terça-feira, agosto 19, 2025
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    Crítica | Urchin – Harris Dickinson faz grande estreia na direção com um olhar intenso sobre o vazio existencial e a dependência química [Cannes 2025]

    A estreia de Harris Dickinson na direção, Urchin, é um soco seco, direto e necessário. Aos 28 anos, o ator e agora cineasta conduz seu primeiro longa com surpreendente contundência e sensibilidade. Ele mostra-se plenamente consciente do que quer dizer — e de como dizer — ao abordar o mergulho de um jovem na espiral da dependência química, sem cair na tentação de oferecer respostas fáceis ou atalhos morais.

    O protagonista Mike, vivido de forma arrebatadora por Frank Dillane (ganhador do prêmio Un Certain Regard em Cannes), é um jovem que carrega no rosto uma empatia desarmante — a expressão de um “bom moço” —, mas cuja conduta revela o desespero, o asco e a brutalidade da dependência. Em uma das cenas iniciais, ele luta para encontrar um canto seco para dormir sobre seus papelões. Logo depois, já está pedindo moedas na rua. O desconforto é imediato: Mike não tem a aparência típica do “pedinte”, mesmo em contextos urbanos do hemisfério norte. Ele é jovem, saudável, forte — a exclusão que o marca é invisível, psíquica. E é aí que o filme finca suas raízes: na dor que não se vê.

    Também roteirista do longa, Harris Dickinson, sabiamente, evita conduzir Urchin como uma história de redenção. Em vez disso, oferece uma narrativa de submersão — uma crônica da degradação gradual, mas inevitável, de alguém à deriva. Não há revelações melodramáticas, nem flashbacks explicativos. A ausência de grandes exposições sobre o passado do personagem central é um acerto: Urchin é sobre a experiência da queda, não sua origem.

    Frank Dillane encarna cada etapa dessa trajetória com nuances impressionantes — da relutância em voltar ao vício até o colapso emocional. Quando, após um breve gesto de solidariedade de um desconhecido, o personagem vai parar na prisão por agressão, percebemos que o sistema o engole com a mesma frieza com que tenta “ressocializá-lo”. 

    Na saída da detenção, há um fio de esperança: ele consegue um emprego como cozinheiro em um hotel decadente. Vemos seu esforço para se manter estável, ainda que em permanente tensão. Antes mesmo que o caldeirão de emoções internas transborde, ele é demitido por um atrito banal com um colega.

    Sem alternativas e temporário abrigo social, Mike busca novamente as soluções fáceis — as que já conhece. Após resistir por um tempo, uma nova tentação se apresenta: ele conhece uma jovem usuária de drogas, espírito livre, e em sua primeira fungada, é como se voltasse direto ao ponto zero. Morador de rua outra vez.

    O que torna Urchin tão eficaz é que não há ali qualquer concessão dramática. O filme não nos oferece alívio. A câmera de Harris Dickinson é precisa, muitas vezes claustrofóbica, nos colocando dentro dos labirintos mentais do protagonista. A fotografia é suja, melancólica, mas nunca estética demais. Cada plano tem um propósito. A direção é honesta, despretensiosa e, por isso mesmo, poderosa. Não é por acaso que o filme ganhou também o prêmio da FIPRESCI em Cannes, de melhor produção na mostra Un Certain Regard.

    Harris Dickinson já havia provado seu talento como ator desde Ratos de Praia (2017), passando por Triângulo da Tristeza (2022) e, por último, Babygirl (2024), mas agora revela-se um diretor promissor e consciente de suas escolhas. Com Urchin, o jovem cineasta entrega um retrato complexo de uma juventude que se afoga tentando tapar seus buracos internos com qualquer coisa — mesmo que custe a própria vida. Uma estreia corajosa, incômoda e, acima de tudo, necessária a nossa reflexão sobre a marginalização de indivíduos que não conseguem se encaixar na sociedade. 

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