domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | ‘Revelação’ é o filme mais poderoso do ano – e o mais necessário da última década

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A história do cinema e da televisão sempre esteve intrinsecamente ligada à transexualidade – quer você saiba ou não. E, ainda que essa parcela da comunidade LGBTQ+ tenha um peso inegável para a própria continuidade da arte fílmica, sendo representada desde sempre em narrativas clássicas e que até hoje são utilizadas em diversas academias para explorar as nuances da esfera do entretenimento, ela começou a ter um protagonismo real e livre dos estereótipos de identidade de gênero e orientação sexual há pouquíssimo tempo – cinco anos, no máximo. Revelação, o mais novo documentário original da Netflix, resolve explorar exatamente essas perguntas: como o medo do “diferente” e daquilo que está fora do padrão social da cisheteronormatividade é exibida de forma exótica, passível de uma espetacularização ridícula que está longe de ser encarada com respeito (até hoje, diga-se de passagem).

O diretor Sam Feder, continuando sua onda de aclamadas obras e de incursões acerca de questões de gênero (quase uma década e meia mais tarde do premiado ‘Boy I Am’), reúne um time extenso de celebridades para analisar a representatividade trans na mídia, analisando os primórdios da arte cinematográfica até a revolução estética da contemporaneidade – contando com nomes lendários que incluem Lilly Wachowski, Laverne Cox, Jamie Clayton, Angelica Ross e tantas outras personalidades que lutaram para conseguir o espaço que têm hoje e que têm ciência de que as conquistas precisam e devem continuar.



Feder trabalha lado a lado com a montadora Stacy Goldate e, unindo seus esforços em um longa-metragem que poderia se estender por horas a fio com críticas ao preconceituoso e normatizado sistema artístico de Hollywood, resolve filtras as premissas principais para um resumo da existência de personagens e de tramas que fujam do convencional. Em outras palavras, o testemunho desses artistas serve de base para que percebamos a necessidade de mudança – e o entendimento de que transexuais não são objetos para que cineastas cisgêneros os tratem como bem entendam (normalmente, como motivo de piada ou como vítimas arruinadas que dão adeus no final dos filmes e séries).

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Ao longo de cem duros e impactantes minutos, nota-se um equilíbrio aplaudível entre tensão e comicidade, como forma de oferecer espectros complexos aos rostos que aprendemos a adorar. Clayton, tendo vivido a hacker Nomi na série ‘Sense8’ (que foi criada pelas irmãs Wachowski), fala com paixão sobre o fato de ter dado vida a uma persona que não era vista apenas por sua identidade trans, mas sim por ser uma mulher forte, cujos traumas passados e cujos obstáculos contribuíram para que ela se tornasse uma das criações mais complexas da televisão contemporânea – e parte de um dos casais mais adorados da década passada; Cox, recusando-se a acreditar que sua carreira seria baseada em piadas, foi convidada para ser uma das protagonistas da dramédia ‘Orange Is the New Black’ (cuja performance lhe rendeu uma indicação ao Emmy Award de Melhor Atriz Coadjuvante).

Viajando no tempo, existe uma grande diferença de retrato entre o obscuro período que se estendeu entre os anos 1970 e o final da década de 2000 e a expansiva representatividade das minorias sociais na atualidade – com ênfase especial nos LGBTQ+. Nota-se que, à medida que cresciam, os entrevistados se viam retratados como escapes cômicos estereotipados que não levavam em conta suas próprias identidades de gênero e que levavam em conta apenas o órgão sexual com o qual haviam nascido (como é o caso do condenável ‘Ace Ventura’ ou dos problemáticos episódios de ‘CSI: NY’ ou ‘Nip/Tuck’); ou então como condicionados à sua transição (vide ‘Grey’s Anatomy’ e ‘E.R.’), que passam informações falsas e romantizadas sobre o uso de hormônios para mudança de sexo; ou até mesmo como psicopatas doentios (‘O Silêncio dos Inocentes’).

O fato é que o bode expiatório da esfera fílmica sempre se voltou às minorias e nunca deixou de expor os transexuais como aberrações da natureza ou pessoas passivas que sempre precisariam da complexada aparição do “cavaleiro branco” para salvá-las Enquanto há certa conquista com obras como ‘Clube de Compras Dallas’ e ‘A Garota Dinamarquesa’, a construção imagética e narrativa sempre se rende às fórmulas, apagando a história como realmente aconteceu ou auxiliando um problemático personagem cishétero e reencontrar seu rumo – e, assim, podendo ser descartado. Em um dos comentário, o ativista e apresentado Zeke Smith comenta sobre a incapacidade prática de unir em um mesmo lugar uma mulher, um trans e um negro – como é o caso de ‘Meninos Não Choram’, que suprimi a existência do melhor amigo de Brandon Teena, Phillip Devine, ou então de ‘Paris Is Burning’, um dos maiores documentários sobre a comunidade artística trans-negra de Nova York dos anos 1970 e 1980, que não beneficiou em nada as incríveis personalidades apresentadas.

Eventualmente, Feder deixa claro que costuma-se atribuir àqueles que estão em voga no cenário mainstream criações que, na verdade, datam de muito antes – por exemplo, o fato da expressão artística vogue ser relacionada à Madonna, sendo que foi criada quinze anos antes dela lançar seu primeiro álbum. Em comparação, é notável a admiração de nomes como Mj Rodriguez, Jazzmun e Sandra Caldwell em ver obras como ‘Pose’ ganhar reconhecimento internacional quando pensavam que isso não seria possível.

Revelação diz com todas as palavras que a representatividade trans no cinema e na televisão teve seus avanços, mas segue a passos curtos ao não contemplar toda a vivência dos membros dessa comunidade. A luta ainda continua – e, enquanto houver um extermínio e um apagamento em massa das pessoas trans nas maiores esferas da sociedade, ela continuará com força descomunal.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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A história do cinema e da televisão sempre esteve intrinsecamente ligada à transexualidade – quer você saiba ou não. E, ainda que essa parcela da comunidade LGBTQ+ tenha um peso inegável para a própria continuidade da arte fílmica, sendo representada desde sempre em narrativas clássicas e que até hoje são utilizadas em diversas academias para explorar as nuances da esfera do entretenimento, ela começou a ter um protagonismo real e livre dos estereótipos de identidade de gênero e orientação sexual há pouquíssimo tempo – cinco anos, no máximo. Revelação, o mais novo documentário original da Netflix, resolve explorar exatamente essas perguntas: como o medo do “diferente” e daquilo que está fora do padrão social da cisheteronormatividade é exibida de forma exótica, passível de uma espetacularização ridícula que está longe de ser encarada com respeito (até hoje, diga-se de passagem).

O diretor Sam Feder, continuando sua onda de aclamadas obras e de incursões acerca de questões de gênero (quase uma década e meia mais tarde do premiado ‘Boy I Am’), reúne um time extenso de celebridades para analisar a representatividade trans na mídia, analisando os primórdios da arte cinematográfica até a revolução estética da contemporaneidade – contando com nomes lendários que incluem Lilly Wachowski, Laverne Cox, Jamie Clayton, Angelica Ross e tantas outras personalidades que lutaram para conseguir o espaço que têm hoje e que têm ciência de que as conquistas precisam e devem continuar.

Feder trabalha lado a lado com a montadora Stacy Goldate e, unindo seus esforços em um longa-metragem que poderia se estender por horas a fio com críticas ao preconceituoso e normatizado sistema artístico de Hollywood, resolve filtras as premissas principais para um resumo da existência de personagens e de tramas que fujam do convencional. Em outras palavras, o testemunho desses artistas serve de base para que percebamos a necessidade de mudança – e o entendimento de que transexuais não são objetos para que cineastas cisgêneros os tratem como bem entendam (normalmente, como motivo de piada ou como vítimas arruinadas que dão adeus no final dos filmes e séries).

Ao longo de cem duros e impactantes minutos, nota-se um equilíbrio aplaudível entre tensão e comicidade, como forma de oferecer espectros complexos aos rostos que aprendemos a adorar. Clayton, tendo vivido a hacker Nomi na série ‘Sense8’ (que foi criada pelas irmãs Wachowski), fala com paixão sobre o fato de ter dado vida a uma persona que não era vista apenas por sua identidade trans, mas sim por ser uma mulher forte, cujos traumas passados e cujos obstáculos contribuíram para que ela se tornasse uma das criações mais complexas da televisão contemporânea – e parte de um dos casais mais adorados da década passada; Cox, recusando-se a acreditar que sua carreira seria baseada em piadas, foi convidada para ser uma das protagonistas da dramédia ‘Orange Is the New Black’ (cuja performance lhe rendeu uma indicação ao Emmy Award de Melhor Atriz Coadjuvante).

Viajando no tempo, existe uma grande diferença de retrato entre o obscuro período que se estendeu entre os anos 1970 e o final da década de 2000 e a expansiva representatividade das minorias sociais na atualidade – com ênfase especial nos LGBTQ+. Nota-se que, à medida que cresciam, os entrevistados se viam retratados como escapes cômicos estereotipados que não levavam em conta suas próprias identidades de gênero e que levavam em conta apenas o órgão sexual com o qual haviam nascido (como é o caso do condenável ‘Ace Ventura’ ou dos problemáticos episódios de ‘CSI: NY’ ou ‘Nip/Tuck’); ou então como condicionados à sua transição (vide ‘Grey’s Anatomy’ e ‘E.R.’), que passam informações falsas e romantizadas sobre o uso de hormônios para mudança de sexo; ou até mesmo como psicopatas doentios (‘O Silêncio dos Inocentes’).

O fato é que o bode expiatório da esfera fílmica sempre se voltou às minorias e nunca deixou de expor os transexuais como aberrações da natureza ou pessoas passivas que sempre precisariam da complexada aparição do “cavaleiro branco” para salvá-las Enquanto há certa conquista com obras como ‘Clube de Compras Dallas’ e ‘A Garota Dinamarquesa’, a construção imagética e narrativa sempre se rende às fórmulas, apagando a história como realmente aconteceu ou auxiliando um problemático personagem cishétero e reencontrar seu rumo – e, assim, podendo ser descartado. Em um dos comentário, o ativista e apresentado Zeke Smith comenta sobre a incapacidade prática de unir em um mesmo lugar uma mulher, um trans e um negro – como é o caso de ‘Meninos Não Choram’, que suprimi a existência do melhor amigo de Brandon Teena, Phillip Devine, ou então de ‘Paris Is Burning’, um dos maiores documentários sobre a comunidade artística trans-negra de Nova York dos anos 1970 e 1980, que não beneficiou em nada as incríveis personalidades apresentadas.

Eventualmente, Feder deixa claro que costuma-se atribuir àqueles que estão em voga no cenário mainstream criações que, na verdade, datam de muito antes – por exemplo, o fato da expressão artística vogue ser relacionada à Madonna, sendo que foi criada quinze anos antes dela lançar seu primeiro álbum. Em comparação, é notável a admiração de nomes como Mj Rodriguez, Jazzmun e Sandra Caldwell em ver obras como ‘Pose’ ganhar reconhecimento internacional quando pensavam que isso não seria possível.

Revelação diz com todas as palavras que a representatividade trans no cinema e na televisão teve seus avanços, mas segue a passos curtos ao não contemplar toda a vivência dos membros dessa comunidade. A luta ainda continua – e, enquanto houver um extermínio e um apagamento em massa das pessoas trans nas maiores esferas da sociedade, ela continuará com força descomunal.

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