta em sustos fáceis para disfarçar suas fragilidades narrativas e técnicas. A fotografia é demasiadamente escura, causando mais sonolência na plateia do que propriamente cria um clima aterrorizador. Os atores fazem o que podem com o material, mas muitas vezes soam perdidos. Mackenzie Davis, uma das promessas da nova geração em Hollywood, luta com unhas e dentes para defender sua personagem, e se esforça para que faça sentido. Mas a protagonista é simplesmente insossa demais, sem ganhar as qualidades necessárias para que cumpra a intenção da reviravolta final.
Os Órfãos é um destes filmes que tentam de tudo para que sua reviravolta final faça valer o que vimos até então, surpreendendo o espectador com um cruzado de esquerda inesperado. Em casos assim, grande parte da audiência irá “tolerar” o marasmo apresentado, com o argumento de que “tudo faz sentido agora”. Este é um dos golpes mais baixos de alguns realizadores: justificar a falta de qualquer atrativo na projeção por “um bem maior”. Afinal, são raros os casos de reviravoltas que conseguem redimir filmes ruins – ou possivelmente inexistentes. Para complicar ainda mais o caso de Os Órfãos, o filme parece inacabado, como se nos cinco minutos finais a diretora percebesse que não tinha mais muito espaço para desenvolver ou explicar seu remate e simplesmente resolvesse fechar as cortinas.
Agora é esperar para o texto de Henry James ser melhor tratado na segunda temporada da ótima A Maldição da Residência Hill, com foco desta vez na mansão Bly desta história, com estreia programada ainda para 2020.
A genética da loucura | O final explicado de ‘Os Órfãos’