No mesmo ano em que as rádios nacionais eram dominadas por Raimundos (Mulher de Fases), P. O. Box (Papo de Jacaré) e Karametade (Morango do Nordeste), o cinema nos presenteou com inúmeras produções as quais o CinePOP não vai deixar cair no esquecimento. Aquele ano começou com o Bug do Milênio e terminou com George Bush sendo eleito presidente dos Estados Unidos, contra Al Gore (roteirista de Uma Verdade Inconveniente [2006]).
Por terras verde-amarelas, a comemoração dos 500 anos do Brasil tornou-se tema recorrente nas ruas, no Carnaval e obras televisivas, mas também chegou ao cinema umas das obras mais memoráveis do acervo nacional, com Selton Mello e Matheus Nachtergaele. Igualmente foi o ano do sequestro do ônibus 174, no Rio de Janeiro. O infeliz episódio foi representado no documentário Ônibus 174 (2002), de José Padilha, e na ficção Última Parada 174 (2008), de Bruno Barreto.
Voltando às produções de 2000, confira a nossa lista de 20 obras marcantes daquele ano, sem ordem de preferência:
1- O Auto da Compadecida (A Dog’s Will, Brasil)
Encurtado do seriado homônimo exibido pela rede Globo no ano anterior, o filme de Guel Arraes tornou-se fenômeno de bilheteria em 2000 no país. Podem passar 20, 30, 50 anos e as tiradas de João Grilo (Matheus Nachtergaele) e Chicó (Selton Mello) não perderão jamais a graça e a irreverência sobre o bem e o mal, a riqueza e a pobreza, e, sobretudo, o céu e o inferno. Com participação especial de Fernanda Montenegro, a obra de Ariano Suassuna é um retrato alegórico das crenças do nosso Brasilzão e a gente jamais esquecerá este bordão: “eu não sei, só sei que foi assim”.
2 – Todo Mundo em Pânico (Scary Movie, EUA)
Quando lançado o filme tornou-se sucesso imediato, apesar de condenado pela crítica que não via muita graça e originalidade na paródia de outros filmes do gênero terror, além da comédia [American Pie (1999)] e romance [Grease (1978)]. Baseada principalmente nos enredos de Pânico (1996) e Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado (1997), a obra dos irmãos Wayans foi a sensação de 2000, tanto que rendeu mais quatro sequências entre 2001 e 2015.
3 – Erin Brockovich: Uma Mulher de Talento (Erin Brockovich, EUA)
Aproveitando ao máximo o talento de Julia Roberts, esta cinebiografia supera alguns deslizes e proporciona uma trama inteligente, simpática e engraçada. Apesar das cinco nomeações ao Oscar, a obra de Steven Soderbergh garantiu apenas a estatueta à irreverência de Roberts. A atriz já havia recebido duas indicações anteriores por Uma Linda Mulher (1990) e Flores de Aço (1989).
4 – Missão: Impossível 2 (Mission: Impossible II, EUA)
Seu cérebro pode desejar algo mais substancial, no entanto, os seus olhos se deleitarão com todas as incríveis cenas de ação desta sequência do agente Ethan Hunt (Tom Cruise). No estilo James Bond, Tom Cruise domina a tela com seu carisma e cenas engenhosas. Nesta continuação, o diretor John Woo introduz as artes marciais ao estilo de Hong Kong e evita as manobras políticas do seu antecessor em favor da adrenalina.
5 – X-Men (X-Men, EUA)
Este é o primeiro filme da franquia X-Men, a qual coleciona altos [Logan (2017)] e baixos [X-Men: Fênix Negra (2019)]. Fiel aos quadrinhos e repleta de ação, a produção de Bryan Singer foi bem recebida pelo público e tornou atores como Hugh Jackman (Wolverine), Famke Janssen (Jean Grey) e James Marsden (Ciclope) eternizados em seus personagens. Não podemos esquecer também da incrível dobradinha de Patrick Stewart (Professor Xavier) e Ian McKellen (Magneto).
6 – Premonição (Final Destination, EUA)
Com a premissa de que a gente não pode escapar da morte, o filme de James Wong tornou-se um dos maiores sucesso do gênero terror na virada do milênio. O estilo serviu de inspiração para uma dúzia de obras com mortes bizarras, tais como Jogos Mortais (2004) e A Hora da Sua Morte (2019). O sucesso rendeu mais quatro sequências, entre 2003 e 2011, e nos deixou apavorados com os antes inofensivos elevadores e escadas de incêndio.
7 – A Praia (The Beach, EUA)
Após o estrondoso sucesso de Titanic (1997), Leonardo DiCaprio arriscou-se nesta adaptação do aclamado romance de Alex Garland, sob a direção de Danny Boyle. Apesar de controverso entre os críticos, a história do norte-americano (DiCaprio) que encontra um local paradisíaco e quase inabitado na Tailândia é instigante. Seu problema, no entanto, é o roteiro superficial e confuso comparado à obra literária, embora tenha uma belíssima fotografia. Posteriormente, o local de filmagens na ilha de Koh Phi Phi Leh tornou-se uma famosa atração turística, entretanto, atualmente é considerado zona de preservação ambiental.
8 – Gladiador (Gladiator, EUA/ Reino Unido/ Malta)
Ganhador de cinco Oscars, a grandiosa (2h51m) obra de Ridley Scott é um dos melhores filmes lançados em 2000, seja pelo primor cinematográfico de reconstrução do império romano, seja pelas excelente atuações de Russel Crowe e Joaquin Phoenix. Saudosistas das superprodução sessentistas, tal como Spartacus (1960) e Ben-Hur (1959), vibraram com a chegada desta obra-prima aos cinemas. Infelizmente, em tempos mais recentes presenciamos a tentativa sem êxito de Êxodo: Deuses e Reis (2014) e a desnecessária refilmagem Ben-Hur (2016).
9 – Traffic (Traffic, EUA/ México/ Alemanha)
Com uma narrativa entrecortada entre três histórias, Steven Soderbergh dirige magistralmente um elenco repleto de estrelas nesta brilhante dinâmica sobre poder e corrupção. Caminhando pelos diversos meandros do mundo das drogas, a obra mostra que as questões éticas são mais cinzas do que em preto e branco, ou seja, não existem mocinhos e nem vilões bem definidos. Destaque para uma das melhores atuações do porto-riquenho Benicio Del Toro. Lançando em dezembro de 2000 nos Estados Unidos, o filme chegou ao Brasil em março de 2001.
10 – Náufrago (Cast Away, EUA)
O que torna este filme tão memorável? Com certeza, a resistência dos envelopes FedEx e a icônica bola Wilson. Merchandising à parte, a aventura de Robert Zemeckis é mais que uma história de solidão e superação, na verdade, é uma ode ao amor, tendo a doação física e emocional total de Tom Hank em uma das suas mais brilhantes performances. Esta foi uma das suas seis nomeações ao Oscar.
11 – Alta Fidelidade (High Fidelity, EUA)
Nesta adaptação fiel do romance de Nick Hornby, John Cusack exerce um dos mais brilhantes papéis da sua carreira. Celebrado por todos os adoradores do cinema alternativo, o personagem Rob Gordon (Cusack) é ícone da faceta do anti-herói. Desolado pelo abandono da atual namorada (Iben Hjejle), ele entra em uma viagem narrativa ao elencar seus cinco piores términos, além de todos os outros elementos da sua vida. Tudo merece um TOP 5!
Após 20 anos, no dia 14 de fevereiro, o canal Hulu lançou um seriado de 10 episódios baseado na mesma história, só que com o gênero dos personagens invertidos. Isto é, a obra é protagonizada por Zoë Kravitz, no papel de Rob, mas, vale lembrar, que a sua mãe Lisa Bonet viveu a cantora Marie de Salle na produção original.
12 – Miss Simpatia (Miss Congeniality, EUA)
Embora Sandra Bullock seja responsável pelo charme e todos os momentos cômicos do filme, a produção ainda é bastante vilipendiada pelo roteiro pouco criativo. Recheado de clichês e, principalmente, a velha fórmula do banho de loja e maquiagem para tornar uma mulher atraente, o filme não foi bem recebido pela crítica. Por outro lado, tornou-se fenômeno de público e a Warner lançou uma sequência, ainda mais desgastada, em 2005.
13 – Quase Famosos (Almost Famous, EUA)
Assim como Alta Fidelidade (2000), a produção de Cameron Crowe é queridinha dos amantes do cinema cult. Afinal quem não ama a época do sexo e rock ‘n’ roll, misturada a um pouco de ingenuidade e romance? Através do olhar de um adolescente de 15 anos (Patrick Fugit), a obra é um belo retrato dos anos 1970 e acompanha a turnê da fictícia banda Stillwater pelos Estados Unidos. Destaque para atuação impecável de Kate Hudson, como Penny Lane, e a memorável cena de todo o elenco cantando “Tiny Dancer”, de Elton John, lançada em 1971.
14 – Malena (Malèna, Itália/EUA)
Mais uma vez sob a perspectiva de um adolescente, a obra italiana de Giuseppe Tornatore conta a história do despertar sexual de Renato Amoroso (Giuseppe Sulfaro) com a chegada da bela Malena (Monica Bellucci) em uma pequena vila da Sicília em 1941. Esposa de um dos soldados em combate durante a Segunda Guerra, Malena é cobiçada pelos homens da região e invejada pelas mulheres. Quando seu marido é dado como morto, sua odisseia de sofrimento e desgraça é embalada pela trilha sonora de Ennio Morricone, além da belíssima fotografia de Lajos Koltai.
15- Dançando no Escuro (Dancer In the Dark, Dinamarca/França/EUA)
Se você apenas conhece as obras de Lars Von Trier dos últimos 10 anos, é hora de voltar 24 anos atrás e assistir a este primor cunhado pelo diretor dinamarquês ao lado da cantora islandesa Björk. O musical apresenta um enredo de sonhos, superação e abnegação, sendo impossível sentir-se indiferente em relação à personagem Selma Jezkova (Björk). Prepare-se para o angustiante percurso de uma mãe em meio a cegueira crescente para salvar o filho da mesma doença genética. Destaque para a canção “I’ve Seen It All”, indicada ao Globo de Ouro e ao Oscar.
16 – Amor à flor da pele (Faa yeung nin wa, Hong Kong/ China, 2000)
Através da deslumbrante fotografia de Christopher Doyle, a obra-prima de Wong Kar-Wai é uma inebriante história de amor nunca consumada e completamente envolvente pela estética de cores quentes e pulsações sexuais. Lançada no festival de Cannes em 2000, a obra chegou aos cinemas nacionais apenas em fevereiro de 2001, mas a gente não poderia deixar de data-lhe com a exatidão do seu sucesso. A produção ganhou duas palmas de ouro: uma para equipe técnica e outra para o ator Tony Leung Chiu-Wai.
17 – Batalha Real (Battle Royale, Japão)
Você provavelmente conhece a franquia Jogos Vorazes (2012-2015), não é mesmo? Contudo, conhece a obra que provavelmente inspirou a escritora Suzanne Collins? Com o lançamento da adaptação cinematográfica em 2012, a comparação entre as duas obras foi imediata, no entanto, o filme japonês é baseado no romance homônimo do escritor Koushun Takami, de 1999.
Brutal e violento, o longa apresenta a premissa de um governo autoritário que aprisiona 42 alunos do ensino médio em um campo e lhes propõe como única saída: apenas um sobrevivente. Sem nenhuma preparação e totalmente surpresos pela proposta dada, os adolescentes lutam para escapar de suas coleiras eletrônicas e assassinar os seus amigos. Evidentemente, a obra é bem mais intensa que Jogos Vorazes.
18 – Réquiem para um sonho (Requiem for a Dream, EUA)
Logo depois da obra surrealista Pi (1998), Darren Aronofsky foi catapultado ao estrelato por meio deste drama com elementos de horror e gore. O diretor novaiorquino apresenta o mundo do vício de forma grosseira e vibrante, tornando a maioria de suas cenas indeletáveis da memória. Com um elenco de atuação extraordinária, destaque para Ellen Burstyn, o filme é obrigatório aos ávidos por uma imersão cinematográfica. Aliás, como toda a cinematografia de sete longas-metragens de Aronofsky.
19 – Psicopata Americano (American Psycho, EUA)
Para alguns a adaptação está aquém do romance de Bret Easton Ellis, entretanto, sob a tutela da canadense Mary Harron, o filme ganhou o seu próprio tempero na mistura de horror e humor. Seu sucesso é advindo principalmente da assustadora performance de Christian Bale. A premissa desta sátira é simples: se você é um homem branco e rico na América, pode se safar de tudo. Assassinato e estupro? Cometa-os sem pudor, porque o mundo está aos seus pés. Atenção: as últimas frases são uma grande ironia.
20 – Amnésia (Memento, EUA)
Christopher Nolan adora colocar os nossos neurônios para trabalhar, este é o segundo longa do então promissor diretor. Após lançar Following (1998), o suspense protagonizado por Guy Pearce foi o seu grande salto ao sucesso e o levou à indicação de dois Oscars: melhor roteiro original e edição, ou seja, as duas maçãs douradas da trama. Sua original narrativa deslocada da linearidade e picotada entre episódios é um dos mais engenhosos roteiros do cinema até a atualidade.