sexta-feira , 15 novembro , 2024

Crítica | ‘What Happened, Brittany Murphy?’ tenta oferecer encerramento para a morte da atriz, mas esbarra em fórmulas cansativas

A morte da atriz Brittany Murphy, que nos deixou com apenas 32 anos de idade em 2009, chocou o mundo e causou uma enorme comoção – principalmente no tocante às “misteriosas” causas de seu falecimento. Afinal, ninguém conseguiria acreditar que uma jovem saudável e havia construído uma sólida carreira no cinema e na televisão poderia morrer em virtude de complicações de pneumonia e anemia. Mais do que isso, ninguém encontrava razões para que seu marido na época, o diretor e roteirista independente Simon Monjack, não havia feito nada para descobrir o que tinha de errado com sua saúde, nem sequer levá-la ao hospital.

Se há uma palavra que pode definir os males que acometeram Murphy, essa é resignação. Murphy encontrou enorme sucesso ao encarnar o clássico papel de Tai na comédia adolescente ‘As Patricinhas de Beverly Hills’, dividindo os holofotes com Alicia Silverstone e caindo no gosto do público e da crítica – motivo pelo qual ascendeu a uma fama estupenda e incontrolável. Entretanto, nada poderia prever seu relacionamento com Monjack ou o fato de que seria forçada a abandonar o próprio livre-arbítrio em prol de algo que acreditava ser “amor verdadeiro”, quando, na verdade, era a representação máxima de um tóxico laço que a transformava em uma marionete submissa a alguém mais poderoso (emocionalmente falando, não em relação a dinheiro ou influência).

Ao longo do documentário, dividido em duas partes de uma hora cada, a diretora Cynthia Hill tem um objetivo muito claro que parte de uma premissa sociológica e analítica formulaica, ainda que bem-vinda: nos levar aos bastidores da cruel magnanimidade de Hollywood e de como inúmeros artistas e aspirantes a artistas se rendem aos perigos do centro do show business contemporâneo. De certa forma, Hill abre espaço para discussões que são bem necessárias para os dias de hoje, como o bodyshaming e o machismo que as mulheres enfrentam desde sempre na sociedade, ou então o papel depreciativo de veículos midiáticos como os tabloides – ora, ela até mesmo consegue conversar com o infame Perez Hilton, que reconhece os condenáveis comentários que fazia a Murphy e a tantas outras celebridades.



Entretanto, Hill também esbarra em erros que se tornaram constantes e comuns em produções do gênero – e que já são vistas há algum tempo tanto nos streamings quanto na televisão e nas telonas. Há uma certa necessidade de englobar absolutamente todos os aspectos que giraram em torno de Murphy em detrimento de uma concisão que faça sentido e que não repita assuntos que já foram discutidos e concluídos. O foco aqui é – ou ao menos deveria ser – como uma pequena garota de Nova Jersey alcançou fama mundial antes mesmo de seus trinta anos e observou, impotente, enquanto definhava perante forças que não conseguia controlar; o resultado é uma mistura de múltiplos pontos de vista endereçados a reafirmar as teorias conspiratórias acerca de sua morte e a dar enfoque a Monjack e à sua nada confiável personalidade golpista.

Apesar do que certas pessoas podem achar, a produção não é difamatória – visto que traz os fatos que foram apresentados para a compreensão de seu falecimento. Brittany, desde que ganhou reconhecimento pelo supracitado filme de 1995, tornou-se a It girl que roubava as manchetes dos grandes jornais e ficou marcada com uma potencialidade ilimitada, inclusive levando-a a estrelar obras como 8 Mile – Rua das Ilusões’, ‘Garota Interrompida’ e ‘Grande Menina, Pequena Mulher’. E, enquanto posava com um grande sorriso, as pessoas próximas à performer percebiam uma mudança de comportamento – e, em nenhum momento, os entrevistados se lembram dela com ressentimento. Kathy Najimy, eternizada em ‘Abracadabra’ e ‘Mudança de Hábito’, se culpa no final do segundo episódio por não ter agido com mais insistência para tirá-la de seu encarceramento; Taryn Manning, de ‘Orange Is the New Black’, aparece brevemente e confirma a personalidade respeitosa e admirável de Murphy; e Alex Merkin, diretor do filme independente ‘Across the Hall’, compara a mudança de humor de quando entrava no set de gravações, agradecida por ser chamada para o projeto, e de quando conversava com o marido, retornando como uma assustada jovem que não confiava em si mesma.

Além de apresentar comentários da polícia local, do publicista da família e até mesmo da família de Monjack, Hill entra em contato com os investigadores e legistas que fizeram a autópsia do corpo de Murphy e desmistificaram as incabíveis teorias de envenenamento ou de perseguições governamentais. À medida que o documentário afirma que houve negligência por parte de Simon em levá-la ao hospital, ao mesmo tempo não responde com clareza o que precisávamos ouvir – e abre espaço para discussões intermináveis que envolvem escândalos com a própria mãe de Brittany, Sharon Murphy. E, mesmo que o apelo estético opte por uma modernização do gênero narrativo em questão, é normal nos recordamos dos recentes ‘Amy’, que explorou a vida da saudosa Amy Winehouse, e ‘What Happened, Miss Simone?’, que fez um retrato aplaudível da lendária Nina Simone.

O novo documentário da HBO Max pode não ser ruim ou intragável, mas parece determinado a conquistar apenas os fãs de mistérios criminais – se é que podemos afirmar que houve algum mistério – e da atriz. Ademais, não há muito de novo a ser descoberto aqui; o que temos é um entretenimento que podemos conferir despretensiosamente e, talvez, para compreender um pouco mais sobre a complexa engrenagem que rege Hollywood.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Se há uma palavra que pode definir os males que acometeram Murphy, essa é resignação. Murphy encontrou enorme sucesso ao encarnar o clássico papel de Tai na comédia adolescente ‘As Patricinhas de Beverly Hills’, dividindo os holofotes com Alicia Silverstone e caindo no gosto do público e da crítica – motivo pelo qual ascendeu a uma fama estupenda e incontrolável. Entretanto, nada poderia prever seu relacionamento com Monjack ou o fato de que seria forçada a abandonar o próprio livre-arbítrio em prol de algo que acreditava ser “amor verdadeiro”, quando, na verdade, era a representação máxima de um tóxico laço que a transformava em uma marionete submissa a alguém mais poderoso (emocionalmente falando, não em relação a dinheiro ou influência).

Ao longo do documentário, dividido em duas partes de uma hora cada, a diretora Cynthia Hill tem um objetivo muito claro que parte de uma premissa sociológica e analítica formulaica, ainda que bem-vinda: nos levar aos bastidores da cruel magnanimidade de Hollywood e de como inúmeros artistas e aspirantes a artistas se rendem aos perigos do centro do show business contemporâneo. De certa forma, Hill abre espaço para discussões que são bem necessárias para os dias de hoje, como o bodyshaming e o machismo que as mulheres enfrentam desde sempre na sociedade, ou então o papel depreciativo de veículos midiáticos como os tabloides – ora, ela até mesmo consegue conversar com o infame Perez Hilton, que reconhece os condenáveis comentários que fazia a Murphy e a tantas outras celebridades.

Entretanto, Hill também esbarra em erros que se tornaram constantes e comuns em produções do gênero – e que já são vistas há algum tempo tanto nos streamings quanto na televisão e nas telonas. Há uma certa necessidade de englobar absolutamente todos os aspectos que giraram em torno de Murphy em detrimento de uma concisão que faça sentido e que não repita assuntos que já foram discutidos e concluídos. O foco aqui é – ou ao menos deveria ser – como uma pequena garota de Nova Jersey alcançou fama mundial antes mesmo de seus trinta anos e observou, impotente, enquanto definhava perante forças que não conseguia controlar; o resultado é uma mistura de múltiplos pontos de vista endereçados a reafirmar as teorias conspiratórias acerca de sua morte e a dar enfoque a Monjack e à sua nada confiável personalidade golpista.

Apesar do que certas pessoas podem achar, a produção não é difamatória – visto que traz os fatos que foram apresentados para a compreensão de seu falecimento. Brittany, desde que ganhou reconhecimento pelo supracitado filme de 1995, tornou-se a It girl que roubava as manchetes dos grandes jornais e ficou marcada com uma potencialidade ilimitada, inclusive levando-a a estrelar obras como 8 Mile – Rua das Ilusões’, ‘Garota Interrompida’ e ‘Grande Menina, Pequena Mulher’. E, enquanto posava com um grande sorriso, as pessoas próximas à performer percebiam uma mudança de comportamento – e, em nenhum momento, os entrevistados se lembram dela com ressentimento. Kathy Najimy, eternizada em ‘Abracadabra’ e ‘Mudança de Hábito’, se culpa no final do segundo episódio por não ter agido com mais insistência para tirá-la de seu encarceramento; Taryn Manning, de ‘Orange Is the New Black’, aparece brevemente e confirma a personalidade respeitosa e admirável de Murphy; e Alex Merkin, diretor do filme independente ‘Across the Hall’, compara a mudança de humor de quando entrava no set de gravações, agradecida por ser chamada para o projeto, e de quando conversava com o marido, retornando como uma assustada jovem que não confiava em si mesma.

Além de apresentar comentários da polícia local, do publicista da família e até mesmo da família de Monjack, Hill entra em contato com os investigadores e legistas que fizeram a autópsia do corpo de Murphy e desmistificaram as incabíveis teorias de envenenamento ou de perseguições governamentais. À medida que o documentário afirma que houve negligência por parte de Simon em levá-la ao hospital, ao mesmo tempo não responde com clareza o que precisávamos ouvir – e abre espaço para discussões intermináveis que envolvem escândalos com a própria mãe de Brittany, Sharon Murphy. E, mesmo que o apelo estético opte por uma modernização do gênero narrativo em questão, é normal nos recordamos dos recentes ‘Amy’, que explorou a vida da saudosa Amy Winehouse, e ‘What Happened, Miss Simone?’, que fez um retrato aplaudível da lendária Nina Simone.

O novo documentário da HBO Max pode não ser ruim ou intragável, mas parece determinado a conquistar apenas os fãs de mistérios criminais – se é que podemos afirmar que houve algum mistério – e da atriz. Ademais, não há muito de novo a ser descoberto aqui; o que temos é um entretenimento que podemos conferir despretensiosamente e, talvez, para compreender um pouco mais sobre a complexa engrenagem que rege Hollywood.

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