quinta-feira , 21 novembro , 2024

Crítica | Vidas Passadas traz uma ESPETACULAR narrativa sobre trajetórias e destinos

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Lançado no Festival de Sundance 2023, Vidas Passadas (Past Lives) é um filme quase autobiográfico da diretora estreante Celine Song. A produção da A24 fez parte da mostra competitiva na 73ª Berlinale e chega à temporada de prêmios com duas indicações aos Oscars: Melhor Filme e Melhor Roteiro Original, mas poderiam ser bem mais.

Nascida na Coreia do Sul, a cineasta imigrou com os pais aos 12 anos para o Canadá. Já na idade adulta, fixou residência nos Estados Unidos, onde cursou universidade e ganhou prêmios de criação. A protagonista Nora – vivida pela excelente Greta Lee (da série Boneca Russa e The Morning Show) – tem a mesma trajetória pessoal e profissional. 



Nos primeiros minutos, vemos sentados em um bar um coreano, uma coreana e um norte-americano, o último de fora da conversa. De longe, duas pessoas confabulam o desenrolar da cena. O que eles são? Um casal de coreanos e o seu agente de viagem? Uma coreana casada com um homem branco ao lado de um antigo amigo? Nesta singela e minuciosa cena, Celine Song lança a principal questão do filme: quem nos tornamos? 

Vidas Passadas consegue ser sentimental sem nunca tombar para o lado piegas ou clichês. Em uma volta no tempo de 24 anos atrás, conhecemos a jovem Nora (Moon Seung-ha), de 12 anos, ainda na Coreia do Sul. Ao lado dela, no caminho da escola para casa, está Hae Sung (Seung Min Yim), seu colega de classe e crush da adolescência. Ele tenta consolá-la porque ela ficou em segundo lugar no exame escolar.

Pelos gestos e olhares ainda inocentes, Nora confessa o que visualizamos. Ela gosta dele e pede para mãe sair em um encontro fora da escola com o garoto. Podia ser o início de uma história de amor, porém, Nora e sua família estão já empacotando os pertences para imigrar ao Canadá. Em um simbólico frame, Celine Song mostra Nora a seguir subindo as escadas, enquanto Hae Sung segue seu caminho descendo uma ladeira.

Nascida numa família de artistas da classe média, Nora tinha muito mais sonhos e perspectivas. Quando um dos seus colegas a questiona o motivo da mudança, ela responde: “Sul-coreanos não ganham o Nobel de Literatura”. Esta frase é curta e marcante, tal como um relato direto da boca da diretora/roteirista. 

Realizada a viagem para o Canadá, Vidas Passadas nos surpreende com um salto no tempo de 12 anos. Com advento das redes sociais, Nora e Hae Sung encontram-se online. Após uma primeira conversa por Skype, eles se escrevem e falam constantemente apesar do fuso horário. Logo, o fogo da adolescência reacende, no entanto, a realidade cobra o seu preço. Quando o relacionamento passará do plano virtual para o físico? 

Com motivações bem delimitadas, Nora não se vê de volta a Seul, agora ela almeja um prêmio Pulitzer. Já o jovem Hae Sung (Teo Yoo) tornou-se um belo rapaz, com uma voz grave e um sorriso acolhedor. Acima de tudo, ele é gentil e possui uma admiração real por Nora. Em contrapartida, Hae Sung está no meio dos estudos de Engenharia e não pode deixar o país em menos de dois anos. 

Focado no seu progresso como escritora, Nora interrompe a relação virtual. Doze anos depois, a vida acontece em ambos extremos do planeta, mas Hae Sung decide visitar Nova York e, mais precisamente, Nora. A última parte do filme é carregada de interrogações e sensações muito palpáveis. Celine Song conhece estabelecer uma profundidade intensa para esse relacionamento vivido no imaginário ao longo dos anos.

Além de um trabalho de direção impecável e um elenco absolutamente entregue às emoções, os diálogos são de uma impressionante beleza ao mesmo tempo real e poética. A ponto de nos questionarmos se o desencontro amoroso também fez parte da realidade da diretora/roteirista ou ela é somente uma autora muito talentosa. 

Vivido por John Magaro (First Cow – A Primeira Vaca da América), o personagem de Arthur é fundamental nesta narrativa como o atual marido de Nora. Ele é o ponto de desencaixe entre uma boa história de amor para uma esplendorosa. Já cantava Chorão, da banda Charlie Brown Jr.: “cada escolha é uma renúncia, isso é a vida.” O personagem não somente adiciona graça ao roteiro, mas também nos aproxima dos dilemas em tons de cinza da vida.  

Embora a passagem do tempo possa nos lembrar o romance irregular Um Dia (2011), escrito por David Nicholls, a presença de uma protagonista forte e desejosa a encontrar o seu próprio destino remete-nos muito mais ao recente filme norueguês A Pior Pessoa do Mundo (2021), de Joachim Trier, no qual o relacionamento amoroso é apenas uma etapa dessa jornada. A cereja do bolo é a forma que Nora sente ao conectar-se novamente com a sua cultura originária na presença do amigo de infância. 

Embasada numa crença sul-coreana sobre almas gêmeas (In-Yun), Celine Song torna o percurso nada simples e, por isso, muito mais realístico. Vidas Passadas é um filme para ser revisto e experimentado a cada sequência. Ao final, se não temos a resposta sobre quem somos e quem nos tornamos, ao menos, o longa nos proporciona uma mágica e deleitável trajetória de reflexão.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Nascida na Coreia do Sul, a cineasta imigrou com os pais aos 12 anos para o Canadá. Já na idade adulta, fixou residência nos Estados Unidos, onde cursou universidade e ganhou prêmios de criação. A protagonista Nora – vivida pela excelente Greta Lee (da série Boneca Russa e The Morning Show) – tem a mesma trajetória pessoal e profissional. 

Nos primeiros minutos, vemos sentados em um bar um coreano, uma coreana e um norte-americano, o último de fora da conversa. De longe, duas pessoas confabulam o desenrolar da cena. O que eles são? Um casal de coreanos e o seu agente de viagem? Uma coreana casada com um homem branco ao lado de um antigo amigo? Nesta singela e minuciosa cena, Celine Song lança a principal questão do filme: quem nos tornamos? 

Vidas Passadas consegue ser sentimental sem nunca tombar para o lado piegas ou clichês. Em uma volta no tempo de 24 anos atrás, conhecemos a jovem Nora (Moon Seung-ha), de 12 anos, ainda na Coreia do Sul. Ao lado dela, no caminho da escola para casa, está Hae Sung (Seung Min Yim), seu colega de classe e crush da adolescência. Ele tenta consolá-la porque ela ficou em segundo lugar no exame escolar.

Pelos gestos e olhares ainda inocentes, Nora confessa o que visualizamos. Ela gosta dele e pede para mãe sair em um encontro fora da escola com o garoto. Podia ser o início de uma história de amor, porém, Nora e sua família estão já empacotando os pertences para imigrar ao Canadá. Em um simbólico frame, Celine Song mostra Nora a seguir subindo as escadas, enquanto Hae Sung segue seu caminho descendo uma ladeira.

Nascida numa família de artistas da classe média, Nora tinha muito mais sonhos e perspectivas. Quando um dos seus colegas a questiona o motivo da mudança, ela responde: “Sul-coreanos não ganham o Nobel de Literatura”. Esta frase é curta e marcante, tal como um relato direto da boca da diretora/roteirista. 

Realizada a viagem para o Canadá, Vidas Passadas nos surpreende com um salto no tempo de 12 anos. Com advento das redes sociais, Nora e Hae Sung encontram-se online. Após uma primeira conversa por Skype, eles se escrevem e falam constantemente apesar do fuso horário. Logo, o fogo da adolescência reacende, no entanto, a realidade cobra o seu preço. Quando o relacionamento passará do plano virtual para o físico? 

Com motivações bem delimitadas, Nora não se vê de volta a Seul, agora ela almeja um prêmio Pulitzer. Já o jovem Hae Sung (Teo Yoo) tornou-se um belo rapaz, com uma voz grave e um sorriso acolhedor. Acima de tudo, ele é gentil e possui uma admiração real por Nora. Em contrapartida, Hae Sung está no meio dos estudos de Engenharia e não pode deixar o país em menos de dois anos. 

Focado no seu progresso como escritora, Nora interrompe a relação virtual. Doze anos depois, a vida acontece em ambos extremos do planeta, mas Hae Sung decide visitar Nova York e, mais precisamente, Nora. A última parte do filme é carregada de interrogações e sensações muito palpáveis. Celine Song conhece estabelecer uma profundidade intensa para esse relacionamento vivido no imaginário ao longo dos anos.

Além de um trabalho de direção impecável e um elenco absolutamente entregue às emoções, os diálogos são de uma impressionante beleza ao mesmo tempo real e poética. A ponto de nos questionarmos se o desencontro amoroso também fez parte da realidade da diretora/roteirista ou ela é somente uma autora muito talentosa. 

Vivido por John Magaro (First Cow – A Primeira Vaca da América), o personagem de Arthur é fundamental nesta narrativa como o atual marido de Nora. Ele é o ponto de desencaixe entre uma boa história de amor para uma esplendorosa. Já cantava Chorão, da banda Charlie Brown Jr.: “cada escolha é uma renúncia, isso é a vida.” O personagem não somente adiciona graça ao roteiro, mas também nos aproxima dos dilemas em tons de cinza da vida.  

Embora a passagem do tempo possa nos lembrar o romance irregular Um Dia (2011), escrito por David Nicholls, a presença de uma protagonista forte e desejosa a encontrar o seu próprio destino remete-nos muito mais ao recente filme norueguês A Pior Pessoa do Mundo (2021), de Joachim Trier, no qual o relacionamento amoroso é apenas uma etapa dessa jornada. A cereja do bolo é a forma que Nora sente ao conectar-se novamente com a sua cultura originária na presença do amigo de infância. 

Embasada numa crença sul-coreana sobre almas gêmeas (In-Yun), Celine Song torna o percurso nada simples e, por isso, muito mais realístico. Vidas Passadas é um filme para ser revisto e experimentado a cada sequência. Ao final, se não temos a resposta sobre quem somos e quem nos tornamos, ao menos, o longa nos proporciona uma mágica e deleitável trajetória de reflexão.

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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