domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | Retrato de uma Jovem em Chamas – Sororidade Feminina no longa indicado ao Globo de Ouro

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Na França do século XVIII, Marianne (Noémie Merlant, atriz bastante parecida esteticamente com Emma Watson) é uma pintora que, durante uma aula com jovens meninas, se recorda de um episódio de seu passado ao se deparar com uma pintura feita por ela, intitulada ‘Retrato de uma Jovem em Chamas’. Então o espectador é transportado para um período anterior, quando Marianne fora contratada pela mãe de Héloïse (a enigmática Adèle Haenel) para pintar um retrato da jovem, de modo que a pintura se transformasse em um presente para o futuro marido de Héloïse.



A questão toda é que Héloïse não quer ser retratada, pois sabe que tão logo a pintura fique pronta, seu casamento será marcado, então, Marianne precisa fingir ser uma dama de companhia de Héloïse, para, à noite, pintar o quadro da jovem. A partir dessa pequena mentira, as duas começam a desenvolver uma amizade sincera baseada na enormidade da solidão feminina em um mundo no qual o destino das mulheres era tão somente casar e ter filhos.

O grande trunfo de ‘Retrato de uma Jovem em Chamas’ é ter um elenco quase cem por cento feminino (só um homem aparece no longa), com mulheres protagonistas, e dirigido por uma mulher, Céline Sciamma. Para quem acha que isso não faz diferença, que é modinha, é só reparar a suavidade e o cuidado que Céline tem em retratar certos momentos do universo feminino sem sensualizar os corpos femininos ou explorá-los. Exemplo disso é o episódio em que ocorre um aborto, no qual em vez da câmera focar no sangue e na perda, foca na dor, no rosto da personagem em sentir o que está ocorrendo.

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Com uma fotografia poética e atuações propositalmente contidas para explodirem nos momentos certos, o roteiro de Céline Sciamma às vezes escorrega em soluções fáceis demais para uma época em que tudo era muito rígido – mas nada que comprometa o todo do filme. Em contrapartida, há diálogos potentíssimos como o da irmã suicida de Héloïse, que pede desculpas por se matar e deixar seu destino para a irmã, ou o momento em que a própria Héloïse confessa enxergar a liberdade que existe quando a mulher está sozinha.

Indicado ao Globo de Ouro 2020 e vencedor do Prêmio Félix do Festival do Rio 2019 de Melhor Longa-Metragem de Ficção, ‘Retrato de uma Jovem em Chamas’ aborda temas que permeiam o universo feminino de maneira atemporal, e reforça o quanto a presença de outras mulheres ajuda uma mulher a encarar e enfrentar o destino traçado para elas pelos homens do século XIX – e nos faz refletir sobre como, embora sendo uma ficção, algumas imposições permanecem ainda hoje em nossa sociedade.

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Janda Montenegrohttp://cinepop.com.br
Escritora, autora de 6 livros, roteirista, assistente de direção. Doutora em Literatura Brasileira Indígena UFRJ.

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Na França do século XVIII, Marianne (Noémie Merlant, atriz bastante parecida esteticamente com Emma Watson) é uma pintora que, durante uma aula com jovens meninas, se recorda de um episódio de seu passado ao se deparar com uma pintura feita por ela, intitulada ‘Retrato de uma Jovem em Chamas’. Então o espectador é transportado para um período anterior, quando Marianne fora contratada pela mãe de Héloïse (a enigmática Adèle Haenel) para pintar um retrato da jovem, de modo que a pintura se transformasse em um presente para o futuro marido de Héloïse.

A questão toda é que Héloïse não quer ser retratada, pois sabe que tão logo a pintura fique pronta, seu casamento será marcado, então, Marianne precisa fingir ser uma dama de companhia de Héloïse, para, à noite, pintar o quadro da jovem. A partir dessa pequena mentira, as duas começam a desenvolver uma amizade sincera baseada na enormidade da solidão feminina em um mundo no qual o destino das mulheres era tão somente casar e ter filhos.

O grande trunfo de ‘Retrato de uma Jovem em Chamas’ é ter um elenco quase cem por cento feminino (só um homem aparece no longa), com mulheres protagonistas, e dirigido por uma mulher, Céline Sciamma. Para quem acha que isso não faz diferença, que é modinha, é só reparar a suavidade e o cuidado que Céline tem em retratar certos momentos do universo feminino sem sensualizar os corpos femininos ou explorá-los. Exemplo disso é o episódio em que ocorre um aborto, no qual em vez da câmera focar no sangue e na perda, foca na dor, no rosto da personagem em sentir o que está ocorrendo.

Com uma fotografia poética e atuações propositalmente contidas para explodirem nos momentos certos, o roteiro de Céline Sciamma às vezes escorrega em soluções fáceis demais para uma época em que tudo era muito rígido – mas nada que comprometa o todo do filme. Em contrapartida, há diálogos potentíssimos como o da irmã suicida de Héloïse, que pede desculpas por se matar e deixar seu destino para a irmã, ou o momento em que a própria Héloïse confessa enxergar a liberdade que existe quando a mulher está sozinha.

Indicado ao Globo de Ouro 2020 e vencedor do Prêmio Félix do Festival do Rio 2019 de Melhor Longa-Metragem de Ficção, ‘Retrato de uma Jovem em Chamas’ aborda temas que permeiam o universo feminino de maneira atemporal, e reforça o quanto a presença de outras mulheres ajuda uma mulher a encarar e enfrentar o destino traçado para elas pelos homens do século XIX – e nos faz refletir sobre como, embora sendo uma ficção, algumas imposições permanecem ainda hoje em nossa sociedade.

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