sábado , 21 dezembro , 2024

Crítica | Dahomey – Documentário ganhador do Urso de Ouro é PRECISO e IMPACTANTE [Berlim 2024]

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Filme visto no Festival de Berlim 2024

Em pouco mais de uma hora — 67 minutos, para sermos exatos —, a cineasta franco-senegalesa Mati Diop consegue deixar sua impressão digital na pertinente discussão sobre o apagamento cultural promovida pelos europeus nos territórios africanos. Preciso e impactante, Dahomey recebeu o Urso de Ouro no Festival de Berlim 2024 e tem chances de chegar ao Oscar 2025



A partir da notícia de novembro de 2021 da devolução de relíquias africanas promovida pelo governo de Emmanuel Macron, a cineasta acompanha a restauração de 26 artefatos do reino de Daomé (Dahomey) do Museu do Quai Branly, em Paris, ao seu país de origem, a atual República do Benin. Os objetos foram saqueados por tropas coloniais francesas durante o final do século XIX. 

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Embora o documentário acompanhe apenas esses 26 artefatos, milhares de outros objetos simbólicos para a história dos territórios do continente foram roubados no mesmo período. Apesar da França ser um dos principais países da Europa na colonização exploratória na África, a Bélgica, a Alemanha e o Reino Unido também têm a sua cota de restituição a ser realizada. 

Mati Diop, no entanto, não prolonga a discussão pelo viés dos colonizadores, e concentra-se na perspectiva do povo saqueado. Seu grande trunfo é dar voz para aqueles calados e dizimados durantes anos. Em sua dinâmica construção narrativa, a cineasta deixa a imaginação avançar e concede voz até para a estátua de Daomé. 

A indignação de sua narração é sentida como uma vibração dos povos, os quais a sua figura representa. Chamado de número 26, o personagem Daomé revolta-se em tom enfurecido pela supressão do seu legítimo nome “Dahomey” substituído por dois algarismos. Encaixotado e despachado de navio, as suas reflexões são feitas em tela completamente preta e a voz abafada.

Com esta singela liberdade cinematográfica, Mati Diop consegue balançar os imaginários e abrir os horizontes do público em relação ao seu convite à discussão. Na segunda parte do documentário, a cineasta abre espaço igualmente para a discussão dos jovens no país de chegada. Qual será a posição adotada pelos habitantes atuais da região sobre o regresso desses antepassados? 

Caso o nome Daomé soe familiar, este é o reinado da ambientação do filme A Mulher Rei (2022), protagonizado e produzido por Viola Davis. O longa dos estúdios Sony Pictures, no entanto, se passa em 1823; muito antes da invasão francesa, entre 1892 e 1894, momento no qual grande parte dos objetos em discussão foram saqueados. 

Como mostrado no filme blockbuster, poucas pessoas sabem que o Daomé foi o primeiro reino africano a desenvolver um regimento militar exclusivamente feminino: as Agodjie. Este é um exemplo emblemático do apagamento histórico da região, o qual Mati Diop tenta resgatar com o seu desempenho de observadora e portadora dessas vozes. 

Em debate entre os jovens estudantes da Universidade de Abomey-Calavi, o documentário captura discursos de distanciamento histórico sobre suas próprias origens. Alguns estudantes jamais ouviram falar de Daomé, outros escutaram o nome, porém nunca desenvolveram a narrativa desse antigo reinado. Impelidos a consumir apenas a cultura estrangeira na televisão, um dos estudantes confessa conhecer melhor os desenhos animados norte-americanos do que a história do próprio país.

Esta é apenas a ponta do iceberg da herança do colonialismo e das leis ainda presentes em benefício dos países exploradores. Algumas nações africanas pagam até o momento impostos aos europeus e as grades curriculares são pautadas pela visão colonialista. Quando falamos de estudos descoloniais, falamos sobre enxergar o ponto de vista da história do mundo a partir do nosso próprio território e não sob exegese do estrangeiro. 

Com uma linguagem acessível e um belo exercício de imaginação, Dahomey é um documentário assertivo para falar com as novas gerações e, portanto, os responsáveis por levar adiante um outro olhar sobre a história. Sem pesquisadores ou professores europeus para explicar a cultura do outro, a narrativa nos revela que a reparação histórica não passará do discurso ao ato sem acesso à informação, isto é, sem os jovens conhecerem a materialidade histórica de sua origem.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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A partir da notícia de novembro de 2021 da devolução de relíquias africanas promovida pelo governo de Emmanuel Macron, a cineasta acompanha a restauração de 26 artefatos do reino de Daomé (Dahomey) do Museu do Quai Branly, em Paris, ao seu país de origem, a atual República do Benin. Os objetos foram saqueados por tropas coloniais francesas durante o final do século XIX. 

Embora o documentário acompanhe apenas esses 26 artefatos, milhares de outros objetos simbólicos para a história dos territórios do continente foram roubados no mesmo período. Apesar da França ser um dos principais países da Europa na colonização exploratória na África, a Bélgica, a Alemanha e o Reino Unido também têm a sua cota de restituição a ser realizada. 

Mati Diop, no entanto, não prolonga a discussão pelo viés dos colonizadores, e concentra-se na perspectiva do povo saqueado. Seu grande trunfo é dar voz para aqueles calados e dizimados durantes anos. Em sua dinâmica construção narrativa, a cineasta deixa a imaginação avançar e concede voz até para a estátua de Daomé. 

A indignação de sua narração é sentida como uma vibração dos povos, os quais a sua figura representa. Chamado de número 26, o personagem Daomé revolta-se em tom enfurecido pela supressão do seu legítimo nome “Dahomey” substituído por dois algarismos. Encaixotado e despachado de navio, as suas reflexões são feitas em tela completamente preta e a voz abafada.

Com esta singela liberdade cinematográfica, Mati Diop consegue balançar os imaginários e abrir os horizontes do público em relação ao seu convite à discussão. Na segunda parte do documentário, a cineasta abre espaço igualmente para a discussão dos jovens no país de chegada. Qual será a posição adotada pelos habitantes atuais da região sobre o regresso desses antepassados? 

Caso o nome Daomé soe familiar, este é o reinado da ambientação do filme A Mulher Rei (2022), protagonizado e produzido por Viola Davis. O longa dos estúdios Sony Pictures, no entanto, se passa em 1823; muito antes da invasão francesa, entre 1892 e 1894, momento no qual grande parte dos objetos em discussão foram saqueados. 

Como mostrado no filme blockbuster, poucas pessoas sabem que o Daomé foi o primeiro reino africano a desenvolver um regimento militar exclusivamente feminino: as Agodjie. Este é um exemplo emblemático do apagamento histórico da região, o qual Mati Diop tenta resgatar com o seu desempenho de observadora e portadora dessas vozes. 

Em debate entre os jovens estudantes da Universidade de Abomey-Calavi, o documentário captura discursos de distanciamento histórico sobre suas próprias origens. Alguns estudantes jamais ouviram falar de Daomé, outros escutaram o nome, porém nunca desenvolveram a narrativa desse antigo reinado. Impelidos a consumir apenas a cultura estrangeira na televisão, um dos estudantes confessa conhecer melhor os desenhos animados norte-americanos do que a história do próprio país.

Esta é apenas a ponta do iceberg da herança do colonialismo e das leis ainda presentes em benefício dos países exploradores. Algumas nações africanas pagam até o momento impostos aos europeus e as grades curriculares são pautadas pela visão colonialista. Quando falamos de estudos descoloniais, falamos sobre enxergar o ponto de vista da história do mundo a partir do nosso próprio território e não sob exegese do estrangeiro. 

Com uma linguagem acessível e um belo exercício de imaginação, Dahomey é um documentário assertivo para falar com as novas gerações e, portanto, os responsáveis por levar adiante um outro olhar sobre a história. Sem pesquisadores ou professores europeus para explicar a cultura do outro, a narrativa nos revela que a reparação histórica não passará do discurso ao ato sem acesso à informação, isto é, sem os jovens conhecerem a materialidade histórica de sua origem.

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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