sábado , 21 dezembro , 2024

Crítica | Pele – Documentário faz um retrato experimental e político da arte de rua de Belo Horizonte

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Se o cinema tem um poder diante dos outros modos de expressão artísticas é o de colocar os nossos sentidos para funcionar numa falsa sensação de sinestesia, isto é, vemos e escutamos, mas acreditamos que podemos sentir os odores, gostos e tato do que nos é apresentado. Desse modo, Marcos Pimentel constrói Pele, um documentário experimental sobre a presença do grafite e outras expressões artísticas pelos muros de Belo Horizonte.

Com o desafio de encontrar o seu público e conseguir conectar-se com ele, Pele é uma obra de sobreposição de imagens sem um narrador a dar ligação, pertinência e explicação. O silêncio é uma máxima do trabalho do diretor mineiro — todos os seus curtas-metragens estão disponíveis gratuitamente no site da Embaúba Filmes — e o corte das palavras pode ser amedrontador para algumas pessoas.



Por outro lado, a prerrogativa do cinema é as imagens falarem por si e elas mostram uma cidade expressiva em suas questões de desigualdade social, miscigenação dos povos, os apoios e revoltas políticas e a soma das dores do cotidiano, desde a fome a um coração partido. As frases nos prédios e muros dão um pouco de letra ao barulho dos motores e rodas nos asfalto substituídos em poucos momentos por vozes destituídas de rosto ao grito de suporte ao atual presidente eleito em 2023 e sobre a liberdade do próprio corpo às mulheres.

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Seja por escolha política, seja por estética, os momentos se sobressaltam na contínua exposição de figuras, rostos e belas pinturas da cidade. Como um recorte do cotidiano dos moradores e visitantes de Belo Horizonte, o documentário registra momentos de selfie ou de brincadeira de crianças diante da obra de arte — momentaneamente banalizada por eles.

Embora tenha apenas 70 minutos, Pele parece longo pela repetição das imagens permeadas de alguns discursos mais contundentes com supracitados. Os momentos mais eficientes são deixados para as sequências finais, como a destruição de um dos muros por uma retroescavadeira representando ao mesmo tempo a perenidade das arte de rua e a banalidade do trabalho deixado aos olhos de todos. 

O apagamento da arte e essência das ruas foi denunciado no pertinente documentário Cidade Cinza (2003), de Marcelo Mesquita e Guilherme Valiengo. Grafites são partes do cenário urbano das grandes cidades, alguns espaços ganham caráter turístico e encantador como o Beco do Batman, em São Paulo, Graffiti Alley, em Toronto, e Street Art Avenue, ao longo do Canal de Saint-Denis, no subúrbio de Paris. Marcos Pimentel, no entanto, não apresenta Pele para ser um chamariz de Belo Horizonte, mas para ser um movimento político.

As últimas imagens do documentário são dedicadas ao ex-presidente Bolsonaro de forma jocosa e humorada. Em um país dividido  — como constatou-se nas últimas eleições  — é estranho que nenhum discurso de ódio, fascismo e pró-conservadorismo apareça nas ruas. Quem utiliza as ruas para se expressar tem uma identidade única e semelhante? Ou será o recorte do diretor que seleciona os discursos de apenas uma parte do povo da sexta cidade mais populosa do Brasil?  

Com agradecimentos à inventividade, opinião, bom humor, coragem e generosidade dos artistas em evidência no documentário, Marcos Pimentel não utilizou  — infelizmente  — os mesmos elementos para organizar o seu desfile experimental de pinturas, desenhos e escritos. Como um projeto aparentemente desenvolvido do curta-metragem Taba (2010) — do mesmo diretor —, sobre o cotidiano das diversas tribos e territórios de Belo Horizonte, Pele sussurra uma boa proposta, mas perde a atenção do espectador na montagem de maneira “slideshow” sem narrativa.

Lançado em 26 de outubro nos cinemas, Pele está em cartaz em seis cidades brasileiras e chega para locação no site da Embaúba Play em breve. 

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Se o cinema tem um poder diante dos outros modos de expressão artísticas é o de colocar os nossos sentidos para funcionar numa falsa sensação de sinestesia, isto é, vemos e escutamos, mas acreditamos que podemos sentir os odores, gostos e tato do que nos é apresentado. Desse modo, Marcos Pimentel constrói Pele, um documentário experimental sobre a presença do grafite e outras expressões artísticas pelos muros de Belo Horizonte.

Com o desafio de encontrar o seu público e conseguir conectar-se com ele, Pele é uma obra de sobreposição de imagens sem um narrador a dar ligação, pertinência e explicação. O silêncio é uma máxima do trabalho do diretor mineiro — todos os seus curtas-metragens estão disponíveis gratuitamente no site da Embaúba Filmes — e o corte das palavras pode ser amedrontador para algumas pessoas.

Por outro lado, a prerrogativa do cinema é as imagens falarem por si e elas mostram uma cidade expressiva em suas questões de desigualdade social, miscigenação dos povos, os apoios e revoltas políticas e a soma das dores do cotidiano, desde a fome a um coração partido. As frases nos prédios e muros dão um pouco de letra ao barulho dos motores e rodas nos asfalto substituídos em poucos momentos por vozes destituídas de rosto ao grito de suporte ao atual presidente eleito em 2023 e sobre a liberdade do próprio corpo às mulheres.

Seja por escolha política, seja por estética, os momentos se sobressaltam na contínua exposição de figuras, rostos e belas pinturas da cidade. Como um recorte do cotidiano dos moradores e visitantes de Belo Horizonte, o documentário registra momentos de selfie ou de brincadeira de crianças diante da obra de arte — momentaneamente banalizada por eles.

Embora tenha apenas 70 minutos, Pele parece longo pela repetição das imagens permeadas de alguns discursos mais contundentes com supracitados. Os momentos mais eficientes são deixados para as sequências finais, como a destruição de um dos muros por uma retroescavadeira representando ao mesmo tempo a perenidade das arte de rua e a banalidade do trabalho deixado aos olhos de todos. 

O apagamento da arte e essência das ruas foi denunciado no pertinente documentário Cidade Cinza (2003), de Marcelo Mesquita e Guilherme Valiengo. Grafites são partes do cenário urbano das grandes cidades, alguns espaços ganham caráter turístico e encantador como o Beco do Batman, em São Paulo, Graffiti Alley, em Toronto, e Street Art Avenue, ao longo do Canal de Saint-Denis, no subúrbio de Paris. Marcos Pimentel, no entanto, não apresenta Pele para ser um chamariz de Belo Horizonte, mas para ser um movimento político.

As últimas imagens do documentário são dedicadas ao ex-presidente Bolsonaro de forma jocosa e humorada. Em um país dividido  — como constatou-se nas últimas eleições  — é estranho que nenhum discurso de ódio, fascismo e pró-conservadorismo apareça nas ruas. Quem utiliza as ruas para se expressar tem uma identidade única e semelhante? Ou será o recorte do diretor que seleciona os discursos de apenas uma parte do povo da sexta cidade mais populosa do Brasil?  

Com agradecimentos à inventividade, opinião, bom humor, coragem e generosidade dos artistas em evidência no documentário, Marcos Pimentel não utilizou  — infelizmente  — os mesmos elementos para organizar o seu desfile experimental de pinturas, desenhos e escritos. Como um projeto aparentemente desenvolvido do curta-metragem Taba (2010) — do mesmo diretor —, sobre o cotidiano das diversas tribos e territórios de Belo Horizonte, Pele sussurra uma boa proposta, mas perde a atenção do espectador na montagem de maneira “slideshow” sem narrativa.

Lançado em 26 de outubro nos cinemas, Pele está em cartaz em seis cidades brasileiras e chega para locação no site da Embaúba Play em breve. 

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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