Após ser aplaudido de pé no Festival de Cinema em Veneza e em Londres (BFI), David Fincher completou sua turnê europeia de O Assassino (The Killer) com a sessão de abertura da retrospectiva de sua obra na Cinémathèque Française, em Paris, na última sexta-feira, 13 de outubro.
Disponível a partir de 10 de novembro na Netflix, O Assassino teve poucas oportunidades de ser apreciado nos cinemas em festivais e pré-estreias, como a partir de 26 de outubro em poucas cidades brasileiras. Com Michael Fassbender como o protagonista do título e Tilda Swinton, o longa é uma dos títulos mais aguardados de 2023 e conta com a participação da atriz brasileira Sophie Charlotte.
Depois da sessão, David Fincher conversou com os convidados nas instalações da Cinemateca e participou de um coquetel de celebração da sua carreira. Como um dos convidados da noite, o CinePOP conta os detalhes da “masterclass” dada pelo cineasta durante o evento.
Como nasceu o projeto
Com a presença dos autores franceses Luc Jacamon & Matz no evento, David Fincher contou ter sido presenteado por uma amiga com a graphic novel The Killer. Segundo o diretor, ela acreditava que ia lhe interessar por conta do enorme número de corpos no chão durante a história.
Gravado na memória do público pelos suspenses Seven – Os Sete crimes Capitais (1995), Clube da Luta (1999), O Quarto do Pânico (2002), Zodiaco (2007); Millennium – Os Homens que Não Amavam as Mulheres (2011) e Garota Exemplar (2014), O Assassino é a impressão digital do gênero suspense policial cunhado pelo diretor norte-americano ao longo de sua carreira.
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Os “corpos no chão” não foi somente um ponto decisivo para o cineasta escolher adaptar a obra, mas também o enorme monólogo niilista do personagem título. O objetivo do diretor era apresentar uma relação mais estreita entre um assassino em série e o espectador. Para ele, a questão era desafiar a si e ao público: “apontar a câmera para o pensamento de alguém é bastante intimista. Mas será que é verdade? Porque as pessoas mentem para si mesmas”, reflete.
Construção do roteiro
Em parceria com os autores da graphic novel e Andrew Kevin Walker — roteirista de Seven – Os Sete Crimes Capitais —, o projeto foi criado com base nos 13 volumes da coleção The Killer e levou ao menos dois anos para sair do papel e ser ajustado algumas vezes pelo cineasta. Um dos destaques é exatamente a dose de humor ácido injetada na produção, algo não tão habitual nos longas anteriores do diretor.
“Se você vai submeter a audiência a um enorme número de violência, acho importante ter um tempo de descanso, por isso coloquei alguns momentos de risos”, conta Fincher e ainda revela: “A piada do turista alemão veio do escritório de produção em Paris, ouvimos e decidimos guardar.”. Desculpe-nos o spoiler, mas todo auditório gargalhou uníssono neste momento do longa; ou seja, funcionou.
Canções e Efusão Sonora
Será que a cena final de Clube da Luta ia ser igualmente memorável sem a canção Where is my mind?, da banda Pixies? Ou o término de A Rede Social (2010), sem Baby, You’re A Rich Man, dos Beatles? Esses são apenas dois exemplos de como Fincher encaixa sempre música e imagem para contar uma história. Vale lembrar que o diretor começou a carreira realizando clipes musicais.
Em O Assassino, a efusão do som é bastante utilizada com a intenção de deixar o espectador desnorteado. O matador vivido por Fassbender executa suas vítimas com fones de ouvidos e imerso nas melodias de The Smiths. Por quê? Para o diretor, a música era o material de motivação do personagem e todos os envolvidos na produção acharam engraçado.
Afinal, matar ao som de There Is a Light That Never Goes Out, do The Smiths, soa realmente cômico. Vale ressaltar que a banda britânica dos anos 1980 não foi a primeira opção para o filme, antes eles tentaram Joy Division e Siouxsie and the Banshees, mas não obtiveram sucesso com o licenciamento. As trilhas sonoras “fincheanas” são realmente boas, escute uma das várias playlists no Spotify.
Aprender com os Erros
Como a premissa de O Assassino é um erro no trabalho minucioso do matador de aluguel, David Fincher compartilhou um dos seus momentos de dúvida ao longo de sua gloriosa carreira. Ao contrário do personagem título que repete o mantra: “Stick to the plan” (Siga o plano), ele confessa não poder cometer erros com milhões de dolàres dos produtores em mãos, mas seria idiota não aproveitar uma ideia melhor do que a do plano inicial.
Nesse mérito, ele expressa alguns arrependimentos em relação ao seu terceiro longa, Vidas em Jogo (1997), com Michael Douglas e Sean Penn. Como já dito em entrevistas anteriores, ele lamenta o desenrolar do terceiro ato do filme e sua resolução, mas ele sentencia de modo otimista: “digamos que também aprendemos com nossos erros”.
Apologia à Violência
Com 12 longas-metragens aclamados pela crítica e público, David Fincher é sempre contestado sobre o seu critério em lidar com temas extremamente violentos. O filme Clube da Luta, por exemplo, ficou estigmatizado por incentivar jovens a começarem clubes de lutas e atentados com explosivos. Se o tema da violência instiga o cineasta, ele declara que não acredita no fetiche da violência e seu objetivo é fazer o público se sentir nauseado.
“Se você vai incluir violência no seu filme é necessário fazer com que as pessoas sintam que é algo a ser evitado e mesmo no filme ela vai querer evitar [virar o rosto ou fechar os olhos] como na única cena de violência explícita no filme Garota Exemplar”, explica o diretor de 61 anos.
Com um contrato vigente com a Netflix, os próximos projetos do cineasta estarão ainda na plataforma, mas não revela incômodo de não ter os seus dois últimos filmes distribuídos nas salas de cinema comerciais. No Brasil, o filme estreia no dia 26 de outubro em cinemas selecionados e, logo em seguida, chega à plataforma.
Com simpatia e disposição, David Fincher distribuiu autógrafos e conversou com os presentes sobre os detalhes das gravações e efeitos visuais. Em uma noite com David Fincher, o nosso erro (e aprendizado) foi não ter registrado o momento ao lado de um dos grandes cineastas da nossa atualidade.