segunda-feira , 31 março , 2025

Crítica | Suzanne Collins constrói uma narrativa dilacerante com ‘Amanhecer na Colheita’, novo capítulo da saga ‘Jogos Vorazes’


Suzanne Collins ganhou expressiva fama após assinar a trilogia jovem-adulta distópica ‘Jogos Vorazes’, tornando-se um dos principais nomes do gênero no momento em que narrativas similares dominavam o cenário do entretenimento – tanto literário quanto televisivo e cinematográfico. E, anos depois desse boom ter diminuído, Collins continuou a explorar as múltiplas camadas desse icônico universo com o spin-offA Cantiga dos Pássaros e das Serpentes’, que contou a história do odioso Coriolanus Snow e de Lucy Gray Baird e que recebeu um tratamento fílmico com críticas bastante positivas por parte dos especialistas e do público.

Agora, Collins nos convida de volta a esse universo com o lançamento do antecipadíssimo ‘Amanhecer na Colheita, voltando algumas décadas no tempo para delinear a backstory de um dos personagens mais amados do panteão: Haymitch Abernathy. Ambientado duas décadas e meia antes dos eventos protagonizados por Katniss Everdeen e companhia, a trama se passa às vésperas e durante a 50ª edição dos Jogos Vorazes, que ficou conhecida como o Segundo Massacre Quaternário. Comentado brevemente ao longo dos livros originais, a edição em questão traz uma peculiaridade delimitada pelo Presidente Snow e, naquele ano, os Distritos deveriam enviar o dobro de tributos para digladiarem até a morte em uma Arena especial e muito mais mortal.



Mantendo-se fiel à identidade explorada nas entradas anteriores, a autora mergulha fundo na história de Haymitch sem se valer de muitos convencionalismos: no enredo, nosso protagonista está prestes a participar da mais nova Colheita – e bem no dia de seu aniversário. Acreditando estar se despedindo da família e de sua amada, Lenore Dove, por alguns minutos, as coisas tomam um rumo inesperado quando um dos tributos masculinos tenta fugir, sendo brutalmente assassinado por um dos Pacificadores. Defendendo Lenore da fúria dos asseclas da Capital e de Snow, ele é escolhido como uma espécie de substituto ao lado de mais três tributos: Wyatt Callow, conhecido por fazer apostas ao lado do pai sobre os participantes dos Jogos Vorazes; Louella McCoy, uma antiga amiga de Haymitch que ele jura proteger; e Maysilee Donner, uma “patricinha” do Distrito 12 que mostra ser mais esperta e amigável do que aparenta.

Partindo para os Jogos, os tributos seguem passos bastante similares às histórias anteriores, entrando em conflito considerável com os Carreiristas (tributos dos Distritos mais abastados de Panem que são treinados para vencer o massacre), participando de entrevistas – dessa vez com o já conhecido Caesar Flickerman -, mostrando suas habilidades para Patrocinadores em potencial e, enfim, adentrando uma Arena belíssima e que esconde perigos inimagináveis. Haymitch, enfrentando Snow e seus braços-direitos desde o momento em que é selecionado como tributo, resolve trilhar seu próprio caminho para não colocar os outros em perigo, mas logo percebe que as coisas não são tão simples quanto imaginou – e que a idílica paisagem em que se encontram é apenas uma cortina de fumaça para um espetáculo mortal que reitera o poder imaculado da Capital.

Já sabemos que Collins tem uma habilidade invejável de conduzir suas histórias, motivo pelo qual a tarefa de pausar a leitura é quase impossível. Aqui, a autora tem plena ciência do que deseja contar, dando as cartas de um jogo que se concluiria com a ascensão revolucionária de Katniss à medida que planos para desestabilizar a Capital se iniciam. Mas isso não é tudo: Collins também tem uma aptidão para arquitetar arcos narrativos que não pensam duas vezes antes de dispensarem personagens aparentemente protagonistas, firmando reviravoltas chocantes que, passo a passo, reiteram a controversa e taciturna personalidade de Haymitch como a conhecemos na trilogia original.


Para além do fluido ritmo com que escreve o enredo, os personagens em si são envolventes o bastante para nos manter engajados – e a escritora sabe muito bem como dosar sequências de ação e de tragédia amalgamadas a momentos intimistas que apostam fichas no drama interpessoal e na construção gradativa de laços entre aliados improváveis, como é o caso de Haymitch e de Maysilee, cuja inimizade e desdém se transfigura em uma aliança poderosa e um amor fraternal que premedita calamidades inevitáveis. Afinal, só pode haver um vencedor – e as tentativas do protagonista em quebrar a estrutura quase impenetrável da Arena são apenas um lembrete de que, no final, “Snow cai como a neve, sempre por cima de tudo”.

Se ‘A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes’ trouxe referências breves a momentos conhecidos da trilogia original, ‘Amanhecer na Colheita’ tem mais abertura para trazer personagens muito conhecidos sob uma ótica diferenciada e complexa: nomes como Wiress, Megs, Beetee e Effie retornam em uma ambientação muito diferente e que nos ajuda a compreender ações e decisões que tomariam em um futuro não muito distante – tudo isso sem se respaldar em fan services falidos e forçados, e sim através de composições muito bem elaboradas que fazem sentido dentro do que é proposto.

O romance não é livre de deslizes, incluindo uma repetição estilística que aparece na breve explicação do que são os Jogos Vorazes e da brutal guerra civil que culminou na criação de Panem, bem como na personalidade de alguns coadjuvantes, mas é notável como Collins tem uma sagacidade incrível em garantir que a história funcione por si próprio. É claro que referências sutis não seriam percebidas por aqueles que conheceram a saga pelo capítulo mais recente, porém, isso não atrapalha a experiência dos leitores – e garante que a sinestesia narrativa exista em cada um dos capítulos, seja na presença abominável dos bestantes (criaturas animalescas criadas em laboratório e cujo objetivo é eliminar os tributos), seja em sacrifícios necessários que permitem um engolfamento total por nossa parte.

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Remando contra as próprias expectativas, ‘Amanhecer na Colheita’ é um acerto conciso e sólido de Suzanne Collins para um universo que ainda tem muito a contar e que, pouco a pouco, revela desdobramentos que condizem com o que ela já nos havia apresentado. É claro que a adaptação cinematográfica já está confirmada para o próximo ano, mas deixar que a imaginação role solta para criarmos nosso sangrento espetáculo é uma característica infalível que a autora garante do começo ao fim.

Lembrando que, no Brasil, o livro é publicado pela Editora Rocco.

amanhecer na colheita


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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Agora, Collins nos convida de volta a esse universo com o lançamento do antecipadíssimo ‘Amanhecer na Colheita, voltando algumas décadas no tempo para delinear a backstory de um dos personagens mais amados do panteão: Haymitch Abernathy. Ambientado duas décadas e meia antes dos eventos protagonizados por Katniss Everdeen e companhia, a trama se passa às vésperas e durante a 50ª edição dos Jogos Vorazes, que ficou conhecida como o Segundo Massacre Quaternário. Comentado brevemente ao longo dos livros originais, a edição em questão traz uma peculiaridade delimitada pelo Presidente Snow e, naquele ano, os Distritos deveriam enviar o dobro de tributos para digladiarem até a morte em uma Arena especial e muito mais mortal.

Mantendo-se fiel à identidade explorada nas entradas anteriores, a autora mergulha fundo na história de Haymitch sem se valer de muitos convencionalismos: no enredo, nosso protagonista está prestes a participar da mais nova Colheita – e bem no dia de seu aniversário. Acreditando estar se despedindo da família e de sua amada, Lenore Dove, por alguns minutos, as coisas tomam um rumo inesperado quando um dos tributos masculinos tenta fugir, sendo brutalmente assassinado por um dos Pacificadores. Defendendo Lenore da fúria dos asseclas da Capital e de Snow, ele é escolhido como uma espécie de substituto ao lado de mais três tributos: Wyatt Callow, conhecido por fazer apostas ao lado do pai sobre os participantes dos Jogos Vorazes; Louella McCoy, uma antiga amiga de Haymitch que ele jura proteger; e Maysilee Donner, uma “patricinha” do Distrito 12 que mostra ser mais esperta e amigável do que aparenta.

Partindo para os Jogos, os tributos seguem passos bastante similares às histórias anteriores, entrando em conflito considerável com os Carreiristas (tributos dos Distritos mais abastados de Panem que são treinados para vencer o massacre), participando de entrevistas – dessa vez com o já conhecido Caesar Flickerman -, mostrando suas habilidades para Patrocinadores em potencial e, enfim, adentrando uma Arena belíssima e que esconde perigos inimagináveis. Haymitch, enfrentando Snow e seus braços-direitos desde o momento em que é selecionado como tributo, resolve trilhar seu próprio caminho para não colocar os outros em perigo, mas logo percebe que as coisas não são tão simples quanto imaginou – e que a idílica paisagem em que se encontram é apenas uma cortina de fumaça para um espetáculo mortal que reitera o poder imaculado da Capital.

Já sabemos que Collins tem uma habilidade invejável de conduzir suas histórias, motivo pelo qual a tarefa de pausar a leitura é quase impossível. Aqui, a autora tem plena ciência do que deseja contar, dando as cartas de um jogo que se concluiria com a ascensão revolucionária de Katniss à medida que planos para desestabilizar a Capital se iniciam. Mas isso não é tudo: Collins também tem uma aptidão para arquitetar arcos narrativos que não pensam duas vezes antes de dispensarem personagens aparentemente protagonistas, firmando reviravoltas chocantes que, passo a passo, reiteram a controversa e taciturna personalidade de Haymitch como a conhecemos na trilogia original.

Para além do fluido ritmo com que escreve o enredo, os personagens em si são envolventes o bastante para nos manter engajados – e a escritora sabe muito bem como dosar sequências de ação e de tragédia amalgamadas a momentos intimistas que apostam fichas no drama interpessoal e na construção gradativa de laços entre aliados improváveis, como é o caso de Haymitch e de Maysilee, cuja inimizade e desdém se transfigura em uma aliança poderosa e um amor fraternal que premedita calamidades inevitáveis. Afinal, só pode haver um vencedor – e as tentativas do protagonista em quebrar a estrutura quase impenetrável da Arena são apenas um lembrete de que, no final, “Snow cai como a neve, sempre por cima de tudo”.

Se ‘A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes’ trouxe referências breves a momentos conhecidos da trilogia original, ‘Amanhecer na Colheita’ tem mais abertura para trazer personagens muito conhecidos sob uma ótica diferenciada e complexa: nomes como Wiress, Megs, Beetee e Effie retornam em uma ambientação muito diferente e que nos ajuda a compreender ações e decisões que tomariam em um futuro não muito distante – tudo isso sem se respaldar em fan services falidos e forçados, e sim através de composições muito bem elaboradas que fazem sentido dentro do que é proposto.

O romance não é livre de deslizes, incluindo uma repetição estilística que aparece na breve explicação do que são os Jogos Vorazes e da brutal guerra civil que culminou na criação de Panem, bem como na personalidade de alguns coadjuvantes, mas é notável como Collins tem uma sagacidade incrível em garantir que a história funcione por si próprio. É claro que referências sutis não seriam percebidas por aqueles que conheceram a saga pelo capítulo mais recente, porém, isso não atrapalha a experiência dos leitores – e garante que a sinestesia narrativa exista em cada um dos capítulos, seja na presença abominável dos bestantes (criaturas animalescas criadas em laboratório e cujo objetivo é eliminar os tributos), seja em sacrifícios necessários que permitem um engolfamento total por nossa parte.

Remando contra as próprias expectativas, ‘Amanhecer na Colheita’ é um acerto conciso e sólido de Suzanne Collins para um universo que ainda tem muito a contar e que, pouco a pouco, revela desdobramentos que condizem com o que ela já nos havia apresentado. É claro que a adaptação cinematográfica já está confirmada para o próximo ano, mas deixar que a imaginação role solta para criarmos nosso sangrento espetáculo é uma característica infalível que a autora garante do começo ao fim.

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