Chega aos cinemas nesta quinta-feira (9) Planeta dos Macacos: O Reinado. Dirigido por Wes Ball, o longa dá continuidade à saga de Caesar (Andy Serkis), mas agora explorando seu legado praticamente messiânico na formação de uma sociedade dominada por primatas extremamente inteligentes. A trama se passa cerca de três séculos depois da revolução iniciada pelo chimpanzé de estimação e mostra a raça humana vivendo na natureza como selvagens, enquanto os símios formaram uma cadeia social evoluída para conviver em harmonia com natureza, respeitando seus próprios códigos e regras de convivência.
Porém, como em toda cadeia social, há diferentes leis e comportamentos que costumam se confrontar. Nesse ponto, o filme aborda uma jornada entre ‘nativos’ e ‘colonizadores’ com o aditivo de terem uma raça humana à espreita, sendo tratada como uma potencial ameaça ao domínio dos chimpanzés como a espécie dominante.
Para quem gosta de construção de universos extremamente detalhistas, esse filme é uma experiência necessária. Já era possível ver um pouco da humanidade em colapso em Planeta dos Macacos: A Guerra (2019). Havia uma resistência ali, mas a estrutura do mundo era essencialmente humana. Depois de 300 anos, a espécie claramente perdeu a guerra e foi sobreposta pelos chimpanzés. Então, além da direção valorizar com muito gosto a derrocada das estruturas humanas, explorando cada prédio tomado de volta pela natureza, cada túnel ‘fantasma’, cada veículo abandonado, Wes investe em um trabalhar uma arquitetura símia, que é feita pensando nas habilidades de escalada desses animais. Tudo é feito de forma lógica para seres capazes de se locomover sobre duas ou quatro patas.
Mais do que isso, a trama gira ao redor de Noa (Owen Teague) um jovem chimpanzé criado em um clã de treinadores de águias. Eles ostentam seus próprios rituais e conexões com o meio que vivem e formaram sua aldeia com base nas leis dos anciãos. Estes, por sua vez, não tiveram contato com Caesar, então ‘louvam’ a natureza como sua entidade. Suas regras prezam por preservar o ciclo natural da vida, tirando somente o necessário para sua sobrevivência e conforto. O extraordinário é demais. Suas vidas mudam para sempre ao entrarem na rota dos batedores de Proximus Caesar (Kevin Durand), um imperador símio que formou um reinado na orla. Ele procura por humanos inteligentes que ainda estejam perdidos por aí, mas não tolera que macacos vivam de uma forma que ele considera ‘inferior’, mesmo que isso signifique apagar culturas próprias e se apropriar da força de trabalho para expandir seu reinado. Um maldito colono.
A relação entre símios e humanos é um dos pontos de fascínio desse longa. Enquanto os anteriores abordavam sempre o embate, o nós contra eles, essa nova ‘fase’ da franquia parte do princípio que as pessoas perderam. Com a ascensão desse novo poder, capaz de formar cidadelas e se inspirar em lendas do passado e na violência para fidelizar legiões, cabe aos seres humanos se isolar ou procurar uma forma de viver em meio aos chimpanzés. Causa um certo estranhamento ver grupos de pessoas vivendo na natureza, dividindo riachos com animais selvagens enquanto vestem roupas sobreviventes. E nesse ponto vale destacar que apenas materiais reconhecidamente duráveis foram escolhidos pela produção, como calças jeans. Parece besteira, mas é apenas mais uma demonstração do cuidado que tiveram para compor um universo crível para o público.
Não pense que o longa vale a pena somente para explorar esse mundo aberto por um viés sociológico. Ele tem muita ação e a captura de movimento utilizada em Planeta dos Macacos: O Reinado é impressionante. Ao mesmo tempo em que atingiram um realismo que beira o absurdo, as expressões dos atores são facilmente identificáveis nas caras dos personagens. No caso do Noa, Owen Teague tem um maxilar naturalmente mais projetado para frente, então as expressões do chimpanzé são mais concentradas na boca. Além da expressividade dos olhos. Seu trabalho de expressões faciais se aproxima muito do lendário Andy Serkis. E sinceramente, acho que não há elogio maior do que esse.
As cenas de luta são um espetáculo, porque não pendem para aquele limitador do ‘humano vestido de macaco’. Com o auxílio da computação, eles replicaram movimentos de chimpanzés de verdade, o que reflete também nas sequências de saltos e escalados. É impressionante de ver, porque criam situações absurdas, como um chimpanzé usando uma barra de ferro para escalar, mas é tão bem construída que fica crível.
Em meio a essas sequências de puro dinamismo, há o fortalecimento do mito de Caesar e sua influência nesse novo mundo. Seu papel já havia sido retratado de forma praticamente profética em A Guerra (2019), com direito a algumas cenas que remetiam diretamente a artes religiosas e passagens bíblicas. Mais de 300 anos depois, ele é considerado um profeta e salvador, que mostrou aos macacos seu verdadeiro papel no mundo. Porém, ele sempre conviveu e teve carinho por parte dos humanos, acreditando que era possível que as duas espécies coexistissem. Ele assume realmente um papel messiânico, e como toda religião, há quem interprete a palavra por meio do pacifismo e há quem use seus ensinamentos para manipular os outros e tirar vantagem para seus interesses.
Essa dualidade quanto ao legado de Caesar é brilhantemente representada por Raka (Peter Macon), um orangotango pacifista que é praticamente o último guardião dos conceitos e conhecimentos propagados por Caesar, e Proximus, que se inspira na história humana para criar uma linhagem de imperadores escolhidos pela suposta linhagem do profeta, colocando os símios como os verdadeiros herdeiros da Terra, relegando a humanidade a selvageria e destruição. É curioso que Noa cruza o caminho de ambos e abraça ambas as ideias. O que dialoga diretamente com sua relação com a humana Mae (Freya Allan), que aparentemente é imune ao vírus que dizimou a humanidade e afetou a capacidade cognitiva dos sobreviventes. Sua participação no filme é repleta de nuances, trazendo características que vão contra as crenças do jovem Noa, mas que também fortalecem ações que ele hesitaria em tomar.
É uma relação complexa e que ajuda muito a compor o protagonista, enquanto desenvolve uma subtrama interessantíssima sobre os humanos nesse mundo caótico. É ela quem força o Noa a expandir sua personalidade e lidar diretamente com conflitos morais, ao mesmo tempo em que muda suas percepções sobre as diferenças entre as espécies e se permite ser curioso com o que essa espécie supostamente inferior tem a ensinar. E ainda que vá abrindo mais a mente, ele segue como um jovem fiel a seus conceitos, o que deixa ele perdidinho no pagode para salvar sua família.
No geral, essa franquia atual de Planeta dos Macacos é puro suco de excelência. Até o momento, nenhum dos quatro filmes foram menos do que ótimos. Em Planeta dos Macacos: O Reinado, o nível da saga é mantido e só não é um filme perfeito porque parece haver momentos em que o filme se alonga demais, resultando em 2h25 de duração. Talvez uns 15 minutinhos a menos fizessem bem para a produção. Mas ainda assim não é um fator que desconecte o público desse roteiro que brilha ao abordar a complexidade de forma simples e instigante.
Com um esmero realmente louvável na consolidação e expansão desse universo, Planeta dos Macacos: O Reinado retoma a saga com personagens carismáticos o bastante para darem prosseguimento aos próximos capítulos. É impossível não se arrepiar com as ações de Noa e o público passa a torcer por ele quase que automaticamente. Ao mesmo tempo, criam aquele gostinho para o público descobrir o que acontecerá com os humanos em seguida, assim como seguirá a vida desses símios que estão em um reinado em construção. É um verdadeiro filmaço de ficção e aventura, que impressiona não só pelo visual fora de série, mas principalmente por sua habilidade em contar essa história.