quarta-feira , 20 novembro , 2024

Crítica | Viveiro – Terror alegórico com pinceladas de Kafka e Magritte estreia no Amazon Prime Video

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Admiradores do seriado The Twilight Zone (1959-1964), os irlandeses Lorcan Finnegan e Garret Shanley conceberam Viveiro (Vivarium) para nos desconectar da realidade e nos transportar direto ao purgatório de uma vida muito semelhante a nossa, mas sem o privilégio do livre-arbítrio. Lançada no Festival de Cannes 2019 e disponibilizada em VOD em março, a obra protagonizada por Jesse Eisenberg e Imogen Poots é uma alegoria sobre as ilusões da felicidade familiar e nos remete ao romance O Processo (1925), de Franz Kafka.

Por meio da cena inicial, na qual um pássaro faminto derruba os seus semelhantes do ninho de forma energética e cruel, a produção já comunica ao espectador o seu objetivo de deixá-lo num ambiente desconfortável. Assim como icônico personagem Joseph K., preso em um processo interminável por um crime não específico, o casal Gemma (Poots) e Tom (Eisenberg) desconhece as razões do seu infortúnio. 



O essencial da narrativa, no entanto, não é explicá-las, mas nos confrontar com a experiência de cada um deles nesta jornada. O casal chega a uma imobiliária e são recebidos pelo agente Martin (Jonathan Arisa), portador de um sorriso horripilante e desprovido de trato social, ou seja, poderíamos compará-lo a um assombroso Sheldon Cooper, de The Big Bang Theory. De imediato, o casal é conduzido a visitar o espaço residencial Yonder e eles são apresentados a um infinito repetitivo de casas verdes idênticas com cercadinhos na varanda.

Logo de início, a decoração domiciliar causa estranhamento e eles reagem com aversão e escárnio. Para completar a atmosfera insólita, Martin desaparece sem deixar rastros e a vizinhança permanece completamente silenciosa. Sem titubear, ambos entram no carro em direção ao caminho de volta à cidade. Contudo, após rodar por horas e sempre encontrar as mesmas casas, a gasolina acaba e a saída torna-se inatingível. 

A partir desse momento, é preciso olhar a obra com um quê de desconfiança e curiosidade, equivalente a dos protagonistas. Depois de algumas tentativas de fuga, eles recebem um caixa com mantimentos e, posteriormente, um bebê, o que os revela como prisioneiros de alguém ou algo incompreensível. Como no romance de Kafka, Finnegan e Shanley nos conduz a enxergar para além do plano das imagens e fazer um esforço de interpretar a simbologia. 

Com uma composição minimalista, a força narrativa sustenta-se por meio da expressividade de Imogen Poots, sendo este um dos trabalhos mais eminente da atriz. Ela funciona como um pêndulo entre manter-se humana ou deixa-se seduzir pela loucura, principalmente nas cenas como o seu suposto filho (Senan Jennings). Nesta situação, os três sentados à mesa para o café da manhã perverte o lúdico fotográfico da constituição familiar, já que o garoto é uma amplificação horripilante do desenvolvimento de uma criança através dos hábitos parentais, neste caso, dos prisioneiros ao seu redor.

Seguindo o mesmo caminho do surrealismo das obras de Charlie Kaufman (Quero Ser John Malkovich [1999], Sinédoque Nova York [2018], Anomalisa [2015]), Viveiro joga um casal em um pesadelo de serventia a um ditador invisível. Em uma instância mais primária, é possível fazer uma contemplação que esta é exatamente a vida que ambos buscavam ao entrarem naquela residência. Os elementos de realidade com resquícios de fantasia, ou melhor, de composições surrealistas, são belos ao nosso olhar e intrigam a lógica presente na vida cotidiana, tal como um quadro do artista belga René Magritte.

Com uma excelente direção artística, Viveiro sobressai a estética em detrimento de uma mensagem simples, mas aberta a interpretações: seja o pesadelo da vida no subúrbio para a geração Y, seja a criação dos filhos. De fato, os elementos pincelados por Lorcan Finnegan aterrorizam e entretêm, mantendo o espectador capturado pela fascínio do alegórico purgatório, além de brincar com as questões apresentadas em Foi Apenas Um Sonho (2008) e Beleza Americana (1999).

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Por meio da cena inicial, na qual um pássaro faminto derruba os seus semelhantes do ninho de forma energética e cruel, a produção já comunica ao espectador o seu objetivo de deixá-lo num ambiente desconfortável. Assim como icônico personagem Joseph K., preso em um processo interminável por um crime não específico, o casal Gemma (Poots) e Tom (Eisenberg) desconhece as razões do seu infortúnio. 

O essencial da narrativa, no entanto, não é explicá-las, mas nos confrontar com a experiência de cada um deles nesta jornada. O casal chega a uma imobiliária e são recebidos pelo agente Martin (Jonathan Arisa), portador de um sorriso horripilante e desprovido de trato social, ou seja, poderíamos compará-lo a um assombroso Sheldon Cooper, de The Big Bang Theory. De imediato, o casal é conduzido a visitar o espaço residencial Yonder e eles são apresentados a um infinito repetitivo de casas verdes idênticas com cercadinhos na varanda.

Logo de início, a decoração domiciliar causa estranhamento e eles reagem com aversão e escárnio. Para completar a atmosfera insólita, Martin desaparece sem deixar rastros e a vizinhança permanece completamente silenciosa. Sem titubear, ambos entram no carro em direção ao caminho de volta à cidade. Contudo, após rodar por horas e sempre encontrar as mesmas casas, a gasolina acaba e a saída torna-se inatingível. 

A partir desse momento, é preciso olhar a obra com um quê de desconfiança e curiosidade, equivalente a dos protagonistas. Depois de algumas tentativas de fuga, eles recebem um caixa com mantimentos e, posteriormente, um bebê, o que os revela como prisioneiros de alguém ou algo incompreensível. Como no romance de Kafka, Finnegan e Shanley nos conduz a enxergar para além do plano das imagens e fazer um esforço de interpretar a simbologia. 

Com uma composição minimalista, a força narrativa sustenta-se por meio da expressividade de Imogen Poots, sendo este um dos trabalhos mais eminente da atriz. Ela funciona como um pêndulo entre manter-se humana ou deixa-se seduzir pela loucura, principalmente nas cenas como o seu suposto filho (Senan Jennings). Nesta situação, os três sentados à mesa para o café da manhã perverte o lúdico fotográfico da constituição familiar, já que o garoto é uma amplificação horripilante do desenvolvimento de uma criança através dos hábitos parentais, neste caso, dos prisioneiros ao seu redor.

Seguindo o mesmo caminho do surrealismo das obras de Charlie Kaufman (Quero Ser John Malkovich [1999], Sinédoque Nova York [2018], Anomalisa [2015]), Viveiro joga um casal em um pesadelo de serventia a um ditador invisível. Em uma instância mais primária, é possível fazer uma contemplação que esta é exatamente a vida que ambos buscavam ao entrarem naquela residência. Os elementos de realidade com resquícios de fantasia, ou melhor, de composições surrealistas, são belos ao nosso olhar e intrigam a lógica presente na vida cotidiana, tal como um quadro do artista belga René Magritte.

Com uma excelente direção artística, Viveiro sobressai a estética em detrimento de uma mensagem simples, mas aberta a interpretações: seja o pesadelo da vida no subúrbio para a geração Y, seja a criação dos filhos. De fato, os elementos pincelados por Lorcan Finnegan aterrorizam e entretêm, mantendo o espectador capturado pela fascínio do alegórico purgatório, além de brincar com as questões apresentadas em Foi Apenas Um Sonho (2008) e Beleza Americana (1999).

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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