Você já teve a sensação de assistir a um filme que é claramente sobre um determinado assunto (que geralmente fica no centro da história), mas que, ao mesmo tempo, é circundado por dois ou mais temas paralelos que dão a impressão de não só não ajudarem em nada na história principal, mas também parecem, inclusive, atrapalhar o desenvolvimento central? Sim, você com certeza já experimentou esse tipo de sensação. E ela pode ser experenciada novamente no longa ‘Retorno’, novo suspense argentino da Netflix que, desde sua estreia, no fim de julho, tem marcado posição no Top 10 da plataforma.
Depois dos episódios traumáticos em sua vida, Pipa (Luisana Lopilato) se muda com seu filho Tobías (Benjamín Del Cerro) do sul da Argentina para o norte, em busca de sossego e de deixar o passado como policial para trás, isolada em uma fazenda em Humahuaca. Porém, a misteriosa morte de Samantha Sosa (Laura González), uma jovem que trabalhava na casa dos poderosos Carreras, fará com que Pipa deixe de lado sua aposentadoria latente da polícia argentina e passe a voluntariamente investigar o caso, a pedido de sua mãe, Alicia (Paulina García). Mas essa investigação irá mexer com os segredos dos irmãos Cruz (Aquiles Casabellas) e Mecha (Melane Narvay), e os mais ricos da cidade não deixarão barato quem meter nos planos deles…
Recheado de clichês que não acrescentam em nada, o roteiro de ‘Retorno’ passa exatamente a sensação de quem alguém teve uma ideia e, ao longo do projeto, outras pessoas foram sendo agregadas e cada uma delas veio com um pitaco mirabolante, tornando a versão final do longa uma bagunça só. Escrito por Florencia Etcheves, Mili Roque Pitt e Alejandro Montiel, o filme começa com uma festa na mansão dos Carreras e foco na jovem que trabalha lá; em seguida, acompanhamos um homem indígena ser preso por protestar pelo seu direito a terra; seguimos para a protagonista, que aparece bem depois mas que, desde que aparece, começa a liderar o enredo; voltamos para a luta indígena; começamos a refletir sobre o armamento infantil; voltamos para a luta indígena; revelados os segredos das pessoas ricas; fim da história, com a pauta indígena totalmente desimportante na trama, dando a sensação de ter sido colocada apenas para servir como pano de fundo inclusivo.
O mais surpreendente é que ‘Retorno’ é, na verdade, a conclusão de uma trilogia de filmes que ninguém lembrava que existia. Iniciada em 2018 com ‘Perdida’, depois em 2020 com o prequel ‘Presságio’, ‘Retorno’ estreia para concluir a jornada da policial Pipa, mas nem a sinopse, nem a plataforma da Netflix fizeram o favor de nos lembrar a conexão com as outras produções. Eu hein.
Com uma história que vai para todas as direções e atuações bem caricatas, fica difícil ser positivo com relação à direção de Alejandro Montiel. Vale pelo fato de o longa ter sido gravado no norte da Argentina – local comumente esquecido pelo audiovisual –, e mostrar as belezas desérticas da região. Para fazer algum sentido, sugere-se ao espectador assistir aos dois filmes anteriores – que não explicam a história atual, mas a tornam menos ruim.