quinta-feira , 21 novembro , 2024

Crítica | Retrato do Amor – Cinema indiano e a beleza dos encontros

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A Índia é, atualmente, uma das maiores populações do mundo (perdendo somente para a China) e uma das maiores economias mundiais (7ª, de acordo com o Banco Mundial, baseado no PIB de 2018). Ainda em tempos de elevada emergência nacional na escala planetária, se mantém como um país cortado por abismos sociais, e que tem sua população dividida em castas. Mesmo neste século, com todo avanço científico e informacional, sociedades tão importantes seguem se organizando de acordo com padrões seculares.

A estrutura social organizada em castas (Brâmanes, Xátiras, Vaixás e Sudras) é característica dos povos e países que seguem o hinduísmo, sendo parte de raízes milenares na Índia. As castas definem o papel social, direcionam as profissões e, dentro dessa estrutura, também orienta os casamentos. Esse, que é um ponto muito ventilado mundialmente (o casamento arranjado), em teoria, é uma prática que visa atender interesses familiares e, em escala macro, a manutenção dos estratos sociais. O que Glória Perez não nos ensinou em Caminho das índias é que a realização da união (entre cônjuges e suas respectivas famílias) considera além desses interesses um aprofundado estudo de personalidade que direciona a seleção dos pretendentes. Essa prática (pouco divulgada) faz com que, mesmo nos dias de hoje, muito jovens indianos confiem mais no conhecimento tradicional milenar do que no ardor das paixões.



Mas o que acontece quando laços se formam afrontando essa estrutura? Quais as reais possibilidades de, na modernidade (não tão) líquida, indivíduos com diferentes padrões de vida se envolverem? E sobre esses questionamentos o diretor Ritesh Batra apresenta uma leitura singela das injustiças sociais cortadas por uma história de romance aparentemente impossível, em uma sociedade estratificada. O longa metragem Retrato do Amor traz à luz um casal improvável, e reforça a beleza do acaso na coincidência dos encontros despretensiosos.

Miloni (Sanya Malhotra) é uma jovem promissora. Dedicada aos estudos e criada em um núcleo familiar que estimula seu crescimento profissional, a jovem leva uma vida de muitos privilégios, porém, um tanto quanto melancólica. Em um passeio na frente do Taj Mahal é fotografada por um fotógrafo de turistas, Rafi (Nawazuddin Siddiqui), em quem dá um belo calote. Rafi, por sua vez, um homem humilde e sem pretensões de casamento, se vê pressionado por todos quando corre a notícia (vinda de outro longínquo vilarejo) de que sua avó (a forte figura matriarca da família) só voltaria a tomar seus remédios quando o neto enfim se casasse. A pressão digna de vizinhança fofoqueira pesa, e ele, em um ato de quase desespero, envia uma foto de Miloni para sua avó sair do jejum medicinal. A tentativa de enrolar sua avó leva Rafi a pedir ajuda de Miloni. Um ato impensado que permitiu a formação de um laço bonito entre o casal protagonista.

Ao mostrar o lado de Rafi, a direção é feliz em pontuar as condições sociais vivenciadas pela classe do rapaz, bem como questões que envolvem honra, tradição e sua cor da pele. Aparentemente o colorismo é um aspecto que também marca a cultura indiana, sendo exaltado o padrão da beleza daqueles de pele mais clara. Um diálogo simbólico se dá entre a matriarca e os amigos que vivem com Rafi, no qual ela discorre sobre o quanto o neto é feio e que sua pele está muito feia por estar mais escura pela exposição ao sol. E então, novamente voltamos ao ponto crucial da organização social indiana e seus desdobramentos.

Ao apresentar a perspectiva de Milone, mesmo com sua posição social elevada, o aspecto que soa cruel ao ocidente também é bem representado: o casamento arranjado e a limitação da liberdade individual. Para além dessas questões, outras nem tão estranhas a esse lado do planeta também são bem representados, sendo o mais simbólico (para essa que aqui escreve) o assédio sofrido calado pela moça. Então, mesmo com todo privilégio que possui, mesmo tendo apoio para crescer profissionalmente, a personagem apresenta com suas fragilidades socioculturais.  O universo de Milone nos mostra nela uma forte necessidade de encontrar sentido em sua vida, e é exatamente essa a força motriz da aproximação dela e Rafi. Por se ver através dos olhos dele como alguém mais bonita e mais feliz.

A personalidade quieta e gentil de Milone dá o ritmo ao filme, no qual os silêncios e olhares têm um papel fundamental no roteiro. Fora do padrão musical bollywoodiano, o longa-metragem traz às telas um romance muito mais próximo dos encontros da vida real. E o que é mais interessante de notar, do ponto de vista ocidental, são as manifestações afetivas possíveis dentro da cultura local. Ainda que se perceba o crescente interesse, o carinho e amor fluindo entre o casal, as cenas com contatos físicos são raras (mas simbólicos).

Descobrir as linguagens cinematográficas pelo mundo é sempre um deleite. E Retrato do amor traz ao público uma leitura singela de mais um romance impossível. Mas tendo como pano de fundo uma cultura que impõe uma série de questões interessantes.

 

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A estrutura social organizada em castas (Brâmanes, Xátiras, Vaixás e Sudras) é característica dos povos e países que seguem o hinduísmo, sendo parte de raízes milenares na Índia. As castas definem o papel social, direcionam as profissões e, dentro dessa estrutura, também orienta os casamentos. Esse, que é um ponto muito ventilado mundialmente (o casamento arranjado), em teoria, é uma prática que visa atender interesses familiares e, em escala macro, a manutenção dos estratos sociais. O que Glória Perez não nos ensinou em Caminho das índias é que a realização da união (entre cônjuges e suas respectivas famílias) considera além desses interesses um aprofundado estudo de personalidade que direciona a seleção dos pretendentes. Essa prática (pouco divulgada) faz com que, mesmo nos dias de hoje, muito jovens indianos confiem mais no conhecimento tradicional milenar do que no ardor das paixões.

Mas o que acontece quando laços se formam afrontando essa estrutura? Quais as reais possibilidades de, na modernidade (não tão) líquida, indivíduos com diferentes padrões de vida se envolverem? E sobre esses questionamentos o diretor Ritesh Batra apresenta uma leitura singela das injustiças sociais cortadas por uma história de romance aparentemente impossível, em uma sociedade estratificada. O longa metragem Retrato do Amor traz à luz um casal improvável, e reforça a beleza do acaso na coincidência dos encontros despretensiosos.

Miloni (Sanya Malhotra) é uma jovem promissora. Dedicada aos estudos e criada em um núcleo familiar que estimula seu crescimento profissional, a jovem leva uma vida de muitos privilégios, porém, um tanto quanto melancólica. Em um passeio na frente do Taj Mahal é fotografada por um fotógrafo de turistas, Rafi (Nawazuddin Siddiqui), em quem dá um belo calote. Rafi, por sua vez, um homem humilde e sem pretensões de casamento, se vê pressionado por todos quando corre a notícia (vinda de outro longínquo vilarejo) de que sua avó (a forte figura matriarca da família) só voltaria a tomar seus remédios quando o neto enfim se casasse. A pressão digna de vizinhança fofoqueira pesa, e ele, em um ato de quase desespero, envia uma foto de Miloni para sua avó sair do jejum medicinal. A tentativa de enrolar sua avó leva Rafi a pedir ajuda de Miloni. Um ato impensado que permitiu a formação de um laço bonito entre o casal protagonista.

Ao mostrar o lado de Rafi, a direção é feliz em pontuar as condições sociais vivenciadas pela classe do rapaz, bem como questões que envolvem honra, tradição e sua cor da pele. Aparentemente o colorismo é um aspecto que também marca a cultura indiana, sendo exaltado o padrão da beleza daqueles de pele mais clara. Um diálogo simbólico se dá entre a matriarca e os amigos que vivem com Rafi, no qual ela discorre sobre o quanto o neto é feio e que sua pele está muito feia por estar mais escura pela exposição ao sol. E então, novamente voltamos ao ponto crucial da organização social indiana e seus desdobramentos.

Ao apresentar a perspectiva de Milone, mesmo com sua posição social elevada, o aspecto que soa cruel ao ocidente também é bem representado: o casamento arranjado e a limitação da liberdade individual. Para além dessas questões, outras nem tão estranhas a esse lado do planeta também são bem representados, sendo o mais simbólico (para essa que aqui escreve) o assédio sofrido calado pela moça. Então, mesmo com todo privilégio que possui, mesmo tendo apoio para crescer profissionalmente, a personagem apresenta com suas fragilidades socioculturais.  O universo de Milone nos mostra nela uma forte necessidade de encontrar sentido em sua vida, e é exatamente essa a força motriz da aproximação dela e Rafi. Por se ver através dos olhos dele como alguém mais bonita e mais feliz.

A personalidade quieta e gentil de Milone dá o ritmo ao filme, no qual os silêncios e olhares têm um papel fundamental no roteiro. Fora do padrão musical bollywoodiano, o longa-metragem traz às telas um romance muito mais próximo dos encontros da vida real. E o que é mais interessante de notar, do ponto de vista ocidental, são as manifestações afetivas possíveis dentro da cultura local. Ainda que se perceba o crescente interesse, o carinho e amor fluindo entre o casal, as cenas com contatos físicos são raras (mas simbólicos).

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