Rostos e Lugares
Conhecida como uma verdadeira instituição do cinema francês (e mundial), a diretora Agnès Varda faleceu no dia 29 de março deste ano, aos 90 anos muito bem vividos. Também fotógrafa e pintora, o que a faz uma artista completa, Varda é muito lembrada como uma pioneira do movimento conhecido como Nouvelle Vague, a nova onda, no qual na década de 1960, cineastas franceses mudaram a forma de fazer e assistir cinema – com aqueles famosos filmes cult, ultrarrealistas ou surreais (dependendo do realizador e da audiência).
Varda por Agnès era planejado como uma minissérie documental, dividida em dois episódios, e pronta para ser exibida na TV. E de repente, o acaso aprontou das suas, transformando a produção no último trabalho da icônica veterana. Assim, a oportunidade de levar a obra para as telonas (por onde já havia passado no Festival de Berlim, em fevereiro, e nos cinemas da França) se mostrou imprescindível para uma despedida própria a esta arrebatadora força da natureza.
Varda por Agnès é um documentário, escrito e dirigido pela própria (em parceria com Didier Rouget), que perpassa toda sua trajetória de amor com o cinema, além de experiências artísticas únicas. De autoindulgente o longa não tem nada, e assim como a própria persona da cineasta, a obra é pura simplicidade e honestidade. Sentada no palco de um teatro, Varda relembra curiosidades de sua carreira, com muito humor e emoção – reflexo do que foi sua vida fora do trabalho.
Assim, somos levados numa agradável viagem pelo túnel do tempo da nonagenária belga erradicada na França, relembrando ou conhecendo de tudo um pouco: desde seu mais famoso trabalho (Cléo das 5 às 7, 1962), passando pelo fervoroso documentário curta Os Panteras Negras (1968, em seu período pelos EUA), até o recente Visages Villages (2017) – último lançamento em vida.
Um dos trechos mais interessantes e cômicos é a rememoração com a atriz Sandrine Bonnaire, sua protagonista no romance dramático Os Renegados (1985), contado através de flashback sobre a vida de uma jovem após ser encontrada morta, congelada em uma vala. E se a história soa um tanto quanto impactante, os bastidores do que Agnès convenceu sua atriz a realizar em nome da arte, rende narrativas igualmente tragicômicas.
Fosse qualquer outro artista, a obra poderia soar como egotrip desmedida, aquele “tapinha nas costas” autoaplicado. A proposta aqui, porém, não poderia ser mais dissonante, se atendo a uma olhada muito sincera de um ser muito humano, acima de qualquer outra coisa. E quando adicionamos à mistura o interesse contínuo sobre o homem (e claro, a mulher), a sociedade e toda e qualquer vertente da arte, o resultado transcende qualquer pretensão. Porque o resultado é Agnès Varda.