Em 2014, John Logan nos fazia um convite para conhecer o macabro mundo de ‘Penny Dreadful’, série sobrenatural ambientada na Inglaterra vitoriana que unia, em um único lugar, asa clássicas histórias de terror que caíram no gosto popular e inspiraram romancistas, pintores e realizadores cinematográficos a explorar o universo de criaturas horríveis que atormentam nossos pesadelos – como o monstro de Frankenstein, o vampiro Drácula, as bruxas da Lua e até mesmo o infame Dorian Gray. Não demorou muito até que a produção conquistasse o coração do público e uma legião de fãs fervorosos que ficaram mais que frustrados ao assistir à morte de Vanessa Ives (Eva Green) e ao término prematuro de uma das melhores obras da televisão das últimas décadas.
Seis anos depois da estreia oficial, Logan voltaria com mais um convite: dessa vez, viajaríamos através dos oceanos para a exuberante cidade de Los Angeles na década de 1930, acompanhando o embate racial entre brancos e latinos infundido em um escopo tão aterrorizante quanto – apesar de ser mais metafórico quanto às tensões bélicas da época do que para o próprio cosmos que arquiteta. E foi assim que o spin-off ‘Penny Dreadful: City of Angels’ ganhou forma, dando início a uma análise cultural que estende ousadas ramificações desde a ascensão do nazifascismo alemão até as solenidades mexicanas e suas divindades (como fica bem claro no episódio piloto, que fornece uma perspectiva mais sombria para o Dia de Los Muertos). O resultado é sólido e chocante o suficiente para garantir nossa envolvência, ainda que não chegue aos pés da originalidade e da sinestesia da série predecessora.
Logo de cara, o público é apresentado a duas personagens extremamente poderosas que, como num jogo de xadrez, regem os acontecimentos das sociedades mundiais com pulso firme – e uma ambivalência demoníaca de tirar o fôlego. De um lado, temos Magda (Natalie Dormer), um poderoso ser das trevas que recita uma profecia milenar premeditando o fim do mundo, no qual nação se voltará contra nação e irmão se voltará contra irmão (o que não poderia ser mais perfeito para todo o caos que deseja causar); de outro, temos Santa Muerta (Lorenza Izzo), uma força descomunal que, por não conseguir sentir compaixão pelos humanos, resolve deixar a história seguir seu curso e coletar as almas que partem para o mundo espiritual – com exceção de um jovem garoto que tenta proteger durante um incêndio provocado por Magda. E, como podemos imaginar, esse rapaz terá grande importância para a narrativa principal.
Anos depois de perder seu pai no supracitado e desastroso acidente, Santigo “Tiago” Vega (Daniel Zovatto) torna-se o primeiro latino a integrar a polícia local de Los Angeles, eventualmente se afastando da herança mexicana para posicionar-se ao lado da lei e da justiça. Entretanto, sua fidelidade à companhia que o empregou e ao parceiro que o escolheu, Lewis (Nathan Lane), é colocada em xeque quando descobre que o governador da cidade aprovou o projeto de lei que permitia a construção de rodovias através do vilarejo onde cresceu, observando como protagonista o preço do progresso. E é nesse momento que Tiago passa por sua primeira provação, tendo que escolher um lado após perceber que conciliar os dois é impossível por inúmeras razões – que vão além de sua compreensão.
O grande problema da série, ao menos por enquanto, é a quantidade convulsionante de personagens que ganham forma logo no capítulo de estreia. Diferente da arquitetura tangente à antologia que foi adotada na produção de 2014 – destinando cada ano a uma trama diferente com as mesmas personas –, cada enredo que poderia ser explorado ao longo dos anos é canalizado para sessenta minutos extenuantes, mascarados pela performance de seu elenco protagonista. Rory Kinnear, retornando para o spin-off de modo glorioso, interpreta Peter Craft, pediatra alemão filiado ao partido nazista que almeja à construção de um “mundo ariano” para a proteção de seus filhos – enquanto emprega uma governanta latina em sua casa; Adriana Barraza encarna Maria Vega, matriarca da família que sabe que Tiago foi marcado por Santa Muerte para algo muito maior do que um simples emprego na delegacia; e a cereja do bolo: o conflito entre trabalhadores e empresários que dá forças para Magda e seu espetáculo de horrores.
A verdade é que os aspectos do gênero terror que esperávamos aparecer aqui são estranhamente pontuais e perdem brilho quando colocados lado a lado com os dramas familiares que nutrem de certas influências das narrativas novelescas. O espectro histórico e verossímil é um adendo interessante, ainda mais por dialogar com o agourento anúncio de Magda e seus múltiplos alter-egos (que tiram de Dormer uma versatilidade escondida desde seus tempos em ‘Game of Thrones’). Mas o denso teor político transforma o suspense e o horror em fragmentadas pinceladas que, assim esperamos, ganhe dimensões monumentais nas semanas futuras.
O início de ‘Penny Dreadful: City of Angels’ é aprazível em sua completude, valendo-se mais de seu finale para imprimir reviravoltas inesperadas e um ponto de inflexão coeso o bastante para preparar o terreno para os arcos dos protagonistas e coadjuvantes. Agora, precisamos esperar que as coisas se ajustem – e as pontas soltas comecem a se amarrar com o passar do tempo.