sexta-feira , 22 novembro , 2024

Crítica | Reboot de ‘Queer as Folk’ impressiona por narrativa pungente e um elenco estelar

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Cuidado: spoilers à frente.

A indústria do entretenimento nunca teve representatividade considerável em relação à comunidade LGBTQIA+ e, quando resolvia apostar em personagens que fugissem do padrão cis-heternormativo, normalmente falhavam em capturar a complexidade de tais pessoas, transformando-as em meros escapes secundários ou alívios cômicos que viviam à sombra de um protagonista aceito pela sociedade. Com o passar dos anos, esse cenário de desprezo foi mudando e, ainda que tenhamos um longo caminho pela frente, as coisas começaram a ganhar mais expressividade. E, nos anos 2000, uma importante série foi de suma importância para explorar a cultura queerQueer as Folk.



A produção, tanto norte-americana quanto inglesa, serviu como divisor de águas para essa minoria social que não se sentia dignamente vista nas telas e, mesmo que não contemplasse a diversidade sexual que hoje vemos, serviu como avanço considerável para levar as pessoas a entenderem que a diferença deve ser aplaudida, e não diminuída. Agora, a Peacock resolve se manter na linha de reboots e remakes que vêm dominando o cenário do entretenimento contemporâneo e canaliza esforços para uma versão mais atualizada do clássico show – e garanto para você que o resultado, apesar dos óbvios deslizes, é absolutamente incrível, recheado de reviravoltas e de mensagens que vão para além do espectro político-ideológico, abrindo espaço para que as relações queer e as experiências individuais dialoguem com o que enfrentamos dia após dia.

Cada elemento da produção tem um propósito claro, a começar pela ambientação. O showrunner e produtor Stephen Dunn, que já comentou que teve seu “despertar sexual” ao assistir à obra original de Russell T. Davies, resolve prestar homenagem sem abandonar a clara ideia de que se dispõe nessa nova empreitada. Conhecido pelo elogiado ‘Closet Monster’, Dunn consegue migrar para a tragicomédia LGBTQIA+ com fluidez invejável e demonstra um olho para detalhes irretocável: afinal, a obra é ambientada em Nova Orleans, considerada a cidade mais gay-friendly do sul dos Estados Unidos, e aproveita para consagrar a saudosa Chi Chi DeVayne, que serviu como inspiração para várias das tramas na temporada de estreia. E, enquanto essa ambientação é de importância inegável para o desenrolar da história, são os personagens e seus relacionamentos e desejos que nos fazem acompanhar essa saga do começo ao fim.

Se em 2022 a luta pela igualdade vem ganhando mais voz, é claro que isso seria transportado para o universo de Queer as Folk. Temos, por exemplo, Mingus (Fin Argus), uma pessoa não-binária aspirante à drag queen que está no Ensino Médio e que é arrastada para um chocante evento em sua estreia como performer; Brodie (Devin Way), que abandona a faculdade de Medicina para retornar para casa e tentar descobrir quem é e o que realmente quer para seu futuro; Ruthie (Jesse James Keitel), uma professora de língua inglesa que acabou de ter dois filhos ao lado de Shar (CG), mas não consegue abandonar os traumas de um passado distante e dos múltiplos problemas que enfrentou e continua enfrentando sendo uma mulher trans; Julian (Ryan O’Connell), irmão mais novo de Brodie que tenta se reconectar com ele, mas percebe que a tarefa não é tão simples quanto parece; Noah (Johnny Sibilly), ex-namorado de Brodie que lida com luto, depressão e vício em drogas; e vários outros.

Todos eles, movidos por vontades diferentes e visões de mundo distintas, nutrem de uma linha em comum que mudou suas vidas para sempre: apesar de não estarem no mesmo lugar, a balada mais famosa do local, Babylon, se torna alvo de um atirador que mata várias pessoas e ecoa os contínuos crimes de ódio sofridos pela comunidade queer. A cena em questão, que conclui o episódio piloto, é feita com tanta pungência e necessidade para compreendermos que a realidade não é uma colher de açúcar, que Dunn, aliado a uma equipe talentosíssima, não precisa mostrar o que aconteceu, e sim induzir o espectador a compreender e a premeditar os eventos futuros.

Se a condução de Dunn é exímia, o elenco nos envolve com performances espetacular, oscilando do drama à comédia através de diálogos certeiros e de uma naturalidade assustadora. Afastando-se dos maneirismos novelescos, como encontramos em outras iterações do gênero, a ideia aqui é mostrar que o luto e o trauma não são sentidos da mesma maneira por todo mundo, e sim de formas diferentes que levam as pessoas a buscarem uma válvula de escape no sexo, ou em entorpecentes, ou até mesmo na arte – algo que acontece quando não há mais um prospecto palpável para os dias que virão. Brodie, por exemplo, se volta para a celebração da vida através de festas que irão unir a comunidade, enquanto Ruthie mergulha de cabeça na masturbação compulsória para tentar sentir alguma coisa; Mingus é arremessado para um arco de amadurecimento mandatório que distorce a realidade que vive com força inigualável.

O reboot de Queer as Folk contraria as nossas expectativas ao se apresentar como uma ótima série. Mesmo que não chegue aos pés do original, a produção permite um outro olhar sobre a experiência LGTBQIA+ no mundo em que vivemos – e merece nossa atenção pela condução cautelosa, bela e impressionante de Dunn e de um elenco estelar.

Vale lembrar que a produção chegará, no Brasil, pela STARZPLAY no próximo dia 31 de julho.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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A produção, tanto norte-americana quanto inglesa, serviu como divisor de águas para essa minoria social que não se sentia dignamente vista nas telas e, mesmo que não contemplasse a diversidade sexual que hoje vemos, serviu como avanço considerável para levar as pessoas a entenderem que a diferença deve ser aplaudida, e não diminuída. Agora, a Peacock resolve se manter na linha de reboots e remakes que vêm dominando o cenário do entretenimento contemporâneo e canaliza esforços para uma versão mais atualizada do clássico show – e garanto para você que o resultado, apesar dos óbvios deslizes, é absolutamente incrível, recheado de reviravoltas e de mensagens que vão para além do espectro político-ideológico, abrindo espaço para que as relações queer e as experiências individuais dialoguem com o que enfrentamos dia após dia.

Cada elemento da produção tem um propósito claro, a começar pela ambientação. O showrunner e produtor Stephen Dunn, que já comentou que teve seu “despertar sexual” ao assistir à obra original de Russell T. Davies, resolve prestar homenagem sem abandonar a clara ideia de que se dispõe nessa nova empreitada. Conhecido pelo elogiado ‘Closet Monster’, Dunn consegue migrar para a tragicomédia LGBTQIA+ com fluidez invejável e demonstra um olho para detalhes irretocável: afinal, a obra é ambientada em Nova Orleans, considerada a cidade mais gay-friendly do sul dos Estados Unidos, e aproveita para consagrar a saudosa Chi Chi DeVayne, que serviu como inspiração para várias das tramas na temporada de estreia. E, enquanto essa ambientação é de importância inegável para o desenrolar da história, são os personagens e seus relacionamentos e desejos que nos fazem acompanhar essa saga do começo ao fim.

Se em 2022 a luta pela igualdade vem ganhando mais voz, é claro que isso seria transportado para o universo de Queer as Folk. Temos, por exemplo, Mingus (Fin Argus), uma pessoa não-binária aspirante à drag queen que está no Ensino Médio e que é arrastada para um chocante evento em sua estreia como performer; Brodie (Devin Way), que abandona a faculdade de Medicina para retornar para casa e tentar descobrir quem é e o que realmente quer para seu futuro; Ruthie (Jesse James Keitel), uma professora de língua inglesa que acabou de ter dois filhos ao lado de Shar (CG), mas não consegue abandonar os traumas de um passado distante e dos múltiplos problemas que enfrentou e continua enfrentando sendo uma mulher trans; Julian (Ryan O’Connell), irmão mais novo de Brodie que tenta se reconectar com ele, mas percebe que a tarefa não é tão simples quanto parece; Noah (Johnny Sibilly), ex-namorado de Brodie que lida com luto, depressão e vício em drogas; e vários outros.

Todos eles, movidos por vontades diferentes e visões de mundo distintas, nutrem de uma linha em comum que mudou suas vidas para sempre: apesar de não estarem no mesmo lugar, a balada mais famosa do local, Babylon, se torna alvo de um atirador que mata várias pessoas e ecoa os contínuos crimes de ódio sofridos pela comunidade queer. A cena em questão, que conclui o episódio piloto, é feita com tanta pungência e necessidade para compreendermos que a realidade não é uma colher de açúcar, que Dunn, aliado a uma equipe talentosíssima, não precisa mostrar o que aconteceu, e sim induzir o espectador a compreender e a premeditar os eventos futuros.

Se a condução de Dunn é exímia, o elenco nos envolve com performances espetacular, oscilando do drama à comédia através de diálogos certeiros e de uma naturalidade assustadora. Afastando-se dos maneirismos novelescos, como encontramos em outras iterações do gênero, a ideia aqui é mostrar que o luto e o trauma não são sentidos da mesma maneira por todo mundo, e sim de formas diferentes que levam as pessoas a buscarem uma válvula de escape no sexo, ou em entorpecentes, ou até mesmo na arte – algo que acontece quando não há mais um prospecto palpável para os dias que virão. Brodie, por exemplo, se volta para a celebração da vida através de festas que irão unir a comunidade, enquanto Ruthie mergulha de cabeça na masturbação compulsória para tentar sentir alguma coisa; Mingus é arremessado para um arco de amadurecimento mandatório que distorce a realidade que vive com força inigualável.

O reboot de Queer as Folk contraria as nossas expectativas ao se apresentar como uma ótima série. Mesmo que não chegue aos pés do original, a produção permite um outro olhar sobre a experiência LGTBQIA+ no mundo em que vivemos – e merece nossa atenção pela condução cautelosa, bela e impressionante de Dunn e de um elenco estelar.

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