quarta-feira , 11 dezembro , 2024

A genética da loucura | O final explicado de ‘Os Órfãos’

Henry James voltou às telonas seis décadas depois da última investida cinematográfica com Os Órfãos. E, por mais que o filme dirigido por Floria Sigismondi seja repleto de falhas, é inegável dizer que a narrativa nos conduziu a um finale incompreensível e cheio de interpretações, optando por desconstruir a conclusão do romance original, A Outra Volta do Parafuso, e reinventá-la em uma íntima jornada através da loucura.

Cuidado: muitos spoilers à frente.



Primeiramente, devemos nos recordar (ou sermos apresentados) ao livro assinado por James em 1898. A trama é delineada por um narrador não identificado que ouve atentamente ao seu amigo Douglas ler o manuscrito de uma antiga governanta e sua já falecida amiga que trabalhou numa antiga e arrepiante mansão.

À medida que os eventos vão se desenrolando, percebemos que o gigantesco casarão é palco de diversas experiências sobrenaturais que levam a jovem tutora a se perguntar se está à beira de um colapso de insanidade ou se realmente todos ali estão cientes das aparições do além-mundo e aprenderam a conviver em paz com isso. Mais do que isso, ela descobre que um antigo cavalariço havia cometido um assassinato brutal na propriedade e que, depois de sua morte, havia possuído o corpo de Miles, um dos órfãos.

Não demora muito para que a governanta passe a protegê-lo e a tentar salvá-lo de uma espécie de pacto demoníaco; porém, todas as suas investidas foram em vão, visto que o espírito maligno acaba deixando o corpo de Miles, que falece em seus braços – e, assim, as últimas palavras do livro são escritas.

Um marco no romance gótico do final do século XIX, A Outra Volta do Parafuso sempre serviu de inspiração para filmes e séries televisivas – até chegar às mãos de Sigismondi, que acreditou profundamente que uma repaginação psicológica seria uma boa pedida para o longa-metragem. Logo, é notável a aproximação de sua obra com os escritos originais, que logo se transformam em um frenesi de reviravoltas acerca da própria protagonista, Kate (interpretada por Mackenzie Davis).

Apesar da construção formulaica, que se inicia com a chegada da personagem à mansão dos Fairchild e seu exponencial contato com o sobrenatural, a transição do segundo para o terceiro ato do filme acontece, na verdade, dentro da mente de Kate. Após noites sem dormir (e a constante preocupação de que um dos seus pupilos irá atacá-la a qualquer momento), ela recebe um pacote com vários desenhos feitos pela mãe – rabiscos a princípio inteligíveis que revelam ser uma espécia de “profecia”.

Logo depois, Kate descobre os obscuros segredos daquela casa, incluindo a morte da tutora predecessora e a ameaça que Quint, o cavalariço, inflige não apenas nela, mas em cada pessoa que reside naquele lugar. Em um mergulho no complexo de salvadora, ela resgata as duas crianças e consegue passar pelos portões dos Fairchild, seguindo noite adentro até estarem são e salvos.

Ou ao menos Kate pensa que fez isso.

Na verdade, a dinâmica sequência se passa o tempo todo dentro da mente da protagonista, que ficou todo esse tempo fitando os desenhos da mãe. E, quando volta a si, ela já está mais danificada do que antes, obrigando as crianças a lhe contar sobre Quint e os fantasmas que se escondem nos quartos.

A reviravolta final vem em um singelo take, no qual Kate derruba a boneca de porcelana de Flora (Brooklynn Prince). Miles (Finn Wolfhard), então, diz que o brinquedo está quebrado assim como ela – e é nesse momento que talvez compreendamos o que realmente esteve acontecendo desde o princípio.

Em uma viagem para dentro da psique humana, Kate se vê enclausurada em seus próprios pensamentos, levada a uma versão assustadora do manicômio em que sua mãe está trancafiada. Entretanto, quando tenta olhar para seu rosto, solta um grito gutural – que nunca é explicado. De fato, os espectadores são levados a um entendimento ambíguo do que ocorreu: Kate provavelmente viu a si mesma e percebeu que a realidade em que vivia foi criada por uma mente deturpada e traumatizada; ou viu sua mãe e se deu conta que havia sido engolfada pela mesma loucura genética premeditada durante todo o longa.

A própria diretora confirmou esse duplo final, dizendo que “é uma questão de encontrar a essência da cena, o sentimento. Eu queria que os espectadores tivessem uma experiência diferente dos outros filmes – uma experiência em uma nível mais interno. Eu não queria mastigar a história para a audiência. Eu queria que as pessoas interpretassem o filme de formas diferentes. O diálogo geral é o que me anima.”

“O final é uma ideia temática de estar preso com esse trauma com o qual está tentando lidar”, ela acrescentou. “O desfecho é diferente do livro, pois eu queria que o filme fosse diferente e surpreendente. Eu queria que a Kate se redimisse e queria contar uma história mais pessoal.”

Davis, por sua vez, conversou com o CinePOP em uma entrevista exclusiva e também falou sobre a personalidade traumatizada da personagem principal – o que também explica o final alternativo imprimido no filme.

Confira:

Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Cuidado: muitos spoilers à frente.

Primeiramente, devemos nos recordar (ou sermos apresentados) ao livro assinado por James em 1898. A trama é delineada por um narrador não identificado que ouve atentamente ao seu amigo Douglas ler o manuscrito de uma antiga governanta e sua já falecida amiga que trabalhou numa antiga e arrepiante mansão.

À medida que os eventos vão se desenrolando, percebemos que o gigantesco casarão é palco de diversas experiências sobrenaturais que levam a jovem tutora a se perguntar se está à beira de um colapso de insanidade ou se realmente todos ali estão cientes das aparições do além-mundo e aprenderam a conviver em paz com isso. Mais do que isso, ela descobre que um antigo cavalariço havia cometido um assassinato brutal na propriedade e que, depois de sua morte, havia possuído o corpo de Miles, um dos órfãos.

Não demora muito para que a governanta passe a protegê-lo e a tentar salvá-lo de uma espécie de pacto demoníaco; porém, todas as suas investidas foram em vão, visto que o espírito maligno acaba deixando o corpo de Miles, que falece em seus braços – e, assim, as últimas palavras do livro são escritas.

Um marco no romance gótico do final do século XIX, A Outra Volta do Parafuso sempre serviu de inspiração para filmes e séries televisivas – até chegar às mãos de Sigismondi, que acreditou profundamente que uma repaginação psicológica seria uma boa pedida para o longa-metragem. Logo, é notável a aproximação de sua obra com os escritos originais, que logo se transformam em um frenesi de reviravoltas acerca da própria protagonista, Kate (interpretada por Mackenzie Davis).

Apesar da construção formulaica, que se inicia com a chegada da personagem à mansão dos Fairchild e seu exponencial contato com o sobrenatural, a transição do segundo para o terceiro ato do filme acontece, na verdade, dentro da mente de Kate. Após noites sem dormir (e a constante preocupação de que um dos seus pupilos irá atacá-la a qualquer momento), ela recebe um pacote com vários desenhos feitos pela mãe – rabiscos a princípio inteligíveis que revelam ser uma espécia de “profecia”.

Logo depois, Kate descobre os obscuros segredos daquela casa, incluindo a morte da tutora predecessora e a ameaça que Quint, o cavalariço, inflige não apenas nela, mas em cada pessoa que reside naquele lugar. Em um mergulho no complexo de salvadora, ela resgata as duas crianças e consegue passar pelos portões dos Fairchild, seguindo noite adentro até estarem são e salvos.

Ou ao menos Kate pensa que fez isso.

Na verdade, a dinâmica sequência se passa o tempo todo dentro da mente da protagonista, que ficou todo esse tempo fitando os desenhos da mãe. E, quando volta a si, ela já está mais danificada do que antes, obrigando as crianças a lhe contar sobre Quint e os fantasmas que se escondem nos quartos.

A reviravolta final vem em um singelo take, no qual Kate derruba a boneca de porcelana de Flora (Brooklynn Prince). Miles (Finn Wolfhard), então, diz que o brinquedo está quebrado assim como ela – e é nesse momento que talvez compreendamos o que realmente esteve acontecendo desde o princípio.

Em uma viagem para dentro da psique humana, Kate se vê enclausurada em seus próprios pensamentos, levada a uma versão assustadora do manicômio em que sua mãe está trancafiada. Entretanto, quando tenta olhar para seu rosto, solta um grito gutural – que nunca é explicado. De fato, os espectadores são levados a um entendimento ambíguo do que ocorreu: Kate provavelmente viu a si mesma e percebeu que a realidade em que vivia foi criada por uma mente deturpada e traumatizada; ou viu sua mãe e se deu conta que havia sido engolfada pela mesma loucura genética premeditada durante todo o longa.

A própria diretora confirmou esse duplo final, dizendo que “é uma questão de encontrar a essência da cena, o sentimento. Eu queria que os espectadores tivessem uma experiência diferente dos outros filmes – uma experiência em uma nível mais interno. Eu não queria mastigar a história para a audiência. Eu queria que as pessoas interpretassem o filme de formas diferentes. O diálogo geral é o que me anima.”

“O final é uma ideia temática de estar preso com esse trauma com o qual está tentando lidar”, ela acrescentou. “O desfecho é diferente do livro, pois eu queria que o filme fosse diferente e surpreendente. Eu queria que a Kate se redimisse e queria contar uma história mais pessoal.”

Davis, por sua vez, conversou com o CinePOP em uma entrevista exclusiva e também falou sobre a personalidade traumatizada da personagem principal – o que também explica o final alternativo imprimido no filme.

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