The Boys rapidamente se provou – em seu primeiro ano – ser uma inesperada e inebriante experiência cheia de antíteses, insolência, hipocrisia, sarcasmos e impudor – quase um relato realista da sociedade contemporânea, só que pela ótica de super heróis. E contrariando a definição auto declarada dessas figuras quase endeusadas, a produção, que traz Seth Rogen como produtor executivo e que foi desenvolvida por Eric Kripke para a Amazon, retorna com o mais puro néctar dos quadrinhos de Garth Ennis e Darick Robertson, em uma nova temporada assustadoramente mais intensa. Cruzando outras barreiras até então socialmente inaceitáveis, o segundo ciclo de The Boys torna a linha entre “heróis” e “vilões” ainda mais tênue, à medida que explora o desenvolvimento dos seus personagens com ares referenciais ao estilo de uma tragédia grega.
Essa nova atmosfera escalonada vai exigir de você muito mais do que resistência física para suportar as intensas e gráficas cenas de violência. Em meio a inúmeros conflitos socioculturais e o desdobramento do que seria ético e moral, a segunda temporada de The Boys prova que não apenas há muito chão a ser percorrido pelos nossos protagonistas, como ainda solidifica a premissa de que nada é tão ardiloso assim que não possa piorar. Desafiando a consciência da audiência a todo momento, os novos oitos episódios redefinem a nossa percepção sobre alguns personagens, transformam nossa visão sobre outros e exploram as nuances e pontas soltas que ficaram em aberto no ano anterior.
Estrategicamente planejada, a segunda temporada se anuncia como um banquete irreverente de pura sanguinolência, revela novas camadas dos heróis já conhecidos do público, conforme introduz também novos personagens, que migram das extremidades para o centro da narrativa de forma soberba e inesperada em fração de minutos. Com incessantes sustos que nos lembram do poder hipnotizante da narrativa, este novo ciclo traz um roteiro conciso e bem ajustado e sabe usar o tempo de tela de todos os seus protagonistas com maestria e leveza. E quanto mais desafia nossa compreensão sobre dinâmicas relacionais, comportamentos obsessivos e complexos emocionais doentios, mais a série nos traga para uma sucessão de epifanias onde – de forma inesperada – começamos a desenvolver sentimentos dúbios por personagens tão desprezíveis como o próprio Capitão Pátria e – quem diria – o Profundo.
Conectando os arcos dos personagens com naturalidade, The Boys aumenta ainda mais aquela atmosfera cínica e contraproducente, que desafia a integridade mental de quem está deste lado de cá, enquanto audiência. Contrariando às vezes o que conhecíamos do protagonistas, a construção narrativa desses personagens sofre alterações irônicas e coerentes, que agregam um sabor diferenciado à série, fazendo com que o nosso envolvimento com a trama evolua do mesmo jeito que a própria narrativa. E como se tudo que vimos no passado já não fosse eletrizante e histérico o bastante, nos apaixonamos pela produção novamente, como se fosse a primeira vez.
Flertando com o passado – para ampliar nossa visão a respeito do universo de The Boys – e abordando questões sociais mundiais tão importantes, a série extrapola os limites de uma produção fictícia mais uma vez, tratando problemáticas genuínas e reais como a manipulação midiática, os jogos políticos-partidários e o poder doentio e perigoso por trás de algumas seitas religiosas tão macabras e que ainda permanecem impunes diante da sociedade contemporânea.
E ao valorizar as mulheres com momentos únicos e cenas de catfight que se desconectam da hipersexualização, a segunda temporada reitera o poder que elas possuem na trama, sendo ainda uma crítica e uma deliciosa antítese à própria imagem feminina forçada, exigida por alguns personagens secundários presentes na trama. Metalinguística a plenos pulmões e criticando a indústria Hollywoodiana, a série é cercada de contrastes e referências musicais que ditam o tom de ironia das cenas. Divertida, confrontadora e enérgica, a segunda temporada de The Boys ultrapassa os seus próprios limites, desafia a compreensão humana de certo e errado e mais uma vez deixará sua audiência salivando por novos episódios.