Filme assistido durante o Festival de Sundance 2022
Na imensidão da floresta Amazônica, uma pequena comunidade indígena resiste a um Brasil precário onde invasores são celebrados e discursos extremistas são propagados. Cercados pela solar extensão de uma das áreas mais importantes do nosso país, a tribo Uru-Eu-Wau-Wau luta para manter sua ancestralidade e garantir seu futuro em uma terra que – gradativamente – é dizimada por desmatamentos ilegais e grileiros. E nesse território sem lei, o documentarista Alex Pritz se esconde entre galhos secos de uma mata viva, a fim de registrar uma história que há muito tempo precisava ser contada.
The Territory traz três vertentes narrativas, que ajudam a audiência a dimensionar a grandeza da questão indígena que envolve uma das florestas mais importantes do mundo. À medida em que tenta compreender os grileiros, que sem instrução e com poucos recursos invadem uma área protegida, o cineasta acompanha Bitaté, um jovem índio que assume a missão de liderar sua comunidade. Entre esses dois lados de uma mesma moeda, ainda temos a voraz ativista Neidinha – uma mulher sem medo da morte – e Sérgio, que nos é apresentado como um caseiro simples que sonha em ter o seu pequeno pedaço de chão, para garantir a sobrevivência da sua família. Disposto a montar uma associação de pequenos produtores de Rio Bonito, ele peleja ao lado de um grupo de homens que insistem em desmatar um terreno que nunca lhes pertenceu.
Entre anseios dignos e um desejo de sair da miséria que movimenta esses quatro perfis, existe um país que não parece ter sido feito para os seus. The Territory evidencia mundialmente como uma má gestão pública e uma indiferença às questões sociais estão custando o sangue e a dignidade do povo brasileiro. E como forasteiro que veio da África do Sul, Pritz traz um olhar apurado e necessário, vindo de alguém que não possui nenhuma agenda de caráter duvidoso. Como um contador de histórias que aqui se apresenta, ele narra a peleja dos índios, escuta os sonhos dos grileiros e acompanha a jornada de um senhor simples em busca do seu pé de meia.
Trazendo Darren Aronofsky como o seu “padrinho” – produzindo o documentário ao lado de outros nomes como o do brasileiro Gabriel Uchida -, o diretor se alia a um dos maiores cineastas do cinema contemporâneo a fim de garantir que a voz do povo indígena seja devida e globalmente ouvida. Com uma produção riquíssima e intimista, que acompanha o dia-a-dia de todos os seus personagens, The Territory é uma denúncia ampla que não mede esforços em mostrar a ineficiência e incompetência da Funai, à medida em que pondera sobre o circo dos horrores em que o Brasil foi colocado desde sua última eleição presidencial. Com o foco objetivo de trazer à luz tudo aquilo que por tanto tempo permaneceu nas trevas, o filme é uma experiência que gera sentimentos dúbios para nós, brasileiros.
Constrangedora, dolorosa, mas também revigorante, a produção é eficaz em abrir os olhos do público, sendo ainda capaz de celebrar a beleza dos povos ancestrais que fazem parte da fundação do nosso Brasil. Emocionante e bem apurado, o documentário com ares de suspense ainda conta com uma riquíssima bagagem de material em vídeo coletada pela própria tribo Uru-Eu-Wau-Wau. Com uma fotografia que exala a exuberância da Floresta Amazônica – em meio a uma devastação sem precedentes -, The Territory é um dos documentários mais necessários lançados nos últimos anos. Tecnicamente brilhante e socialmente necessário, ele é um alerta global para tempos sombrios. E de quebra, ainda pode se tornar um grito de esperança brasileiro na temporada de premiações de 2023.