terça-feira , 5 novembro , 2024

Crítica | Por que as Mulheres Matam – Série do criador de Desperate Housewives estreia no Globoplay

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Em 2004, Marc Cherry nos convidava para um lugarzinho um tanto quanto excêntrico chamado Wisteria Lane, rua localizada no distrito de Fairview. E foi assim que nasceu Desperate Housewives, a primeira incursão do roteirista e showrunner nas dramédias familiares que rendeu a um crescente público oito temporadas de jornadas inteligentes, arcos de personagens críveis e apaixonantes e uma conclusão que transformou a série em uma das mais adoradas da televisão contemporânea.

E para aqueles que acreditavam piamente que o legado da produção morreria em 2012, digo-lhes apenas que estavam bastante enganados: sete anos depois do series finale, Cherry reencontrou-se com as tragédias suburbanas ao arquitetar uma outra narrativa que a princípio nos dava a impressão de um rip-off sem o mesmo brilho de originalidade que sua obra anterior, mas que logo ganhou voz própria e construiu uma sólida trama do começo ao fim, talvez pecando em momentos pontuais, mas nunca deixando se reinventar os extenuantes convencionalismos dos melodramas seriados. Dessa forma, Por que as Mulheres Matam(Why Women Kill) estreou na Globoplay e ergueu uma ácida, sarcástica e divertida estrutura para um elenco de ponta que, no final das contas, ganha mais destaque que qualquer outra coisa.

Se há algo que o criador consegue fazer desde os minutos iniciais é nos deixar com um gostinho de quero mais. A primeira temporada, sem se valer de muitas apresentações corriqueiras, se afastou dos recuos cênicos para nos jogar dentro de três cenários com grande diferença temporal entre si, mas unidos por um mesmo arco principal: por que as mulheres matam (não é à toa que esse seja o título); entretanto, não pense que a premissa que rege esse atemporal microcosmos reside em um retrógrado machismo técnico. Na verdade, seguindo os passos das fortes protagonistas de Desperate Housewives, Por que as Mulheres Matamse vale da construção de complexas personas que veem-se frente a frente com reviravoltas inesperadas e, dessa forma, se envolvem com suas respectivas vinganças, redenções e mentiras.

O primeiro bloco é centrado na dona de casa Beth Ann (Ginnifer Goodwin), uma quase caricata mulher dos anos 1960 que faz de tudo para que sua vida e a do marido, Robert (Sam Jaeger), beire a perfeição, principalmente depois de terem perdido a única filha em um trágico acidente. Todavia, ela descobre por meio das intrigas não propositais da vizinha Sheila (Alicia Coppola) que o esposo a vem traindo há vários meses com a garçonete April (Sadie Calvano) e decide confrontá-la. Quer dizer, ela apenas acha que tem o que é preciso para ir até o restaurante onde trabalha, mas percebe que a jovem é uma ingênua garota que tem sonhos muito maiores do que apenas roubar o marido de alguém; por isso, acaba criando uma relação de amizade com ela para tentar impedi-la de continuar cometendo adultério.

Logo depois, somos apresentados à socialite Simone (Lucy Liu em um dos melhores papéis de sua carreira), que tem tudo na palma de sua mão até descobrir que seu parceiro Karl (Jack Davenport) é gay e está tendo um caso com seu cabeleireiro. É claro que, levando em conta a época em que essa segunda trama é ambientada (os anos 1980, nos quais a comunidade LGBTQ+ era encarada com mais repulsa e com um medo inexplicavelmente irracional), sua atitude de também traí-lo é compreensível; mas as coisas tomam um rumo um tanto quanto engraçado quando ela resolve se envolver com Tommy (Leo Howard), o jovem filho de sua melhor amiga.

Nos dias atuais, Cherry transfere a perspectiva para um moderno casal formado por Taylor (Kirby Howell-Baptiste) e Eli (Reid Scott), cujo casamento aberto é colocado em xeque quando Taylor convida Jade (Alexandra Daddario) para passar algumas noites em sua grande casa depois que ela terminou de forma conturbada o relacionamento com seu ex-namorado. Porém, não demora muito até que a já complexa relação entre os dois comece a ruir à medida que mentiras vão se acumulando e eventualmente explodem em uma perigosa jornada de vida e morte.

É interessante observar a forma com a qual o showrunner e sua incrível equipe de diretores e roteiristas abordam temas explorados há tantas décadas pela indústria do entretenimento. Não apenas isso, ele também se afasta das fórmulas cênicas vistas em séries do gênero e investe esforços consideráveis, seja para retificar a densa atmosfera introduzida no capítulo piloto, seja para utilizar de paradoxais arquiteturas sensoriais para delinear os arcos dos protagonistas: de fato, a subtrama de Simone e Karl é a mais envolvente das três, principalmente pela naturalidade irrisória nutrida pelos dois personagens; enquanto os outros casais encontram-se em linhas narrativas previsíveis, por assim dizer, é quase emocionante ver como Liu e Davenport entregam-se de corpo e alma a atuações memoráveis, caminhando para uma libertação espiritual que dialoga diretamente com os telespectadores.

Através dos breves dez episódios, nota-se também uma minuciosa preocupação com a visão estética: quando o foco oscila para o conservadorismo da década de 60, a paleta de cores se transforma em uma profusão de tons pastéis, variando conforme o roteiro mergulha em aspectos melancólicos, sombrios ou hostis; os anos 80, conhecidos pelo glamour e pelo haute-couture das grandes marcas, são canalizados para os icônicos trajes de Simone e Karl e não se preocupam em momento algum se entram em choque constante, contribuindo para a manutenção dialógica da obra com o público; já nos dias atuais, a sobriedade constante é o que fala mais alto, levando em conta aspectos tecnológicos e progressistas refletidos em cada um dos frames.

A história cede em momentos pontuais a alguns deslizes rítmicos, pecando na fluidez da transição. Porém, enquanto deixa de prestar atenção a alguns detalhes, a produção se recupera conforme aproxima do final, abrindo espaço para tantas reviravoltas que, às vezes, fica um pouco difícil de acompanhar. Felizmente, Cherry coreografa uma dança recheada de surpresas que nos mantêm vidrados até os últimos chocantes segundos do último episódio.

A temporada de abertura de Por que as Mulheres Matamnão carrega o mesmo frescor estrutural de outras séries do gênero, mas consegue buscar originalidade em elementos que não são comumente explorados. De fato, o ciclo da primeira iteração é amarrado em todas as pontas e, ainda que se apresse para sua resolução, demonstra um potencial incrível que deve ser explorado nos anos seguintes.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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E para aqueles que acreditavam piamente que o legado da produção morreria em 2012, digo-lhes apenas que estavam bastante enganados: sete anos depois do series finale, Cherry reencontrou-se com as tragédias suburbanas ao arquitetar uma outra narrativa que a princípio nos dava a impressão de um rip-off sem o mesmo brilho de originalidade que sua obra anterior, mas que logo ganhou voz própria e construiu uma sólida trama do começo ao fim, talvez pecando em momentos pontuais, mas nunca deixando se reinventar os extenuantes convencionalismos dos melodramas seriados. Dessa forma, Por que as Mulheres Matam(Why Women Kill) estreou na Globoplay e ergueu uma ácida, sarcástica e divertida estrutura para um elenco de ponta que, no final das contas, ganha mais destaque que qualquer outra coisa.

Se há algo que o criador consegue fazer desde os minutos iniciais é nos deixar com um gostinho de quero mais. A primeira temporada, sem se valer de muitas apresentações corriqueiras, se afastou dos recuos cênicos para nos jogar dentro de três cenários com grande diferença temporal entre si, mas unidos por um mesmo arco principal: por que as mulheres matam (não é à toa que esse seja o título); entretanto, não pense que a premissa que rege esse atemporal microcosmos reside em um retrógrado machismo técnico. Na verdade, seguindo os passos das fortes protagonistas de Desperate Housewives, Por que as Mulheres Matamse vale da construção de complexas personas que veem-se frente a frente com reviravoltas inesperadas e, dessa forma, se envolvem com suas respectivas vinganças, redenções e mentiras.

O primeiro bloco é centrado na dona de casa Beth Ann (Ginnifer Goodwin), uma quase caricata mulher dos anos 1960 que faz de tudo para que sua vida e a do marido, Robert (Sam Jaeger), beire a perfeição, principalmente depois de terem perdido a única filha em um trágico acidente. Todavia, ela descobre por meio das intrigas não propositais da vizinha Sheila (Alicia Coppola) que o esposo a vem traindo há vários meses com a garçonete April (Sadie Calvano) e decide confrontá-la. Quer dizer, ela apenas acha que tem o que é preciso para ir até o restaurante onde trabalha, mas percebe que a jovem é uma ingênua garota que tem sonhos muito maiores do que apenas roubar o marido de alguém; por isso, acaba criando uma relação de amizade com ela para tentar impedi-la de continuar cometendo adultério.

Logo depois, somos apresentados à socialite Simone (Lucy Liu em um dos melhores papéis de sua carreira), que tem tudo na palma de sua mão até descobrir que seu parceiro Karl (Jack Davenport) é gay e está tendo um caso com seu cabeleireiro. É claro que, levando em conta a época em que essa segunda trama é ambientada (os anos 1980, nos quais a comunidade LGBTQ+ era encarada com mais repulsa e com um medo inexplicavelmente irracional), sua atitude de também traí-lo é compreensível; mas as coisas tomam um rumo um tanto quanto engraçado quando ela resolve se envolver com Tommy (Leo Howard), o jovem filho de sua melhor amiga.

Nos dias atuais, Cherry transfere a perspectiva para um moderno casal formado por Taylor (Kirby Howell-Baptiste) e Eli (Reid Scott), cujo casamento aberto é colocado em xeque quando Taylor convida Jade (Alexandra Daddario) para passar algumas noites em sua grande casa depois que ela terminou de forma conturbada o relacionamento com seu ex-namorado. Porém, não demora muito até que a já complexa relação entre os dois comece a ruir à medida que mentiras vão se acumulando e eventualmente explodem em uma perigosa jornada de vida e morte.

É interessante observar a forma com a qual o showrunner e sua incrível equipe de diretores e roteiristas abordam temas explorados há tantas décadas pela indústria do entretenimento. Não apenas isso, ele também se afasta das fórmulas cênicas vistas em séries do gênero e investe esforços consideráveis, seja para retificar a densa atmosfera introduzida no capítulo piloto, seja para utilizar de paradoxais arquiteturas sensoriais para delinear os arcos dos protagonistas: de fato, a subtrama de Simone e Karl é a mais envolvente das três, principalmente pela naturalidade irrisória nutrida pelos dois personagens; enquanto os outros casais encontram-se em linhas narrativas previsíveis, por assim dizer, é quase emocionante ver como Liu e Davenport entregam-se de corpo e alma a atuações memoráveis, caminhando para uma libertação espiritual que dialoga diretamente com os telespectadores.

Através dos breves dez episódios, nota-se também uma minuciosa preocupação com a visão estética: quando o foco oscila para o conservadorismo da década de 60, a paleta de cores se transforma em uma profusão de tons pastéis, variando conforme o roteiro mergulha em aspectos melancólicos, sombrios ou hostis; os anos 80, conhecidos pelo glamour e pelo haute-couture das grandes marcas, são canalizados para os icônicos trajes de Simone e Karl e não se preocupam em momento algum se entram em choque constante, contribuindo para a manutenção dialógica da obra com o público; já nos dias atuais, a sobriedade constante é o que fala mais alto, levando em conta aspectos tecnológicos e progressistas refletidos em cada um dos frames.

A história cede em momentos pontuais a alguns deslizes rítmicos, pecando na fluidez da transição. Porém, enquanto deixa de prestar atenção a alguns detalhes, a produção se recupera conforme aproxima do final, abrindo espaço para tantas reviravoltas que, às vezes, fica um pouco difícil de acompanhar. Felizmente, Cherry coreografa uma dança recheada de surpresas que nos mantêm vidrados até os últimos chocantes segundos do último episódio.

A temporada de abertura de Por que as Mulheres Matamnão carrega o mesmo frescor estrutural de outras séries do gênero, mas consegue buscar originalidade em elementos que não são comumente explorados. De fato, o ciclo da primeira iteração é amarrado em todas as pontas e, ainda que se apresse para sua resolução, demonstra um potencial incrível que deve ser explorado nos anos seguintes.

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