2024 é um ano especial para Eddie Murphy, Axel Foley e a franquia ‘Um Tira da Pesada’, um dos grandes expoentes do cinema entretenimento dos anos 80 em Hollywood – que serviu para cimentar o subgênero dos buddy cop movie, filmes de parceiros policiais com bastante humor. Isso porque foi há exatos 40 anos que o primeiro longa foi lançado nas telonas. Além disso, este ano, no início de julho, em parceria com a Netflix, ‘Um Tira da Pesada 4’ finalmente saiu do forno e todos puderam reencontrar o policial tagarela em nova fase de sua vida, agora na meia idade. Mas existe mais uma comemoração para ‘Um Tira da Pesada’, já que o terceiro filme da franquia estreava nos cinemas há 30 anos. E é justamente dele que iremos falar aqui.
‘Um Tira da Pesada 2’ foi considerado um passo para trás em relação ao fenômeno original, ainda assim o longa conseguiu arrecadar US$300 milhões mundiais, o que para a época (1987) é um feito impressionante e que poucas produções eram capazes de realizar. Assim, é claro que os executivos da Paramount iriam em algum momento exigir de Eddie Murphy um eventual ‘Um Tira da Pesada 3’. Porém, apesar do sucesso da franquia, a essa altura a carreira do astro não estava em sua melhor forma. O que aconteceu foi o seguinte, como na maioria dos casos com astros em ascensão, Murphy desejava seguir para novos desafios em sua carreira, e ‘Um Tira da Pesada’ teve que esperar por nada menos que sete anos de intervalo entre o segundo e o terceiro.
Caso tivesse sido lançado no fim dos anos 80 ou início dos anos 90, o filme se beneficiaria do hype em torno de sucessos do ator, como o segundo ‘Um Tira da Pesada’ e especialmente ‘Um Príncipe em Nova York’. Porém, a época planejada para o terceiro filme ganhar forma estava no meio de muitas produções questionáveis do astro, como ‘O Príncipe das Mulheres’ (1992), ‘Um Distinto Cavalheiro’ (1992), sua estreia na direção com ‘Os Donos da Noite’ (1989) e até mesmo a mal recebida continuação de um de seus primeiros sucessos, ’48 Horas – Parte 2’ (1990).
Com esse novo status de astro não mais rentável, a produção de ‘Um Tira da Pesada 3’ sofreria outro baque: a saída dos produtores Jerry Bruckheimer e Don Simpson, parte integral do sucesso da franquia. Para substitui-los regendo o terceiro longa, o veterano Joel Silver chegou a começar as negociações, porém, não conseguiria um acordo para um orçamento maior – o que terminou causando atrasos ao início das filmagens. Fora isso, Silver havia se queimado com a imprensa devido a relatos de um ambiente não saudável durante as produções de ‘Duro de Matar 2’ e ‘Hudson Hawk – O Falcão Está à Solta’, ambos estrelados por Bruce Willis. No fim, Silver desistiu da função e foi substituído por Mace Neufeld (‘Sem Saída’) e Robert Rehme (‘Jogos Patrióticos’).
Com produtores devidamente escalados, chegou a hora do verdadeiro empasse de todo blockbuster em Hollywood: qual será a história? Assim começava o jogo de empurra e ideias rejeitadas. Uma delas, baseada no argumento de Robert Towne (roteirista de ‘Chinatown’ e ‘Missão: Impossível’) traria Axel Foley precisando lidar com o status de policial celebridade, devido aos seus feitos nos filmes anteriores. Outra, teria Murphy atuando ao lado de Sir Sean Connery, que viveria um detetive da Scotland Yard – e seria algo como “Axel Foley se une a James Bond”.
Ainda na ideia de levar Axel para Londres, outra opção seria ter John Cleese (‘Um Peixe Chamado Wanda’) como parceiro de Murphy na Inglaterra. Por fim, ainda inclinados a levar Foley para a Europa britânica, o policial enfrentaria mafiosos ingleses baseados nos irmãos Kray da vida real, que seriam capturados em Detroit, se soltariam e matariam Jeffrey, o amigo de Foley vivido por Paul Reiser. Axel viajaria atrás dos bandidos para a vingança – como nos filmes anteriores. No entanto, essa ideia foi rejeitada pelos antigos produtores, Simpson e Bruckheimer, por acharem muito parecida com a de outro filme da Paramount na época, ‘Chuva Negra’, com Michael Douglas.
A ideia mais louca no entanto, foi a do produtor e roteirista Brandon Tartikoff, que sugeriu o inusitado crossover entre Axel Foley com ninguém menos que Crocodilo Dundee, interpretado por Paul Hogan. Acontece que ambos haviam sido sucessos surpresa da Paramount, que virariam febre nos anos 80, e galinhas dos ovos de ouro do estúdio. Fora isso, tanto ‘Um Tira da Pesada’ quanto ‘Crocodilo Dundee’ haviam tido dois filmes nos anos 80 e procuravam enredo para um terceiro longa. O crossover resolveria o problema para ambas as franquias. Já imaginou? A premissa, no entanto, foi logo descartada por Eddie Murphy, e Paul Hogan talvez nem tenha ficado sabendo, pois não menciona nada em seu livro de memórias.
A narrativa que quase foi filmada, no entanto, novamente se passaria em Londres. Porém, levaria não apenas Axel, como também Billy Rosewood e John Taggart para resgatar o colega, Capitão Bogomil, sequestrado por terroristas durante uma convenção internacional da polícia no país europeu. No entanto, atrasos consecutivos na produção, primeiro envolvendo revisões de roteiro e depois de orçamento, causaram a desistência de dois elementos chave para essa história: Ronny Cox e John Ashton, que interpretam respectivamente Bogomil e Taggart nos outros dois filmes anteriores. Justamente por isso, eles terminaram de fora do terceiro longa. Os atores não podiam esperar mais, pois tinham compromisso com outras produções, que causou conflito de agendas.
Para a tarefa de comandar o filme, cineastas como Joe Dante (‘Gremlins’), Kevin Hooks (‘Passageiro 57’) e Robert Towsend (‘Homem Meteoro’) foram considerados. Mas no final das contas, como sabemos, quem terminou sentando na cadeira de diretor foi John Landis. E agora entramos em mais uma história complicada. A primeira parceria entre John Landis (‘Os Irmãos Cara-de-Pau’) e Eddie Murphy aconteceu no filme ‘Trocando as Bolas’ (1983). E os dois se deram muito bem, gostando de trabalhar juntos. Porém, no mesmo ano a tragédia arrebataria a vida de Landis. Acontece que nos bastidores do filme ‘No Limite da Realidade’, o ator Vic Morrow perdeu a vida devido a um acidente de queda de helicóptero, junto a duas crianças. John Landis estava no comando do set e forçou toda a situação. O diretor foi a julgamento, correndo o risco de ser preso por homicídio.
Nesse período conturbado de sua vida, John Landis se viu incrivelmente ressentido com o então amigo Eddie Murphy, que segundo o diretor não o defendeu em julgamento. Segundo o astro, Landis precisava ser responsabilizado, por mais que fossem amigos, Murphy não concordava em passar a mão na cabeça do diretor ainda mais perante um ocorrido tão grave. Assim, a amizade dos dois ficou estremecida. Mesmo assim, Landis ainda viria dirigir Murphy em ‘Um Príncipe em Nova York’, um de seus maiores sucessos dos anos 80. Mas o relacionamento dos dois durante as gravações apenas piorou. Os dois constantemente trocavam farpas nos sets, e Landis começou a colocar a equipe contra o astro. Ao ponto de Eddie Murphy partir para a agressão física, sufocando o diretor e o ameaçando com seus seguranças. O clima ficou insustentável. Apesar disso, os dois foram forçados a fazer as pazes alguns anos depois, quando John Landis se apresentou para dirigir ‘Um Tira da Pesada 3’, afinal em Hollywood não se nega trabalho, ainda mais desta magnitude.
Assim, ‘Um Tira da Pesada 3’ finalmente começava a ganhar forma e a ser filmado. O roteiro ficou a cargo de Steven E. de Souza, escritor de filmes de ação famosos como ’48 Horas’, ‘Comando para Matar’ e ‘Duro de Matar’. A opção foi por levar a trama a um parque de diversões, que seria uma paródia da Disneylândia chamada Wonder World. Como de praxe, o filme começaria com o assassinato de uma pessoa próxima a Axel, fato que o levaria à trilha do criminoso em Beverly Hills. A ideia original teria Bogomil como a vítima da vez. Mas foi só Ronny Cox dar uma olhada nesse roteiro para desistir de participar de vez da produção. Assim, a vítima foi retrabalhada para ser o Capitão Douglas Todd, chefe de Foley na polícia de Detroit, papel de Gill Hill. E Bogomil sequer é mencionado na trama, talvez por birra dos produtores.
Já quando falamos de John Ashton e seu Taggart, como dito, por motivos de agenda o ator não pôde participar. Assim, seu personagem foi reescrito para se tornar o policial John Flint, papel de Hector Elizondo. E com uma linha de diálogo a ausência de Taggart foi explicada como o policial tendo se aposentado e se mudado para outra cidade. Dentre os personagens principais, além de Foley, Rosewood, Todd e a adição de Flint, temos também a volta de um velho conhecido: Serge, de Bronson Pinchot. Fora isso, o veterano Alan Young foi o bondoso Tio Dave Thornton, a figura de Walt Disney aqui. Os vilões foram fornecidos por John Saxon como Sanderson, o policial corrupto envolvido na falcatrua Steve Fulbright (Stephen McHattie) e o principal antagonista, o filantropo Ellis De Wald (Timothy Carhart). Fora isso, pela primeira vez na franquia, Axel Foley ganharia um interesse amoroso na forma de Janice, a funcionária do parque interpretada por Theresa Randle.
O que todos relatam dos bastidores de ‘Um Tira da Pesada 3’ é que Eddie Murphy estava imensamente deprimido pelo fracasso de seus últimos filmes e o ponto em que sua carreira se encontrava. A crise era tanta que muitas vezes o ator sequer conseguia terminar suas cenas e precisava ser substituído por um dublê. Esse é o caso do encontro usual de Axel e Serge, aqui filmado com Pinchot atuando sem a presença de Murphy (incluído depois na edição). Junto a isso, a ideia do astro era a de que Axel Foley havia finalmente amadurecido, era um homem agora e não mais um detetive inexperiente e novato. Dessa forma, sua intenção era diminuir as piadinhas e tiradas frenéticas do personagem. Murphy queria testar seu lado mais dramático para o papel e ser reconhecido como ator sério do nível de Denzel Washington ou Wesley Snipes na época – segundo relatos.
O mais curioso disso é que o resultado não aparece em tela. ‘Um Tira da Pesada 3’ é o mais bobo e infantil da série. Sim, ainda temos violência e muito tiro, porrada e bomba; mas temos também Eddie Murphy se vestindo de elefante colorido em uma boa tarde das cenas, dançando ou fazendo outras bobagens. A temática do parque de diversões traz automaticamente um clima mais leve. Ao que parece, o filme se inclinou muito mais no aspecto cômico – como na cena de abertura no desmanche de carros, apesar das tentativas contrárias do astro do filme.
No fim das contas, ‘Um Tira da Pesada 3’ teve o maior orçamento da franquia com US$50 milhões, dos quais US$15 milhões foram parar no bolso de Eddie Murphy, apesar de sua má vontade. O filme foi também o único a não estrear em primeira posição do ranking em seu fim de semana de lançamento, no dia 25 de maio de 1994. O filme terminou comendo poeira da outra estreia daquela semana: o blockbuster ‘Os Flintstones’, primeira adaptação em live-action do famoso desenho, produzido por Steven Spielberg – que abocanhou a primeira posição. E nem em segundo Axel Foley conseguiu ficar, pois em seu caminho ainda tinha ‘Maverick’, faroeste cômico com Mel Gibson e Jodie Foster, que havia estreado na semana anterior. Assim, restou para Murphy e Foley a terceira posição.
No fim de sua estadia nas telonas, ‘Um Tira da Pesada 3’ somou US$119 milhões mundiais, deixando todos os envolvidos desgostosos. Por anos, Eddie Murphy brincou sobre a qualidade do terceiro filme, zoando o longa por todo lugar que passava. O astro chegou a dizer que Foley foi expulso de Hollywood, e não por menos os planos para um eventual quarto filme nunca pareciam se concretizar. Uma série de TV chegou a ser pensada e filmada em 2013, mas o piloto não foi ao ar. Eis que nada menos que trinta anos depois, Axel Foley ressurgiu em Beverly Hills novamente, agora com seu intérprete na casa dos 60 anos, e com uma filha que não se dá com ele. O quarto filme foi bem-aceito pelos fãs, pelos críticos e fez sucesso na Netflix. Mas ainda assim, não deixou de fazer piada sobre o terceiro, em uma das melhores tiradas do longa: “não foi o meu melhor momento”, diz o tira da pesada.