As portas que se abrem na luta constante pelo equilíbrio. Sibyl, exibido no Festival de Cannes em 2019, possui um engenhoso roteiro onde disseca a personalidade de uma protagonista complexa que de maneira egoísta e inconsequente caminha por realidades longe da sua. Provocativo, reflexivo, o projeto consegue em suas entrelinhas criar inteligentes paralelos sobre a rejeição em várias óticas que navegam pelas vidas dos personagens. Escrito e dirigido pela cineasta Justine Triet, também abre espaço para reflexões sobre conflitos éticos bem pra lá da linha tênue imposta na não explícita relação entre paciente e profissional de terapia. Conforme vamos acompanhando a obsessão da terapeuta pela história de sua paciente, a primeira vai abrindo portas bem fechadas de suas memórias que de alguma forma possuem paralelos com o que vemos no presente da segunda.
Na trama, conhecemos a psicóloga Sibyl (Virginie Efira) uma mulher que sempre teve dificuldades em lidar com sua família, seu presente a faz constantemente refletir sobre pedaços de sua trajetória chegando a uma auto análise até certo ponto bastante profunda, fatos que divide nas consultas com o seu próprio terapeuta. Luta contra o alcoolismo, inclusive, frequentando constantemente um grupo de ajuda. Para se concentrar no próximo projeto de sua vida, escrever um romance, acaba tendo que abandonar mais de 20 pacientes, alguns inclusive que já acompanhava fazia anos. Mas nesse processo, o telefone toca e do outro lado da linha é Margot (Adèle Exarchopoulos) uma jovem atriz que está desesperada: grávida de 2 meses de um ator de cinema famoso e ainda casado com a diretora do novo filme que está rodando. A psicóloga então percebe que a história é tudo que procurava para criar o universo do seu livro, assim resolve ajudar a jovem mas sempre gravando todas as consultas.
Um pouco nas linhas do famoso seriado In Treatment (que tem todas as temporadas disponíveis na HBO Max) enxergamos primeiro os conflitos entre Psicóloga e Paciente, as formas de ajudar alguém que sofre tanto quanto você. Mas logo fica evidente a questão chave do descontrole de uma vida com feridas que nunca foram fechadas. E nesse caso, não da paciente mas sim da terapeuta. O ponto de clímax desse inteligente trabalho é juntar as peças rumo a esse descontrole, quando tudo se alinha, paralelos e as tais portas abertas de emoções distantes. Quando tudo isso entra em erupção, as indecisões, as angústias, afloram. Percebemos lapsos de egoísmo e muito sofrimento, principalmente no ponto de um amor não correspondido do passado que insiste em ser um fantasma que ela pensara estar adormecido em seu presente.
Resolve romper com a ética que parece sempre ter defendido por causa do seu egoísmo quase indomável de dar chance a seus sonhos após anos se entupindo de problemas, seus próprios e dos outros. É possível julgarmos tal ato? Existe algum meio termo para a questão? Quais são os limites da ética, da moral? Nos fazendo perguntas a todo instante, quem consegue embarcar nesse caminho espinhoso ligado ao campo das emoções que passa a protagonista consegue entender a genialidade de um filme feito para refletir sobre a vida, sobre a arte do recomeçar e reescrever sua própria trajetória.