Semanalmente estreiam dezenas de produções nas plataformas de streaming, e, por vezes, algumas joias se perdem pelo caminho por conta da grande demanda de longas e séries. É o caso de ‘Viver Duas Vezes’, um filme espanhol bem dramático e cômico que chegou à Netflix em fins de janeiro de 2020 e já é, sem dúvida, um dos melhores filmes do ano.
Tudo começa com o Sr. Emilio (Oscar Martínez), um professor universitário de Matemática que sempre foi muito estudioso mas que, de repente, começa a ter os primeiros sintomas do Alzheimer. Com medo de esquecer tudo, Emilio decide ir atrás do primeiro amor de sua vida, Margarita (Isabel Requena), e, para isso, contará com a ajuda de sua filha, Julia (Inma Cuesta), que, frustrada, trabalha com representação de remédios para médicos; o marido dela, Felipe (Nacho López), que está desempregado mas “trabalha” como coaching e perturba todo mundo com sua positividade; e a filha do casal, Blanca (Mafalda Carbonell), uma garota de 11 anos manca e totalmente ligada no celular.
Com muita naturalidade, o entrosamento do elenco é tão afinado, que ninguém ali passa a sensação de estar atuando. Todos os personagens têm muito carisma – cada um a seu modo – e são pessoas imperfeitas tentando serem perfeitos. Conseguir esse nível de afinidade entre atores de diferentes gerações não é uma tarefa fácil, mas que neste filme não pareceu apresentar nenhuma dificuldade. Destaque maior para o par avô e neta – Oscar Martínez e Mafalda Carbonell – cujas alfinetadas são tão agridoce, que faz a gente gritar de incredulidade e constrangimento.
Mas o que mais chama a atenção é a sensibilidade com que o roteiro de María Mínguez aborda o tema do Alzheimer, construindo uma atmosfera dramática com muito tato e humor. Com diálogos maravilhosos (e absurdos), a evolução da trama se dá de maneira contínua e bem dosada, com o ápice acontecendo no final do segundo arco – quando ocorre um dos diálogos mais bonitos do filme.
É preciso ressaltar também que boa parte da equipe por trás de ‘Viver Duas Vezes’ é composta por mulheres, incluindo a diretora Maria Ripoll, duas produtoras, a diretora de fotografia e também de casting, além da supracitada roteirista. Ter uma equipe com tantas mulheres em posições fundamentais para o sucesso de um longa certamente fez a diferença no resultado final de ‘Viver Duas Vezes’, que, em sua uma hora e quarenta e um minutos de duração transporta o espectador para um universo humanizado e nervoso (posto que recheado de sentimentos) de quem é um portador consciente do Alzheimer e luta com todas as suas forças para manter suas lembranças mais queridas.
‘Viver Duas Vezes’ é um filme belíssimo, engraçado, dramático e extremamente real, que faz rir e chorar ao mesmo e nos mostra a importância de sentirmos empatia pelos idosos, afinal, às vezes a vida nos obriga a vivê-la duas vezes, e é preciso blindar nossa memória para que as pessoas mais importantes permaneçam de alguma forma para sempre conosco.