quarta-feira , 20 novembro , 2024

Crítica | ‘Pinóquio’, de Guillermo del Toro, explora temas profundos e se consagra como a melhor animação do ano

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A clássica história Pinóquio, assinada por Carlo Collodi, já ganhou diversas adaptações para o cinema e para a televisão – fossem baseadas diretamente no romance original, fossem traduzidas para determinada época através de semelhanças temáticas. A releitura cinematográfica mais famosa é, sem dúvida, a encabeçada pela Walt Disney Studios em 1940, considerada uma das melhores produções já feitas na história e que ganhou um esquecível e monótono remake em live-action este ano. Agora, chegou a vez do icônico cineasta Guillermo del Toro fornecer sua própria perspectiva à atemporal narrativa com uma animação em stop-motion que não apenas superou todas as nossas expectativas, como também se tornou o melhor título do gênero de 2022.

A ideia por trás do longa-metragem não é apenas recontar as aventuras do personagem titular, mas sim fornecer um viés mais sombrio e mais político. Nessa nova empreitada, Del Toro une forças com Mark Gustafson para nos levar à Itália fascista dos anos 1930 e da II Guerra Mundial, fazendo incursões ácidas sobre totalitarismo, autoritarismo e ambição. Na trama, Geppetto (David Bradley) passa seus dias sofrendo pela morte precoce do filho, que se tornou alvo de uma bomba militar que caiu sobre a pequena cidade em que vivem. Outrora um artista e um homem respeitado, Geppetto se afundou no alcoolismo e no luto, incapaz de seguir em frente e compreender o motivo de uma criança ter sido tirada de sua vida. Envolto pela inebriante sensação de perda, ele derruba um pinheiro e constrói um boneco de madeira (Gregory Mann) que, pouco depois, ganha vida pelos poderes místicos da Fada da Floresta (Tilda Swinton).



Diferente do conto eternizado pela Casa Mouse, as coisas aqui pendem mais para um realismo mágico: Geppetto, ao ver sua criação se movimento e falando, o trata como uma força demoníaca que invadiu seu lar, levando um tempo até compreender a razão dele estar lá. A relação fabulesca entre pai e filho é deixada de lado em prol de algo mais palpável, em que ele se sente na obrigação de esconder Pinóquio do mundo para não perder a própria reputação e como forma de proteger o boneco dos males do mundo – uma realização um tanto quanto chocante, mas que dialoga com a realidade em níveis mais extradiegéticos do que aparentes. Eventualmente, a cidade se volta contra Geppetto e Pinóquio, acusando-os de bruxaria e de feitiçaria, até que o Podestà local (Ron Perlman) resolve dar uma chance à marionete ao dizer que ele precisa ir à escola e se tornar um cidadão italiano exemplar.

É claro que as coisas não saem como o planejado e, para aqueles que se recordam da animação dos anos 1940, os eventos que se desenrolam são bem semelhantes. Pinóquio é atraído pela cobiça incessante de um aristocrata circense chamado Conde Volpe (Christoph Waltz), acompanhado de seu assistente símio Spazzatura (Cate Blanchett), afastando-se das obrigações que tinha para com sua comunidade; pouco depois, o Podestà descobre que ele não pode morrer e, dessa maneira, o leva para um forte isolado para treinar com os outros jovens militares (uma remodelação angustiante da Ilha dos Prazeres); e, por fim, ele resolve reencontrar o pai na barriga de um monstro marinho, fazendo de tudo para resgatá-lo e levá-lo para casa.

O cerne do filme aproveita bastante as incursões originais de Collodi, mas não pensa duas vezes antes de transmutar essa jornada a seu bel-prazer. A ideia principal é discorrer sobre como o “estranho” é capaz de causar uma comoção generalizada por aqueles estagnados no tempo e em uma mentalidade destrutiva; Pinóquio é a representação da inocência em sua forma mais pura, o que o torna influenciável a tudo que o rodeia. Gepetto insurge como um sólido arquétipo do luto e de seus estágios (da negação à aceitação, chegando inclusive a convencer Pinóquio de que ele deve se comportar como o falecido filho se comportava, para preencher uma espécie de buraco que ficou em seu próprio coração); o Podestà é o símbolo máximo do neoimperialismo fascista, espalhando palavras de ódio contra aqueles que se recusam a aceitar o poder político que cresce (ora, temos até a presença caricata do ditador Benito Mussolini em uma das apresentações do boneco).

As investidas artísticas dialogam com o enredo das formas mais variadas: cada sequência é pensada com detalhismo apaixonante, desde os galhos das árvores às protuberâncias do monstro marinho que engole os protagonistas. As cores transitam entre o naturalismo de um escopo amalfitano, paradisíaco, ao pessimismo convulsionado da guerra, manchada por vermelho, laranja e pela sóbria neutralidade do marrom; a trilha sonora, assinada por Alexandre Desplat e uma forte concorrente ao Oscar, aposta em elementos fantasiosos, mas fundindo teatralidade com realismo em uma explosão sentimental que nos arrepia do começo ao fim. O único obstáculo enfrentado pelo filme é a paixão repentina de explicar as coisas que acontecem, movido a uma precisão que, por vezes, se torna cansativa (em outras palavras, seria mais divertido que fôssemos levássemos a pensar sobre os temas tratados do que engoli-los já mastigados).

Del Toro já provou inúmeras vezes que é um dos maiores realizadores de todos os tempos, e Pinóquio é seu state-of-art, seu ápice criativo que preza pela originalidade do que pela mera cópia – e, devo dizer, seu melhor produto animado desde a ovacionada série ‘Caçadores de Trolls’.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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A ideia por trás do longa-metragem não é apenas recontar as aventuras do personagem titular, mas sim fornecer um viés mais sombrio e mais político. Nessa nova empreitada, Del Toro une forças com Mark Gustafson para nos levar à Itália fascista dos anos 1930 e da II Guerra Mundial, fazendo incursões ácidas sobre totalitarismo, autoritarismo e ambição. Na trama, Geppetto (David Bradley) passa seus dias sofrendo pela morte precoce do filho, que se tornou alvo de uma bomba militar que caiu sobre a pequena cidade em que vivem. Outrora um artista e um homem respeitado, Geppetto se afundou no alcoolismo e no luto, incapaz de seguir em frente e compreender o motivo de uma criança ter sido tirada de sua vida. Envolto pela inebriante sensação de perda, ele derruba um pinheiro e constrói um boneco de madeira (Gregory Mann) que, pouco depois, ganha vida pelos poderes místicos da Fada da Floresta (Tilda Swinton).

Diferente do conto eternizado pela Casa Mouse, as coisas aqui pendem mais para um realismo mágico: Geppetto, ao ver sua criação se movimento e falando, o trata como uma força demoníaca que invadiu seu lar, levando um tempo até compreender a razão dele estar lá. A relação fabulesca entre pai e filho é deixada de lado em prol de algo mais palpável, em que ele se sente na obrigação de esconder Pinóquio do mundo para não perder a própria reputação e como forma de proteger o boneco dos males do mundo – uma realização um tanto quanto chocante, mas que dialoga com a realidade em níveis mais extradiegéticos do que aparentes. Eventualmente, a cidade se volta contra Geppetto e Pinóquio, acusando-os de bruxaria e de feitiçaria, até que o Podestà local (Ron Perlman) resolve dar uma chance à marionete ao dizer que ele precisa ir à escola e se tornar um cidadão italiano exemplar.

É claro que as coisas não saem como o planejado e, para aqueles que se recordam da animação dos anos 1940, os eventos que se desenrolam são bem semelhantes. Pinóquio é atraído pela cobiça incessante de um aristocrata circense chamado Conde Volpe (Christoph Waltz), acompanhado de seu assistente símio Spazzatura (Cate Blanchett), afastando-se das obrigações que tinha para com sua comunidade; pouco depois, o Podestà descobre que ele não pode morrer e, dessa maneira, o leva para um forte isolado para treinar com os outros jovens militares (uma remodelação angustiante da Ilha dos Prazeres); e, por fim, ele resolve reencontrar o pai na barriga de um monstro marinho, fazendo de tudo para resgatá-lo e levá-lo para casa.

O cerne do filme aproveita bastante as incursões originais de Collodi, mas não pensa duas vezes antes de transmutar essa jornada a seu bel-prazer. A ideia principal é discorrer sobre como o “estranho” é capaz de causar uma comoção generalizada por aqueles estagnados no tempo e em uma mentalidade destrutiva; Pinóquio é a representação da inocência em sua forma mais pura, o que o torna influenciável a tudo que o rodeia. Gepetto insurge como um sólido arquétipo do luto e de seus estágios (da negação à aceitação, chegando inclusive a convencer Pinóquio de que ele deve se comportar como o falecido filho se comportava, para preencher uma espécie de buraco que ficou em seu próprio coração); o Podestà é o símbolo máximo do neoimperialismo fascista, espalhando palavras de ódio contra aqueles que se recusam a aceitar o poder político que cresce (ora, temos até a presença caricata do ditador Benito Mussolini em uma das apresentações do boneco).

As investidas artísticas dialogam com o enredo das formas mais variadas: cada sequência é pensada com detalhismo apaixonante, desde os galhos das árvores às protuberâncias do monstro marinho que engole os protagonistas. As cores transitam entre o naturalismo de um escopo amalfitano, paradisíaco, ao pessimismo convulsionado da guerra, manchada por vermelho, laranja e pela sóbria neutralidade do marrom; a trilha sonora, assinada por Alexandre Desplat e uma forte concorrente ao Oscar, aposta em elementos fantasiosos, mas fundindo teatralidade com realismo em uma explosão sentimental que nos arrepia do começo ao fim. O único obstáculo enfrentado pelo filme é a paixão repentina de explicar as coisas que acontecem, movido a uma precisão que, por vezes, se torna cansativa (em outras palavras, seria mais divertido que fôssemos levássemos a pensar sobre os temas tratados do que engoli-los já mastigados).

Del Toro já provou inúmeras vezes que é um dos maiores realizadores de todos os tempos, e Pinóquio é seu state-of-art, seu ápice criativo que preza pela originalidade do que pela mera cópia – e, devo dizer, seu melhor produto animado desde a ovacionada série ‘Caçadores de Trolls’.

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