Incansáveis, apaixonantes, intermináveis e até mesmo…repetitivas. Em um universo de comédias românticas, lágrimas e risos se mesclam em narrativas que exploram a inesgotável busca pelo amor, sempre acompanhada do reflexivo sabor da autodescoberta. Independente da faixa etária, homens e mulheres são partes dessa jornada, que encanta audiências, promove excessivos devaneios em adolescentes e aquece os corações com a esperança de que não há solidão emocional que perdure. Aqui, gente como Nancy Meyers desconstrói a rom-com hollywoodiana, ao construir um maravilhoso subgênero onde mulheres maduras são os holofotes. Já no que tange o romance juvenil, o clichê “garota-encontra-garoto” também ganha novos ares, sob a perspectiva de Jenny Han, a escritora de jovens-adultos que, ao lado de Meg Cabot, trouxe uma nova sensibilidade para um formato quase blasé de tão comum. E pelas mãos da Netflix, Han viu suas extensas linhas românticas saltarem das páginas, com a chegada da comédia Para Todos os Garotos que Já Amei.
Um dos aspectos mais fascinantes da produção, que segue a estrutura original do livro homônimo – com as ressalvas de qualquer obra adaptada, é a diversidade em si. Fazendo uma breve varredura nas décadas de 90 e 2000 – auge das rom-coms -, é assustadora a falta de discrepância sociocultural e racial das produções. Clássicos inveterados e amados como 10 Coisas Eu Odeio em Você (1999), O Casamento do Meu Melhor Amigo (1997), Ela é Demais (1999), Vestida Para Casar (2008) e a Verdade Nua e Crua (2009) revelam uma genuína verdade inconveniente. Com exceções de filmes onde o elenco é essencialmente negro, como Pense como Eles, a ausência de personagens principais multirraciais é vergonhosa. Jenny Han corrige o erro histórico e faz de Lara Jean a protagonista que tanto ansiávamos ver no cinema. De origem asiática, ela é ainda mais representativa, fruto de um casamento inter-racial, onde culturas que estão a continentes de distância consolidam o elo e acalento de um genuíno lar, com uma família comum, mas absolutamente representativa.
Em Para Todos os Garotos que Já Amei, Lara Jean consome seus dias em romances impressos em paperback, que exalam virilidade masculina e o complexo do amor proibido com mulheres belíssimas, sensuais e misteriosas. Construindo seu idealismo romântico a partir das experiências imaginativas da ficção, ela é o reflexo de décadas passadas da juventude, onde a inocência e a delicadeza do amor verdadeiro permeavam as mentes de garotas que só queriam ser correspondidas com pureza e carinho. Com uma sensibilidade que chega a ser extravagante, em tempos de hiper sexualização juvenil, a comédia romântica da Netflix é o sopro de vigor que o subgênero tanto precisava, resgatando o que mais amávamos quando nós mesmos éramos meninas. Sob a encantadora atuação de Lana Condor, somos ainda mais hipnotizados com uma jovem atriz vietnamita, que delicadamente entra em Hollywood provando uma vez mais o quanto o ramo precisa abrir seus olhos para talentos além mar.
Em uma trama onde a inocência de outrora se encontra com o legalismo emocional da geração millennial, a comédia se encharca de referências oitentistas, resgata os clássicos de John Hughes com saudosismo e respeito e conta com uma trilha sonora que é quase uma epifania temporal, fazendo de ‘Everybody Wants to Rule The World’, de Tears for Fears, uma canção quase nova – de tão simbólica que é dentro da história. E nessa atmosfera, Lara Jean coleciona cartas românticas, escritas por ela mesma, aos seus amores platônicos. Como uma espécie de desabafo emocional, ela recita seus sentimentos abertamente, arquivando-os em uma bela caixa azul, que misteriosamente some, fazendo com que todos os garotos recebam a revelação máxima de seus sentimentos até então secretos. O conflito principal é cercado por uma dinâmica familiar extasiante, em que um pai viúvo (John Corbett) tenta lidar com suas três filhas em fases distintas da vida, se apoiando na sabedoria da esposa e em seu amor paterno incondicional.
Sob a direção de Susan Johnson, Para Todos os Garotos que Já Amei tem uma fotografia simples, com uma narrativa que – a partir da divulgação inesperada das cartas de amor – molda o caráter de seus personagens. Inicialmente apresentados pela ótica de Lara Jean, Peter Kavinsky (Noah Centineo) e Josh Sanderson (Israel Broussard) ganham suas características próprias, ajudando a tecer a comédia romântica que – conforme se desenha entre os inúmeros pensamentos da protagonista – ganha vida para fora, centrando-se na fundamental autodescoberta que a juventude tanto guarda. E entre encontrar o primeiro amor e sua real identidade, a produção original da Netflix se consolida com uma delicadeza desmedida, fazendo da sensibilidade e doçura os diferenciais em um emaranhado de comédias românticas onde o sexo parece ser a única coisa de valor para a nova adolescência.