Um dos grandes fascínios da história da humanidade, Cleópatra carrega características quase mitológicas, que se mesclam com registros históricos e mistérios que jamais serão desvendados. De sua aflorada sensualidade a sua capacidade surpreendente de ser uma grande estrategista, ela atravessa os séculos como um retrato incompleto, mas fundamental da história antiga e – porque não – contemporânea. E se apropriando de todo esse arquétipo mitológico que a cerca, Jada Pinkett Smith assume a produção de Rainha Cleópatra, nova minissérie documental da Netflix que faz das lacunas do tempo, motivos suficiente para subverter e apagar a história do povo egípcio e macedônico.
Se esquivando de registros históricos centenários, Rainha Cleópatra já começa errado por sua pavorosa caracterização visual. Ignorando as origens genéticas e geográficas da monarca, a série se apropria da imprecisão de alguns dados para tentar reescrever a personagem, tornando-a uma mulher negra que sequer se aproxima dos inúmeros e confiáveis estudos que atestam sua ancestralidade. Usando a tática de que a verdade nem sempre é um fato universal, a produção faz um desserviço ao povo egípcio e macedônico, usando uma narrativa de dúvida – o máximo possível – para tentar redefinir essa mulher que ainda hoje permanece como um marco político-social e cultural ao redor do mundo.
Entremeando factoides em meio a eventos reais, Rainha Cleópatra não poderia ser considerada uma genuína produção documental. Com um pequeno leque de pesquisadores um tanto confusos e muito displicentes como entrevistados e trazendo Jada Pinkett Smith como a narradora, a série não desmistifica a faraó, mas faz questão de novelizar sua jornada com atuações medíocres e até mesmo…cafonas. Trazendo uma estética bela, mas que facilmente se percebe que foi feita com um orçamento mais restrito, a minissérie tenta emanar a opulência de Cleópatra, de Roma e do Egito, mas foca tanto em apelar para questões raciais incoerentes que acaba por padecer em seu baixo orçamento.
Exagerada e em alguns momentos excessivamente dramática, a minissérie traz Adele James em uma personificação barata e bem mediada de Cleópatra. Sem a mesma presença que Elizabeth Taylor tanto irradiava como a personagem, ela é reduzida a uma versão pobre e perene de uma das figuras mais intrigantes da história mundial. E com um figurino fraco, sem identidade e sem valor de produção, a ostentação que rege a vida da faraó se perde diante dos nossos olhos. E ao final de quase quatro horas de documentário, Rainha Cleópatra se encerra como uma pretensiosa e soberba versão fictícia de uma mulher que merecia muito mais respeito do que lhe fora dado aqui. Lamentável.