quinta-feira , 14 novembro , 2024

Crítica | Sex Education volta mais saborosa que a primeira vez

No início de 2019, a Netflix surpreendeu os espectadores com o seriado Sex Education, falando sem tabus sobre dúvidas sexuais escondidas até entre amigos. Ambientada no interior da Inglaterra e com uma excepcional trilha sonora, a produção apresentou personagens apaixonantes, destacando as suas diferenças e vulnerabilidades. A segunda temporada potencializou essas disparidades e ultrapassou as expectativas sobre a difícil habilidade de lidar com sentimentos, emoções e sexualidade na adolescência, além do contínuo aprendizado na vida adulta.

Depois de todo o drama no fim última temporada, o primeiro episódio é verdadeiramente  promissor. Principalmente por compor uma evolução do descobrimento sexual de Otis (Asa Butterfield) por meio do seu incontrolável desejo pelo auto prazer advindo dos mais variados lugares, até do gorduroso queijo brie. Esta sequência inicial ao som de “I Touch Myself” (na tradução, Eu me toco), de Scala & Kolacny Brothers, é de uma admirável inversão de olhares para masturbação, de um ato obsceno para uma ação compreensível, tal como Eric (Ncuti Gatwa) declara ao amigo: “você descobriu as maravilhas do seu próprio pênis”.



Ao explorar as maravilhas da masturbação, Sex Education também ressalta os contrapontos do ato, como a agressão sexual. Após Aimee (Aimee Lou Wood) ter encontrado um ambiente seguro ao lado do namorado Steve (Chris Jenks) e afirmado a sua amizade com Maeve (Emma Mackey), uma simples ida de ônibus à escola torna-se o seu pior pesadelo. A jovem protagoniza uma das cenas mais tristes ao dizer a todos que está bem depois de ter tido suas calças estragadas pela ejaculação de um estranho no transporte público, contudo sozinha no seu quarto as lágrimas descem incessantemente. 

São muitos dilemas explorados em quase oito horas de projeção, todavia Laurie Nunn orquestra com brilhantismo todos os elementos de forma organizada, entrelaçada e os apresenta como um verdadeiro retrato do ensino médio, com direito a explicações de como fazer a chuca e masturbação mútua. Além dos alunos, os professores e os pais também ganham mais destaques sobre suas vidas íntimas, no entanto, a grande virada de mesa é a introdução de Jean Milburn (Gillian Anderson), a mãe de Otis, no ambiente escolar. 

Com a volta às aulas, ocorre uma neurose coletiva de que todos estão contaminados com clamídia. Embora Otis afirme está “out of business”, por conta de expulsão de Maeve, ele vê-se obrigado a voltar e compartilhar seu conhecimento com os seus companheiros, afinal clamídia é uma doença sexualmente transmissível apenas através do sexo sem proteção. Apesar de tragicômica, a pandêmia nervosa convoca os pais para discutir sobre a educação sexual dos filhos e, consequentemente, o discurso de Jean sobre os três “T” (Trust, Talk e Truth, isto é, Confiança, Conversa e Verdade) a leva à posição de orientadora sexual escolar. 

Os pilares de Jean vão percorrer todos os episódios e, sobretudo, o drama de cada adolescente. Os personagens secundários ganham destaque e trajetórias cativantes, como o esportista Jason (Kedar Williams-Stirling) em um caminho de autoconhecimento e aceitação; Ola (Patricia Allison), a primeira namorada de Otis, com suas próprias questões a resolver; assim como Lily (Tanya Reynolds) e o seu talento criativo e os receios do vaginismo. Para apimentar mais o afiado elenco, entram em cena a nerd Viv (Chinenye Ezeudu), o francês descolado Rahim (Sami Outalbali) e o franzino cadeirante Isaac (George Robinson). 

Sob o comando de Ben Taylor e roteiro de Laurie Nunn, o sétimo episódio é um idílico momento a ser destacado. No meio de discórdias, triângulos amorosos e agressões, as  meninas do seriado Maeve, Ola, Lilly, Aimee, Viv e Olivia (Simone Ashley), apesar de todas as diferenças, se unem em um movimento de sororidade ao trauma sofrido por Aimee ao som da belíssima canção “Seventeen”, de Sharon Van Etten

As teorias de Freud, leia-se O Complexo de Édipo, por exemplo, apresentam-se mais evidente com a inserção da mãe de Maeve (Anne-Marie Duff) e sua irmãzinha na trama, assim como a desastrosa relação parental entre Otis e Remi Milburn (James Purefoy). Mesmo que distante um do outro durante todo enredo, o casal mais problemático e esperado dá passos em direção de uma possível resolução para os seus dilemas emocionais, entretanto, essa temporada mostra que Otis e Maeve precisam se resolver antes de, enfim, aceitar um ao outro. 

A evolução de cada personagem é marcante e analisá-las seria um prato cheio para os críticos, no entanto, me abstenho a ressaltar o perfeito arcabouço criado, tendo empoderado um dos melhores personagens gays da atualidade, Eric, e o seu embaraço emocional com Ahrim e  Adam Groff (Connor Swindells). Aliás, os dramas da família Groff valeriam uma dessecamento a parte ao dar voz, finalmente, aos desejos de Mrs. Groff (Samantha Spiro).

Sendo umas das produções televisivas mais ousadas dos últimos tempos a falar de sexo e suas idiossincrasias abertamente, Sex Education é um deleitoso debate de costumes, valores, religião, moralidade, desejos e, principalmente, imperfeições. Apesar de todas essas palavras soarem como um drama adolescente, o seriado subverte o gênero tornando-se vibrante e cativante, embora preserve a sua atmosfera bucólica e os seus personagens cheios de dilemas da chamada educação sentimental, infelizmente, não ensinada nas salas de aulas. 

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Depois de todo o drama no fim última temporada, o primeiro episódio é verdadeiramente  promissor. Principalmente por compor uma evolução do descobrimento sexual de Otis (Asa Butterfield) por meio do seu incontrolável desejo pelo auto prazer advindo dos mais variados lugares, até do gorduroso queijo brie. Esta sequência inicial ao som de “I Touch Myself” (na tradução, Eu me toco), de Scala & Kolacny Brothers, é de uma admirável inversão de olhares para masturbação, de um ato obsceno para uma ação compreensível, tal como Eric (Ncuti Gatwa) declara ao amigo: “você descobriu as maravilhas do seu próprio pênis”.

Ao explorar as maravilhas da masturbação, Sex Education também ressalta os contrapontos do ato, como a agressão sexual. Após Aimee (Aimee Lou Wood) ter encontrado um ambiente seguro ao lado do namorado Steve (Chris Jenks) e afirmado a sua amizade com Maeve (Emma Mackey), uma simples ida de ônibus à escola torna-se o seu pior pesadelo. A jovem protagoniza uma das cenas mais tristes ao dizer a todos que está bem depois de ter tido suas calças estragadas pela ejaculação de um estranho no transporte público, contudo sozinha no seu quarto as lágrimas descem incessantemente. 

São muitos dilemas explorados em quase oito horas de projeção, todavia Laurie Nunn orquestra com brilhantismo todos os elementos de forma organizada, entrelaçada e os apresenta como um verdadeiro retrato do ensino médio, com direito a explicações de como fazer a chuca e masturbação mútua. Além dos alunos, os professores e os pais também ganham mais destaques sobre suas vidas íntimas, no entanto, a grande virada de mesa é a introdução de Jean Milburn (Gillian Anderson), a mãe de Otis, no ambiente escolar. 

Com a volta às aulas, ocorre uma neurose coletiva de que todos estão contaminados com clamídia. Embora Otis afirme está “out of business”, por conta de expulsão de Maeve, ele vê-se obrigado a voltar e compartilhar seu conhecimento com os seus companheiros, afinal clamídia é uma doença sexualmente transmissível apenas através do sexo sem proteção. Apesar de tragicômica, a pandêmia nervosa convoca os pais para discutir sobre a educação sexual dos filhos e, consequentemente, o discurso de Jean sobre os três “T” (Trust, Talk e Truth, isto é, Confiança, Conversa e Verdade) a leva à posição de orientadora sexual escolar. 

Os pilares de Jean vão percorrer todos os episódios e, sobretudo, o drama de cada adolescente. Os personagens secundários ganham destaque e trajetórias cativantes, como o esportista Jason (Kedar Williams-Stirling) em um caminho de autoconhecimento e aceitação; Ola (Patricia Allison), a primeira namorada de Otis, com suas próprias questões a resolver; assim como Lily (Tanya Reynolds) e o seu talento criativo e os receios do vaginismo. Para apimentar mais o afiado elenco, entram em cena a nerd Viv (Chinenye Ezeudu), o francês descolado Rahim (Sami Outalbali) e o franzino cadeirante Isaac (George Robinson). 

Sob o comando de Ben Taylor e roteiro de Laurie Nunn, o sétimo episódio é um idílico momento a ser destacado. No meio de discórdias, triângulos amorosos e agressões, as  meninas do seriado Maeve, Ola, Lilly, Aimee, Viv e Olivia (Simone Ashley), apesar de todas as diferenças, se unem em um movimento de sororidade ao trauma sofrido por Aimee ao som da belíssima canção “Seventeen”, de Sharon Van Etten

As teorias de Freud, leia-se O Complexo de Édipo, por exemplo, apresentam-se mais evidente com a inserção da mãe de Maeve (Anne-Marie Duff) e sua irmãzinha na trama, assim como a desastrosa relação parental entre Otis e Remi Milburn (James Purefoy). Mesmo que distante um do outro durante todo enredo, o casal mais problemático e esperado dá passos em direção de uma possível resolução para os seus dilemas emocionais, entretanto, essa temporada mostra que Otis e Maeve precisam se resolver antes de, enfim, aceitar um ao outro. 

A evolução de cada personagem é marcante e analisá-las seria um prato cheio para os críticos, no entanto, me abstenho a ressaltar o perfeito arcabouço criado, tendo empoderado um dos melhores personagens gays da atualidade, Eric, e o seu embaraço emocional com Ahrim e  Adam Groff (Connor Swindells). Aliás, os dramas da família Groff valeriam uma dessecamento a parte ao dar voz, finalmente, aos desejos de Mrs. Groff (Samantha Spiro).

Sendo umas das produções televisivas mais ousadas dos últimos tempos a falar de sexo e suas idiossincrasias abertamente, Sex Education é um deleitoso debate de costumes, valores, religião, moralidade, desejos e, principalmente, imperfeições. Apesar de todas essas palavras soarem como um drama adolescente, o seriado subverte o gênero tornando-se vibrante e cativante, embora preserve a sua atmosfera bucólica e os seus personagens cheios de dilemas da chamada educação sentimental, infelizmente, não ensinada nas salas de aulas. 

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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