Você não precisa ter visto nenhum filme dele para conhecer o seu nome: Sylvester Stallone conseguiu deixar a sua marca na história do cinema mundial. Resumido como ator de filmes de ação, é bem verdade que Sly dedicou a maior parte de sua carreira a esse gênero, mas não se resumiu a apenas isso. Por esses e outros fatores, Sylvester Stallone é um nome conhecido por todos. Passado já dos 70 anos, o ator anda numa pegada mais reflexiva, tendo voltado recentemente a atuar com a série ‘Tulsa King’ e com a série documental sobre sua vida particular, ‘A Família Stallone’, ambas disponíveis na Paramount+. Agora o ator entrega aos fãs mais um produto imperdível sobre si mesmo, o longa documental ‘Sly’, que chegou esse final de semana na Netflix.
Com apenas uma hora e trinta de duração, o documentário ‘Sly’ tem uma construção narrativa um pouco cafona até, mas essa escolha do diretor Thom Zimny tem tudo a ver com o próprio homenageado, uma vez que Sylvester Stallone sempre trouxe algo de cafona em seus filmes, e isso não necessariamente é uma coisa ruim: é no cafona que o senso comum se encontra.
Assim, o diretor colhe o depoimento de Stallone enquanto ele avalia e reflete sua carreira artística em um momento chave de sua vida: durante as gravações para o documentário Stallone está ao mesmo tempo de mudança, deixando sua mansão em Los Angeles. Desse modo, os pontos de virada nas temáticas do depoente são intercaladas por tomadas cafonas da equipe de mudança embalando os pertences de Sly, tal como cenas de transição. Se por um lado essa escolha propõe uma construção poética desse momento reflexivo e de mudança, literal e ideologicamente, do depoente, ao mesmo tempo se torna repetitiva (uma vez que só vemos a embalagem de bonecos e estátuas do homenageado, e nenhum outro objeto entra no caminhão de mudança). E também ajuda a reforçar, claro, o imaginário comum do qual e no qual Stallone viveu a sua vida inteira: ele é seu personagem.
Em ‘Sly’ Sylvester Stallone pouco se debruça sobre sua vida pessoal (sua esposa e filhas só aparecem ao fim e nem falam). De sua vida, o foco maior está na relação conturbada com o pai, e o quanto isso – ou melhor, a ausência de afeto nessa relação – foi o combustível não só para a criação de personagens, mas para a essência da atuação de Stallone. A partir deste ponto de conflito o documentário foca quase toda a sua atenção na construção dos dois personagens mais marcantes da carreira do ator – Rocky e Rambo –, dando pouca visibilidade às outras produções não tão lucrativas. Entretanto, até isso é condizente com o homenageado: uma vez que Stallone é um cara que moldou a persona do sujeito lutador que sempre consegue aguentar um pouco mais e não desiste nunca, falar dos filmes que não foram sucesso na sua carreira não faz parte do comportamento de Sly; ou seja, os fracassos estão lá, mas ele não vai gastar sua energia falando deles, uma vez que é muito mais positivo e interessante focar no sucesso.
O documentário ‘Sly’, entre outras coisas, é uma aula de autoestima. Se prestarmos atenção na forma, no vocabulário e na construção que Stallone faz de sua própria vida terminamos o documentário com a sensação de que sua vida é perfeita, sem falhas, e apesar da relação ruim com o pai até isso ele conseguiu transformar em algo positivo para si mesmo. Stallone deixa claro – aliás, ele literalmente fala isso – que na ausência de se ver representado ele criou e se tornou seu próprio herói. Esta motivação, que impulsionou a escritura do roteiro do primeiro ‘Rocky’, é o mesmo pensamento que até hoje motiva suas escolhas.
Mais do que um produto para fãs, o documentário ‘Sly’ é um produto essencial para qualquer cinéfilo ou estudante de cinema. Mais do que um ator de filmes de ação, Sylvester Stallone é um nome que precisa ser muito observado enquanto diretor, roteirista e produtor, um nome que entendeu a indústria cinematográfica estadunidense muito antes de ela mesma e se entender. Com depoimentos de Arnold Schwarzenegger e Quentin Tarantino, ‘Sly’ é filme divertido e obrigatório para ser visto e estudado.