quinta-feira , 26 dezembro , 2024

Crítica | ‘Penny Dreadful’ chega ao fim com um triste adeus de Vanessa Ives

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Enfim chegamos à aguardada conclusão de ‘Penny Dreadful. A apaixonante, complexa e angustiante jornada de Vanessa Ives (Eva Green) encontra o seu fim e, ainda que tenha dividido o gosto e a atenção do público, é inegável que a série criada por John Logan quebrou os paradigmas do saturado gênero do terror psicológico e do gore e cumpriu com sua promessa: renovar a televisão contemporânea e dar um up na indústria do entretenimento. Diferente de outras produções que seguiram a mesma linha, esta aqui traz, além de atuações impecáveis, reflexões acerca da natureza humana, da conturbada escolha entre o que é certo e o que é justo, e do sacrifício em prol de um bem maior. E ainda que sintamos falta dos episódios semanais, o show definitivamente não será esquecido por muitos e muitos anos.

Após o soberbo e comovente finale da segunda temporada, Vanessa trilha o seu caminho sozinha. Sir Malcolm (Timothy Dalton) viaja para a África e se encontra com um misterioso nativo que promete mudar suas concepções sobre a vida e sobre os enigmas que perscrutam seu passado, Ethan (Josh Hartnett) é enviado para a América a mando do Inspetor Rusk (Douglas Hodge), e Victor (Harry Treadaway) retorna a seu próprio mundo para continuar as pesquisas e reconquistar o coração perdido de Lily (Billie Piper), sua última criação que acabou se rebelando e se juntando a uma sinistra figura tão imortal quanto ela própria.



Já nos primeiros minutos do terceiro ano, percebemos que Logan opta por uma atmosfera ainda mais sombria, marcada por um claro expressionismo e uma coibição otimista. Vanessa, ainda que tente prosseguir com seu cotidiano, está marcada por inúmeros traumas e se transforma em uma mulher cada vez mais frágil, mas não no sentido real da palavra: por ter intenções puras e sempre ter prezado pelo melhor, a heroína se torna influenciável ao extremo, atraindo a atenção de um curador de museu chamado Alexander Sweet (Christian Camargo). Sua presença é envolvente desde o princípio, mas refuta quaisquer esperanças para a sanidade de Vanessa quando revela ser, na verdade, o grande arauto das Trevas conhecido como Drácula.

O famoso vampiro, relido e repaginado diversas vezes para o cinema e para a TV, é uma adição aguardada desde os primeiros episódios de ‘Penny Dreadful. Para aqueles que não se recordam, Vanessa, Malcolm e Ethan enfrentaram inúmeros servos de Drácula escondidos nos becos e esgotos de Londres, para reencontrar Mina (Olivia Llewellyn) e descobrir que ela também havia sido transformada. Porém, eles nunca de fato chegaram a enfrentá-lo, e é compreensível que o showrunner tenha deixado o melhor para o final. Seguindo um padrão que nos relembra Bram Stoker, o antagonista é um charmoso cientista, dotado de uma retórica exemplar e de uma capacidade incrível de persuadir quem bem desejar. À medida que se aproxima dela, revela suas intenções de trazê-la para seu lado como noiva e dar início a um reino de terror e caos.

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Essa não é a única drástica mudança dos arcos principais. Lily e Dorian (Reeve Carney) também são incumbidos com uma tarefa decisiva para a mudança de relações entre homem e mulher dentro da sociedade londrina. O casal faz um incrível retorno ao resgatarem a jovem prostituta encarcerada Justine (Jessica Barden) e começarem um clã feminino justiceiro supervisionado pela personagem de Piper. Na sequência em questão, o diretor Damon Thomas coreografa com precisão os movimentos de luta, adicionando alguns elementos populares das obras de ação, e culminando novamente no preciosismo cênico da Inglaterra vitoriana. É certo dizer que eles também resgatam a teatralidade trágica com seus diálogos existenciais e políticos, aumentando o misticismo da temporada até os minutos finais da série.

Green rouba a cena em mais um dos aguardados flashbacks, mas dessa vez dividindo os holofotes com Rory Kinnear, retornando como John Clare, mas antes de morrer e se tornar o monstro de Frankenstein. Acontece que John trabalhava em um sanatório, o mesmo no qual Vanessa foi internada para ser tratada de suas frases sem sentido e seus constantes episódios de epilepsia (que na verdade se revelaram como possessões demoníacas). Posso dizer com convicção que a atuação de Green é um dos pontos altos, resgatando a glória de outras construções tão importantes, como a possessão em “Séance”, na primeira temporada, ou sua gloriosa rendição em “Possession”. A atriz já se provou merecedora dos aplausos e aqui não poderia ser diferente, entregando-se de corpo e alma para as nuances necessárias que transformam a protagonista em uma das criações mais complexas da televisão contemporânea.

Eventualmente, Vanessa é levada ao limite e rende-se à escuridão para salvar a si mesma e para salvar seus amigos. Ethan, por sua vez, recebe ajuda de uma antiga inimiga, Hecate (Sarah Greene), e acaba retornando como o Lobo de Deus para por fim nas investidas demoníacas de Drácula. O aguardado final talvez não tenha sido melhor recebido pelo público pelo choque e por ter colocado fim ao arco da heroína da forma mais pura possível: em uma resolução shakespeariana à la Romeu e Julieta, ela dá seu último suspiro nos braços de Ethan, marcando uma simbólica construção entre o bem e o mal, o sacrifício e o poder.

As ambivalências de Penny Dreadful não se restringem apenas ao plano sobrenatural e se estendem para os outros personagens. Victor, Lily e Dorian dão adeus de forma mais resignada, compreendendo que seus esforços de nada serviram para as mudanças que buscavam causar. É muito fácil perceber como o negativismo compulsório é um dos elementos de ambientação mais utilizados e que melhor funcionam para nos envolver – não é à toa que funciona até os momentos finais. E, de qualquer modo, essa incrível série sempre foi capaz de nos relembrar que a morte é certeira e é apenas o princípio de uma nova e eterna jornada.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Crítica | ‘Penny Dreadful’ chega ao fim com um triste adeus de Vanessa Ives

Enfim chegamos à aguardada conclusão de ‘Penny Dreadful. A apaixonante, complexa e angustiante jornada de Vanessa Ives (Eva Green) encontra o seu fim e, ainda que tenha dividido o gosto e a atenção do público, é inegável que a série criada por John Logan quebrou os paradigmas do saturado gênero do terror psicológico e do gore e cumpriu com sua promessa: renovar a televisão contemporânea e dar um up na indústria do entretenimento. Diferente de outras produções que seguiram a mesma linha, esta aqui traz, além de atuações impecáveis, reflexões acerca da natureza humana, da conturbada escolha entre o que é certo e o que é justo, e do sacrifício em prol de um bem maior. E ainda que sintamos falta dos episódios semanais, o show definitivamente não será esquecido por muitos e muitos anos.

Após o soberbo e comovente finale da segunda temporada, Vanessa trilha o seu caminho sozinha. Sir Malcolm (Timothy Dalton) viaja para a África e se encontra com um misterioso nativo que promete mudar suas concepções sobre a vida e sobre os enigmas que perscrutam seu passado, Ethan (Josh Hartnett) é enviado para a América a mando do Inspetor Rusk (Douglas Hodge), e Victor (Harry Treadaway) retorna a seu próprio mundo para continuar as pesquisas e reconquistar o coração perdido de Lily (Billie Piper), sua última criação que acabou se rebelando e se juntando a uma sinistra figura tão imortal quanto ela própria.

Já nos primeiros minutos do terceiro ano, percebemos que Logan opta por uma atmosfera ainda mais sombria, marcada por um claro expressionismo e uma coibição otimista. Vanessa, ainda que tente prosseguir com seu cotidiano, está marcada por inúmeros traumas e se transforma em uma mulher cada vez mais frágil, mas não no sentido real da palavra: por ter intenções puras e sempre ter prezado pelo melhor, a heroína se torna influenciável ao extremo, atraindo a atenção de um curador de museu chamado Alexander Sweet (Christian Camargo). Sua presença é envolvente desde o princípio, mas refuta quaisquer esperanças para a sanidade de Vanessa quando revela ser, na verdade, o grande arauto das Trevas conhecido como Drácula.

O famoso vampiro, relido e repaginado diversas vezes para o cinema e para a TV, é uma adição aguardada desde os primeiros episódios de ‘Penny Dreadful. Para aqueles que não se recordam, Vanessa, Malcolm e Ethan enfrentaram inúmeros servos de Drácula escondidos nos becos e esgotos de Londres, para reencontrar Mina (Olivia Llewellyn) e descobrir que ela também havia sido transformada. Porém, eles nunca de fato chegaram a enfrentá-lo, e é compreensível que o showrunner tenha deixado o melhor para o final. Seguindo um padrão que nos relembra Bram Stoker, o antagonista é um charmoso cientista, dotado de uma retórica exemplar e de uma capacidade incrível de persuadir quem bem desejar. À medida que se aproxima dela, revela suas intenções de trazê-la para seu lado como noiva e dar início a um reino de terror e caos.

Essa não é a única drástica mudança dos arcos principais. Lily e Dorian (Reeve Carney) também são incumbidos com uma tarefa decisiva para a mudança de relações entre homem e mulher dentro da sociedade londrina. O casal faz um incrível retorno ao resgatarem a jovem prostituta encarcerada Justine (Jessica Barden) e começarem um clã feminino justiceiro supervisionado pela personagem de Piper. Na sequência em questão, o diretor Damon Thomas coreografa com precisão os movimentos de luta, adicionando alguns elementos populares das obras de ação, e culminando novamente no preciosismo cênico da Inglaterra vitoriana. É certo dizer que eles também resgatam a teatralidade trágica com seus diálogos existenciais e políticos, aumentando o misticismo da temporada até os minutos finais da série.

Green rouba a cena em mais um dos aguardados flashbacks, mas dessa vez dividindo os holofotes com Rory Kinnear, retornando como John Clare, mas antes de morrer e se tornar o monstro de Frankenstein. Acontece que John trabalhava em um sanatório, o mesmo no qual Vanessa foi internada para ser tratada de suas frases sem sentido e seus constantes episódios de epilepsia (que na verdade se revelaram como possessões demoníacas). Posso dizer com convicção que a atuação de Green é um dos pontos altos, resgatando a glória de outras construções tão importantes, como a possessão em “Séance”, na primeira temporada, ou sua gloriosa rendição em “Possession”. A atriz já se provou merecedora dos aplausos e aqui não poderia ser diferente, entregando-se de corpo e alma para as nuances necessárias que transformam a protagonista em uma das criações mais complexas da televisão contemporânea.

Eventualmente, Vanessa é levada ao limite e rende-se à escuridão para salvar a si mesma e para salvar seus amigos. Ethan, por sua vez, recebe ajuda de uma antiga inimiga, Hecate (Sarah Greene), e acaba retornando como o Lobo de Deus para por fim nas investidas demoníacas de Drácula. O aguardado final talvez não tenha sido melhor recebido pelo público pelo choque e por ter colocado fim ao arco da heroína da forma mais pura possível: em uma resolução shakespeariana à la Romeu e Julieta, ela dá seu último suspiro nos braços de Ethan, marcando uma simbólica construção entre o bem e o mal, o sacrifício e o poder.

As ambivalências de Penny Dreadful não se restringem apenas ao plano sobrenatural e se estendem para os outros personagens. Victor, Lily e Dorian dão adeus de forma mais resignada, compreendendo que seus esforços de nada serviram para as mudanças que buscavam causar. É muito fácil perceber como o negativismo compulsório é um dos elementos de ambientação mais utilizados e que melhor funcionam para nos envolver – não é à toa que funciona até os momentos finais. E, de qualquer modo, essa incrível série sempre foi capaz de nos relembrar que a morte é certeira e é apenas o princípio de uma nova e eterna jornada.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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