Crítica | ‘Promessa ao Amanhecer’ – A dívida de uma promessa infindável

As pressões sociais são ensurdecedoras. Tão antigas quanto os primeiros átrios da criação humana, elas reverberam e ecoam ao longo de nossas vidas. Não importa a origem, raízes, criação ou contexto. Elas se infiltram nas relações, permeando o subconsciente como cordas manipuladoras, que querem reger comportamentos, escolhas profissionais e emocionais. Transformando pessoas em fantoches, essas pressões podem ser fatais. Em Promessa ao Amanhecer, absorvemos o peso que tudo isso é capaz de gerar na vida de um homem, sensível e resistente, que pautou toda a sua jornada em prol da aceitação de sua mãe.

Romain Gary foi escritor por “conveniência”. Seu talento era inerente, assim como sua surpreendente habilidade artística na pouca idade. Regido pela insaciável insatisfação de sua mãe, ele tentou coordenar suas escolhas ainda pequeno, sendo fracassado por se sentir incapaz de reverter aquilo que sua mãe lhe impôs. Fruto das frustrações pessoais dela, ele foi de tudo um pouco e encerrou sua vida se sentindo como um nada. Promessa ao Amanhecer faz esse triste retrato de uma vida pautada pelo vazio existencial, constantemente preenchido por um amor doentio, que consequentemente permitiu que um hiato maior ainda fosse gerado – onde de fato haveria de ter plenitude.

A conveniência aqui é pela necessidade. Como um garoto que cresceu ouvindo os sonhos que sua mãe já sonhara por ele, suas escolhas são reflexivas e defensivas, como uma simples resposta às demandas maternas. Na cinebiografia de Éric Barbier, Pierre Niney encara nosso sufocado protagonista, dando vida não apenas a uma figura real, que cometeu suicídio em 1980, mas sendo também uma representação de uma dinâmica relacional problemática vigente, que se revela na projeção parental nos filhos. Tentar ser em meio a uma série de imposições pré-estabelecidas pelo seio familiar soa exatamente como Nina Kacews (Charlotte Gainsbourg) se portava com o pequeno Romain. Trazendo para os tempos atuais, ela é também um símbolo das feridas que o amor compulsivo e obsessivo é capaz de gerar.

O roteiro biográfico nos leva para esse angustiante passeio, em que acompanhamos os gritos abafados de um garoto que viu na sua mãe a revelação máxima do amor. Com papéis familiares turvos, tanto protagonistas como a audiência digladiam com si mesmos a respeito da dinâmica entre mãe e filho. Talvez não seja errado dizer que essa ligação tenha tido fragmentos do Complexo de Édipo. Mas, provavelmente, formar uma concepção completa sobre isso seja ainda mais delicado. E nessa narrativa complexa e não linear, percorremos o passado e o presente pelas próprias palavras de Gary, que – sem mais o sobrenome de sua mãe – tentou se consolidar como um homem independente e desvinculado ao peso que o nome Kacews havia lhe subjugado.

Entre trechos de uma obra vindoura, uma contraditória ode ao amor de sua mãe é lida por sua primeira esposa, Lesley Blanch (Catherine McCormack), que percebe as nuances do complexo relacionamento. E a cada lembrança, nós entramos em um determinado momento da trajetória de Romain, flutuando entre estações, fases distintas de sua vida, transformações hormonais, a descoberta da paixão e o serviço militar, em cenários que emanam uma estética impecável e detalhista, que reconstrói cenários, instantes importantes e figurinos peculiares. Com uma fotografia bela e um design de produção rico, Promessa ao Amanhecer é um conto sensível sobre a insensatez do amor doentio, que apresenta um dos maiores escritores franceses pela simplicidade e dor que carregou em si ao longo de toda a sua vida, mantendo a leveza em seu final, fruto de uma mente conflituosa – ainda que tentasse ignorar as mazelas deixadas por sua mãe, que nunca o ensinou a voar por conta própria. Simplificando o fim aos sentimentos guardados em Romain Gary, a cinebiografia deixa de lado seu trágico adeus, mantendo o lirismo de um vida que se rendeu, por achar que teria que carregar a dívida de uma promessa infindável.

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