Filme assistido durante o Festival de Sundance 2020
O sentimento de pertencimento é uma das preciosidades mais almejadas pelo ser o humano. Ser aceito, amado e encorajado são elementos cruciais até mesmo para uma boa saúde emocional. E em um contexto contemporâneo onde nunca tivemos tantos casos de depressão, síndrome do pânico e ansiedade crônica, não é difícil dimensionar o impacto que a sensação de se ter um lar emotivo faz na vida de qualquer um. Mas enquanto os anos mais recentes têm sido marcados por discussões genuínas sobre representatividade e respeito à identidade de gênero, o passado revela um tempo muito mais sombrio, onde o diálogo e a mutualidade eram trocados por ambientes familiares tóxicos onde imperavam comportamentos machistas, racistas e homofóbicos. E fazendo um delicado e sofrido relato bem particular e intimista sobre esse último aspecto, Uncle Frank é um belo drama que explora – com muita sensibilidade – as graves consequência que o preconceito e a não aceitação podem acarretar na alma de alguém.
Em se tratando de originalidade, a produção dirigida e roteirizada por Alan Ball – vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Original por Beleza Americana, não emana ineditismo, mas nem por isso deixa de ser tão fundamental. Se aprofundando na raiz da homofobia dentro do seio familiar em uma época ainda mais conservadora, o longa não quer reinventar a roda, mas sim compartilhar um relato extremamente pessoal e até mesmo desconfortável para o cineasta. Como um homem gay e considerado uma das vozes mais ativas em prol dos direitos da comunidade LGBTQ+, ele faz de Uncle Frank um pedido de socorro representativo, que fala a plenos pulmões em nome de tantas vítimas do preconceito que foram rejeitadas tanto por seus pares, como pela própria sociedade.
Como alguém que parece recordar do seus tempos de juventude, Ball aborda a temática que explora com propriedade e pontualidade, vai até às últimas consequências em seu roteiro, exatamente para não apenas provar seu argumento, como também para confrontar a audiência e a forma como ela lida com as diferenças. Doce e frágil, seu roteiro enche os olhos de lágrimas, gera palpitações no coração e nos deixa com um pequeno sentimento de amargor, que é gradativamente adocicado quando as barreiras da homofobia são vencidas dentro do lugar onde o amor deveria exalar.
E aqui, Paul Bettany entra nessa atmosfera de vulnerabilidade emocional e entrega uma bela atuação interpretando Frank, um culto professor universitário que precisa esconder sua identidade de gênero para ser aceito e respeitado. Com uma conturbada relação com seu pai, ele terá que enfrentar seu maior medo ao descobrir que o repentino falecimento do patriarca veio com o inesperado anúncio de quem ele genuinamente é. Com seu maior temor agora descoberto pela família, ele terá que ficar frente a frente com todos, sujeitando-se ao julgamento mais doloroso, que pode fazer com que aquela sensação de pertencimento se dissipe de uma vez por todas.
O conflito de ser forçado a enfrentar a verdade diante de seus familiares não é o único pilar narrativo que estrutura a trama de Ball. Aqui, as consequências da rejeição do passado perseguem Frank, que para aprender a lidar com um tempo onde o diálogo era irredutível e como isso impactara em sua primeira descoberta amorosa, ele acaba se rendendo ao vício do álcool. E fazendo um contraste entre um passado mais antigo – provavelmente em meados dos anos 50 – e um mais recente – final dos anos 60 e início dos anos 70, a produção examina uma temática tão contemporânea por uma ótica mais arcaica, a fim de também salientar que os mesmos problemas de relacionamento e familiaridade de outrora permanecem atualmente. E embora seu relato se sustente em um conto do passado, Alan Ball genuinamente certifica a audiência de que, independente do tempo e da geração, há sempre algo novo que podemos aprender sobre respeito e aceitação.
Com uma direção simples que se destaca ao explorar com leveza e vigor a luz natural e os ambientes mais bucólicos, o drama ainda traz a atriz Sophia Lillis como uma personagem de apoio, que como uma âncora, ajuda a estabelecer uma identificação entre a audiência e o protagonista homônimo. E trazendo o que parece ser uma inspiração biográfica do próprio diretor, Uncle Frank é ainda uma reflexão sobre como o amor sacrificial pode romper barreiras.