O que é isso, companheira?
Parte da trilogia de filmes recentes com Kristen Stewart em seu novo penteado (cabelo “Joãozinho” loiro), Seberg Contra Todos é o responsável pelo estilo radical da moça e o melhor longa da trinca – iniciada pelo reboot de As Panteras e continuado com o terror/ficção Ameaça Profunda. Depois de ter demonstrado que ainda sabia se divertir encabeçando tais filmes pipoca (que não deram muito certo), Stewart volta ao drama na biografia da atriz americana radicada na França, Jean Seberg.
Estrela da Nouvelle Vague (Nova Onda) ao ter protagonizado o cult Acossado (1960), de Jean-Luc Godard e roteiro de François Truffaut (os pais do movimento), Seberg evitou Hollywood sempre que pôde, fazendo mais o tipo das produções europeias. Seu primeiro papel no cinema foi aos 19 anos, quando interpretou uma figura icônica para os franceses, a heroína Joana D’Arc, no filme Santa Joana (1957), de Otto Preminger, onde igualmente à sua personagem foi queimada na fogueira (correndo risco de vida) durante um acidente nas filmagens. Fato adereçado aqui.
Stewart interpretando uma francesa? Sim! Além de Seberg ter nascido nos EUA, Stewart é fluente no idioma, e tem no currículo um César, o Oscar francês, por Acima das Nuvens (2014) – sendo a única norte-americana com tal honraria. E a jovem atriz que completa 30 anos em abril se joga no papel com bastante intensidade, assim como tem feito em sua carreira pós-Crepúsculo. Sem medo de arriscar, Stewart se entrega em cenas mais ousadas, que representam o espírito livre, mas também frágil, de uma celebridade despedaçada apenas por ajudar uma causa que achava justa.
Assim como no recente Judy – Além do Arco-Íris, vencedor do Oscar de melhor atriz este ano para Renée Zellweger, Seberg Contra Todos foca mais na vida pessoal de seu tema do que nos bastidores de seus trabalhos como atriz. Neste quesito, Seberg se dispersa ainda mais. O assunto do filme é o engajamento da atriz com causas sociais norte-americanas, em especial o grupo extremista Panteras Negras, que tinham em seu modus operandi a luta armada contra o racismo – o que obviamente ligou o sinal de alerta do governo e iniciou um processo de profunda vigilância em suas “células”.
Seberg conhece e desenvolve um laço de afeto/relacionamento com o líder revolucionário, igualmente casado, Hakim Jamal, papel de Anthony Mackie (Guerra ao Terror). A ligação da atriz e seu financiamento à causa a tornaram um dos maiores alvos de agências de espionagem como a FBI, transformando sua vida num verdadeiro inferno. Dentre os métodos de dissuasão utilizados pelos agentes estava a calúnia, ao espalharem notícias falsas sobre a personalidade e também a exposição de sua vida privada. No processo, Seberg se tornou paranoica, tentou o suicídio, perdeu uma filha na gravidez e veio a falecer, já de volta à França, num possível suicídio aos 40 anos – a atriz foi encontrada dentro de seu carro após dez dias dada como desaparecida.
No elenco de Seberg ajudando a embalar o desempenho da protagonista, um time afiado: desde Jack O’Conell (Invencível) como um agente da FBI de consciência pesada, Margaret Qualley (Era uma Vez em Hollywood) como a esposa do agente, Vince Vaughn como um veterano radical e sem escrúpulos do FBI, e Zazie Beetz (Coringa) como a esposa de Jamal.
No comando da obra, Benedict Andrews entrega seu segundo longa-metragem após o visceral Una (2016), drama sobre abuso de menor e síndrome de Estocolmo, com Rooney Mara. O novo trabalho do cineasta não possui a mesma reflexão ou abre espaço para uma discussão numa zona cinza – aqui, talvez pelo roteiro da dupla Joe Shrapnel e Anna Waterhouse (Frankie & Alice), motivações e ideologias são preto e brancas. Este é um filme atestado, que não desvia, no entanto, de certa culpabilidade de caráter que mesmo as pessoas mais bem intencionadas possuem. Abordado aqui pela infidelidade de Seberg.
Mas se o texto não permite que a barreira da excelência seja quebrada, a parte técnica, esta sim, beira a magnitude. Tudo porque na direção de fotografia temos a expoente Rachel Morrison, jovem indicada ao Oscar na categoria por Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississipi (2017), que também soma na filmografia o blockbuster Pantera Negra (2018). Já deu para sentir o visual do longa, né? Seberg é dono de uma cinematografia deslumbrante, iluminada, de muitas cores e contrastes. Seguindo de perto, uma direção de arte de ambientes clean e cenários chamativos.
Se o conteúdo é correto e não compromete, é seguro afirmar que em sua forma, Jean Seberg recebeu de presente uma bela homenagem.