Se há uma artista que podemos caracterizar como subestimada, essa artista é, sem dúvida, Sabrina Carpenter. A ex-estrela do Disney Channel, que começou a fazer grande sucesso depois de estrelar a sitcom ‘Garota Conhece o Mundo’, também é dotada de uma carreira musical que não tem o reconhecimento que merece e que é marcada por algumas das melhores músicas dos últimos anos – ora, é só pensarmos em seus dois últimos lançamentos, ‘Singular: Act I’ e ‘Singular: Act II’, em que a cantora e compositora apostou fichas em um amadurecimento lírico e em uma aproximação ao trap (pegando elementos emprestados de nomes como Taylor Swift e Lorde para discorrer sobre experiências íntimas).
Agora, três anos depois de ter divulgado seu último compilado de originais (e de ter participado de diversas produções fílmicas, como a rom-com ‘Crush à Altura’ e o ótimo thriller tragicômico ‘Emergency’), Carpenter retorna para nos agraciar com o que apenas podemos compreender como seu álbum mais coeso, dotado de diversas referências musicais e mesclando gêneros diversos em uma apaixonante aventura sinestésica. Intitulada ‘emails i can’t send’, sua quinta obra é uma ótima adição a uma discografia que ganha um novo capítulo, ainda mais considerando a transição da performer para uma outra label, a Island Records.
É claro que, quando artistas resolvem mudar a identidade que talharam ao longo dos anos, sempre ficamos com borboletas no estômago. Afinal, era clara o caminho trilhado por Sabrina com o passar do tempo, em que a mercadologia mainstream foi deixada de lado, por assim dizer, a fim de explorações mais pessoais e declamatórias – valendo-se, de fato, de inflexões românticas, como “Paris”, ou de um empoderamento que não tinha alcançado uma plenitude completa (como “Sue Me” ou “Looking at Me”). Felizmente, as coisas mudam de perspectiva quando somos transportados a este novo compilado, cujas ousadas escolhas estéticas são determinantes para colocá-la dentro de um universo recheado de ótimas escolhas, narrativas pungentes e uma reapropriação do que significa existir em um mundo marcado pela efemeridade e por relações conturbadas.
Talvez o aspecto mais divertido e interessante do disco seja a forma como a artista realmente deixa se levar por eventos íntimos – durante uma entrevista à Teen Vogue, inclusive, ela disse que compôs as canções a partir de e-mails que mandava para si mesma e que, definitivamente, não poderia enviar para quem queria. Mostrá-los ao mundo é um testamento de que não se arrepende do que escreveu, e sim de que forma seus pensamentos antigos dialogam com quem é na atualidade. É nesse prospecto que surge a ótima “Vicious”, uma track em mid-tempo que flerta com o pop-rock e o pop alternativo explorado por Selena Gomez em “Bad Liar” e até mesmo com as tendências de distorção promovidas por Billie Eilish e Olivia Rodrigo nos últimos anos: “eu te amei, mas queria não ter te amado” é, de fato, um verso com o qual boa parte dos ouvintes pode se relacionar – e que resume bem o que ela quer nos passar.
Carpenter sabe muito bem como utilizar seus vocais, algo que fica bastante claro quando chegamos ao recente single “because i liked a boy”, que pega os elementos do downtempo de Eilish em ‘Happier Than Ever’ e se inicia em uma sutileza dramática e expressiva de tirar o fôlego. Aqui, Sabrina parece remoer um passado doloroso em que foi taxada de vagabunda por ter se apaixonado por um garoto que lhe trouxe nada além de mágoas e lembranças que ficaram perdidas. E, enquanto os cruciantes versos nos arrebatam por rimas sagazes e uma produção contemporânea, é a chegada do terceiro e último refrão que nos faz aplaudi-la pela rendição quase teatral – e nos deixa triste por acabar de modo tão rápido.
A performer brinca com os conceitos outrora engessados da atemporalidade que a aproximam das grandes A-lists da atualidade e de nomes que se escondem na explosão constante do mainstream. Em “how many things”, a produção vibrante de canções anteriores é colocada de lado em prol de exaltar as notas melódicas do violão e da rendição acústica impecável de Carpenter, que transforma uma suposta verborragia exacerbada em poesia e reflexão; em contraposição à pessoalidade das baladas, ela conversa com Britney Spears e Kylie Minogue para dar vida às sensuais e ecoantes “bet u wanna” e “Read Your Mind”, por exemplo, em uma versatilidade apaixonante e narcótica.
São várias as tracks que nos chamam a atenção – e, sem dúvida, “Fast Times” é uma das que despontam como uma das mais bem arquitetadas, seja pelas inclinações ao post-disco ou pelos elementos do funk setentista que pincelam as estrofes (e isso sem comentar o ótimo videoclipe inspirado em ‘Kill Bill’ e ‘As Panteras’ que Carpenter protagoniza); e a faixa ganha uma camada quando comparada à irretocável “skinny dipping”, revelando sua inspiração nas frases cantadas de Swift em ‘folklore’ e ‘evermore’ para fornecer uma fusão entre música e literatura – ainda que, na construção de Sabrina, tenhamos uma pegada um pouco mais prática.
Posso estar sendo precipitado ao dizer isso, mas ‘emails i can’t send’ configura-se como o melhor álbum de Carpenter desde sua estreia oficial na indústria fonográfica, ainda em 2015. Sua breve carreira passou por inúmeras transformações e, agora, ela está mais ciente de nunca de seu lugar no mundo e como utilizar uma habilidade incrível para criar mágica.
Nota por faixa:
1. emails i can’t send – 5/5
2. Vicious – 4/5
3. Read Your Mind – 5/5
4. Tornado Warnings – 4,5/5
5. because i liked a boy – 5/5
6. Already Over – 4,5/5
7. how many things – 5/5
8. bet u wanna – 4,5/5
9. Nonsense – 4/5
10. Fast Times – 5/5
11. skinny dipping – 5/5
12. Bad for Business – 4/5
13. decode – 4/5