sábado, abril 27, 2024

Artigo | Quase 30 anos depois, ‘Se7en – Os Sete Crimes Capitais’ continua como o melhor filme de David Fincher

David Fincher é um dos diretores mais conhecidos e aclamados do cenário cinematográfico, cuja carreira estende-se por títulos bastante criteriosos e que se tornaram um sucesso gigantesco pela profundidade de temas e por uma condução estilística automaticamente reconhecível. Não é surpresa que Fincher seja considerado não apenas um cineasta, e sim um autor, conseguindo delinear uma linha criativa que o diferenciava de outros de sua ascensão ao estrelato.

Para aqueles que não se recordam, Fincher fez sua estreia oficial em 1992 ao comandar ‘Alien³’, terceiro capítulo da saga sci-fi de Ridley Scott – mas problemas com a extinta 20th Century Fox e com os executivos por trás da produtora e do longa-metragem obrigaram-no a renegar qualquer envolvimento com o título. Logo, levando em conta a decisão do diretor, é apenas normal que consideremos seu début três anos mais tarde, com a ótima culminação de ‘Se7en – Os Sete Crimes Capitais’, um thriller de mistério que é relembrado até os dias de hoje como um dos melhores do gênero a já ter agraciado as telonas.

Lançado em 1995, a história parte de vários convencionalismos dos filmes de suspense e traz ao centro dos holofotes dois detetives que perseguem um serial killer extremamente perigoso. Morgan Freeman interpreta o Detetive William Somerset, um veterano da polícia local a quem é atribuído a parceria do jovem Detetive David Mills (vivido por ninguém menos que Brad Pitt). Depois de cruzarem com uma horrenda cena em que um homem foi forçado a comer até seu estômago explodir, a dupla se vê envolvida no encalço de um assassino em série que pretende deixar sua marca no mundo ao coletar vítimas que façam referência com os sete pecados capitais retratados na mitologia católica. E, a cada nova pista que encontram, o plano do homicida se torna mais concreto e lança uma nuvem de angústia pela cidade.

Apesar das críticas positivas à época do lançamento, nem todos caíram de amores pelo enredo construído por Fincher – provavelmente pela crueza cênica retratada em cada um dos assassinatos e em como a história se desenrola para nos entregar uma terrível conclusão. Mas, quase trinta anos mais tarde, é notável a crescente importância do longa-metragem para compreender o significado de fazer cinema e para reflexões sobre alegorias audiovisuais, a psique humana e a tragédia como espetáculo social. Não é surpresa, pois, que o longa se configure como um dos melhores lançados por Fincher e que, mesmo com o reconhecimento, merecia ainda mais nossa atenção.

Um dos temas principais é, como podemos imaginar, as múltiplas narrativas que tratam sobre os sete pecados capitais. O conjunto dos pecados representa uma espécie da fraqueza humana e um afastamento do homem do divino – o que explica sua mundanidade e o torna passível de cometer diversos erros. Entretanto, em ‘Se7en’, a notabilidade do equívoco humana toma uma nova proporção, em que o vilão conhecido como John Doe (e que nos é revelado sendo Kevin Spacey apenas no ato final da obra) quer expor a podridão daqueles que escondem quem realmente são através de um mandatório enfrentamento dos demônios interiores.

O primeiro pecado a ser “eternizado” é o da gula, em que um homem obeso é amarrado a uma cadeira e forçado a comer até morrer (supracitado nos parágrafos acima); o segundo traz um advogado de defesa obrigado a cortar quase meio quilo da própria carne e morrendo em virtude de hemorragia, representando a ganância; o terceiro refere-se a um traficante de drogas e pedófilo que foi encarcerado em uma cama sem poder se mexer, representando a preguiça; o quarto força um homem a estuprar uma prostituta com uma cinta feita com facas, fazendo menção à luxúria; a quinta vítima, símbolo do orgulho; é uma modelo cujo rosto foi mutilado por John Doe, tendo a opção de viver o resto da vida desfigurada ou se suicidar ao tomar uma quantidade considerável de pílulas; e, por fim, o próprio assassino e o ímpeto de Mills completam o ciclo de terror com a inveja e a ira, respectivamente.

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Inúmeras referências podem ser vistas nos eventos que tomam forma: Dante Alighieri e sua ‘Divina Comédia’, bem como Geoffrey Chaucer e ‘Os Contos da Cantuária’, são trazidos para a mente distorcida de Fincher e para o roteiro de Andrew Kevin Walker. Ambas as clássicas produções literárias ganham uma roupagem modernizada e repaginada em que os ensinamentos e os tipos sociais imortalizados por Alighieri e Chaucer são transpostos na iminente ruína do que conhecemos como humanidade e como, eventualmente, nada do que fazemos importa frente à inexorabilidade dos nossos pecados. Ora, até mesmo William Shakespeare e ‘O Mercador de Veneza’ são mencionados de modo indireto no longa-metragem, em que o antagonista Shylock é uma das personificações encarnadas por John Doe – ainda que a caracterização do personagem seja alvo de consideráveis problemáticas.

Mas isso não é tudo: o objetivo de John Doe é provar um ponto – que a bondade não existe e que todos estamos fadados a cometer erros drásticos. Como vemos no filme, os detetives encarregados pelo caso não conseguem resolvê-lo; pelo contrário, é o assassino que resolve se entregar para a polícia e revelar onde estão as vítimas finais, desde que Somerset e Mills o acompanhem. Caso eles se neguem a levá-lo, ele irá alegar insanidade e sairá ileso dos crimes que cometeu. E é nesse ato de triunfo, que concretiza os planos do personagem de Spacey, que os dois protagonistas enfrentam a si mesmos em uma luta pelo que representam. Em uma complexa releitura de ‘Édipo Rei’, a personalidade já conflitante dos investigadores é pincelada com o embate beligerante entre o estoicismo e a integridade de Somerset e a impetuosidade explosiva de Mills – cujo destino escrito numa irônica espécie de fortunae é o que prenuncia a infelicidade do grand finale.

‘Se7en – Os Sete Crimes Capitais’ permanece vivo como uma das maiores obras-primas da sétima arte e, mesmo se valendo de fórmulas vistas constantemente no gênero, consegue se transformar em algo original e que nos tira o fôlego desde o primeiro até o último minuto.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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