domingo , 29 dezembro , 2024

Crítica TIFF | Três Verões: O jeitinho brasileiro na era da corrupção em divertida dramédia

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Filme assistido durante o Festival de Toronto 2019

Todos os dias ela está lá, estampada diante dos nossos olhos. Entre capas de jornais, revistas semanais e os inesgotáveis e intermináveis telejornais da TV a cabo, a corrupção é a temática que – infelizmente – permanece sine qua non no Brasil. E, naturalmente, o assunto se transformou em livros, análises, artigos e produções artísticas que visam explorar o cerne dessa antiga prática brasileira. Mas o que acontece no cenário pós-guerra, ao findar das prisões e delações premiadas? Como ficam os espólios e todos aqueles que orbitam ao redor dos crimes, sempre alheios ao que acontecia? Sandra Kogut tenta responder a essas e tantas outras perguntas por meio da divertida comédia dramática Três Verões.



Aqui, o aftermath da corrupção é abordado em três contextos temporais distintos, todos ligados por dois eixos: o verão e uma família corrupta de classe alta. Após um de seus patrões ter sido preso, com sua esposa se exilando na Europa como se nada tivesse acontecido, a governanta Madá (Regina Casé) fica responsável por tentar administrar sua casa de veraneio. Entre trocas de decoração e festas luxuosas regadas a comida e bebida da mais alta qualidade, o belo lar com vista para o oceano perde o seu vigor, à medida que novos nomes ligados a um caso suspeito começam a surgir – principalmente quando o deu seu chefe emerge no jornal das 21h. Mas nesta trama, pouco importa quais os crimes cometidos. De maneira rara no cinema brasileiro, Kogut opta por deixar de lado a narrativa dos tubarões que se alimentam de tudo e de todos e direciona o seus e os nossos olhos para aquela extremidade pouco ou nada explorada: a da classe trabalhadora.

Que há um preço alto na corrupção, em termos sócio econômicos, isso é óbvio. Mas pouco se aborda no cinema o impacto existencial e emocional que tais crimes têm gerado na vida da população. Mesmo com tantos Postos de Saúde da Família sendo fechados por falta de mão de obra e insumos e hospitais abarrotados de macas com doentes nos corredores dos pronto socorros, a indústria cinematográfica brasileira muitas vezes carece de histórias que contem a vida desse seu Zé e daquela dona Maria, vítimas de um sistema que não se importa com eles. Mas com delicadeza, ironia e um ar esperançoso, Três Verões assim o faz, trazendo Madá para o olho do furacão como uma das poucas sobreviventes de um país que emana injustiça a plenos pulmões. E mesmo tendo sido vinculada às práticas ilegais de seu chefe – por sua própria inocência e senso de honestidade, ela é o relato cru daquele brasileiro que não desiste nunca e que faz de um limão quase o álbum Lemonade da Beyoncé. Se reinventando com o que tem, Madá é como o país inteiro e representa o jeitinho brasileiro da forma mais autêntica e realista possível.

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Instintiva e otimista, a protagonista é a face ideal para contar essa história. E pelos traços cativantes e excelente atuação de Regina Casé, ela é uma mostra genuína de que é possível encontrar calmaria em meio à tormenta, quando se olha para a tragédia como uma oportunidade de algo novo. Quase como uma fênix, a personagem transforma uma linda casa de verão deixada a Deus dará em um brechó de roupas de alta costura, venda de garagem, churrascos da classe C e até mesmo um estúdio para comerciais. Com bom humor e dinamismo, ela encara a peleja com graciosidade, põe a casa para alugar no Airbnb e encontra amor em tempos de cólera, no vô da família que sempre cuidou com tanto carinho. E ali mesmo, em meio a tantos perrengues bem conhecidos por aqueles brasileiros que mais sofrem com o nosso sistema, ela também se entrega às lágrimas. Contempla suas perdas pela primeira vez de maneira inadvertida e leva a audiência ao mesmo, em um sublime monólogo que – de maneira singela e única – relata toda a sua vida em um piscar de olhos, respondendo as perguntas que nutríamos quanto ao mistério da sua vida pessoal, que ficara de fora durante quase todo o longa.

Fazendo um equilíbrio saudável entre o drama e o humor, a produção nacional possui uma direção simples, com um roteiro bem trabalhado e não é do tipo que se pode definir com apenas um gênero. Tão agridoce como a própria vida do brasileiro médio, ela é cercada pelas alegrias e mazelas de uma existência que transita entre boas memórias e sofrimentos dilacerados. Como uma história que é fruto de tantas outras histórias que a corrupção construiu em nosso país, Três verões é o reflexo prático do que o crime do colarinho branco pode fazer, essencialmente, na trajetória de seu povo. Divertido, mas também triste, o longa de Sandra Kogut é mais uma prazerosa surpresa que o nosso cinema tem para oferecer ao restante do mundo, ainda que o governo brasileiro insista em calá-lo.

 

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Aqui, o aftermath da corrupção é abordado em três contextos temporais distintos, todos ligados por dois eixos: o verão e uma família corrupta de classe alta. Após um de seus patrões ter sido preso, com sua esposa se exilando na Europa como se nada tivesse acontecido, a governanta Madá (Regina Casé) fica responsável por tentar administrar sua casa de veraneio. Entre trocas de decoração e festas luxuosas regadas a comida e bebida da mais alta qualidade, o belo lar com vista para o oceano perde o seu vigor, à medida que novos nomes ligados a um caso suspeito começam a surgir – principalmente quando o deu seu chefe emerge no jornal das 21h. Mas nesta trama, pouco importa quais os crimes cometidos. De maneira rara no cinema brasileiro, Kogut opta por deixar de lado a narrativa dos tubarões que se alimentam de tudo e de todos e direciona o seus e os nossos olhos para aquela extremidade pouco ou nada explorada: a da classe trabalhadora.

Que há um preço alto na corrupção, em termos sócio econômicos, isso é óbvio. Mas pouco se aborda no cinema o impacto existencial e emocional que tais crimes têm gerado na vida da população. Mesmo com tantos Postos de Saúde da Família sendo fechados por falta de mão de obra e insumos e hospitais abarrotados de macas com doentes nos corredores dos pronto socorros, a indústria cinematográfica brasileira muitas vezes carece de histórias que contem a vida desse seu Zé e daquela dona Maria, vítimas de um sistema que não se importa com eles. Mas com delicadeza, ironia e um ar esperançoso, Três Verões assim o faz, trazendo Madá para o olho do furacão como uma das poucas sobreviventes de um país que emana injustiça a plenos pulmões. E mesmo tendo sido vinculada às práticas ilegais de seu chefe – por sua própria inocência e senso de honestidade, ela é o relato cru daquele brasileiro que não desiste nunca e que faz de um limão quase o álbum Lemonade da Beyoncé. Se reinventando com o que tem, Madá é como o país inteiro e representa o jeitinho brasileiro da forma mais autêntica e realista possível.

Instintiva e otimista, a protagonista é a face ideal para contar essa história. E pelos traços cativantes e excelente atuação de Regina Casé, ela é uma mostra genuína de que é possível encontrar calmaria em meio à tormenta, quando se olha para a tragédia como uma oportunidade de algo novo. Quase como uma fênix, a personagem transforma uma linda casa de verão deixada a Deus dará em um brechó de roupas de alta costura, venda de garagem, churrascos da classe C e até mesmo um estúdio para comerciais. Com bom humor e dinamismo, ela encara a peleja com graciosidade, põe a casa para alugar no Airbnb e encontra amor em tempos de cólera, no vô da família que sempre cuidou com tanto carinho. E ali mesmo, em meio a tantos perrengues bem conhecidos por aqueles brasileiros que mais sofrem com o nosso sistema, ela também se entrega às lágrimas. Contempla suas perdas pela primeira vez de maneira inadvertida e leva a audiência ao mesmo, em um sublime monólogo que – de maneira singela e única – relata toda a sua vida em um piscar de olhos, respondendo as perguntas que nutríamos quanto ao mistério da sua vida pessoal, que ficara de fora durante quase todo o longa.

Fazendo um equilíbrio saudável entre o drama e o humor, a produção nacional possui uma direção simples, com um roteiro bem trabalhado e não é do tipo que se pode definir com apenas um gênero. Tão agridoce como a própria vida do brasileiro médio, ela é cercada pelas alegrias e mazelas de uma existência que transita entre boas memórias e sofrimentos dilacerados. Como uma história que é fruto de tantas outras histórias que a corrupção construiu em nosso país, Três verões é o reflexo prático do que o crime do colarinho branco pode fazer, essencialmente, na trajetória de seu povo. Divertido, mas também triste, o longa de Sandra Kogut é mais uma prazerosa surpresa que o nosso cinema tem para oferecer ao restante do mundo, ainda que o governo brasileiro insista em calá-lo.

 

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