terça-feira , 5 novembro , 2024

Dica de Filme | ‘Judy: Muito Além do Arco-Íris’, o filme que rendeu a Renée Zellweger seu segundo Oscar

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Em 1969, a lendária Judy Garland chegava em Londres para performar no icônico clube Talk of the Town, com contrato fechado para cinco semanas seguidas. O imortalizado ícone do cinema passava por uma profunda depressão mascarada, banhando-se em barbitúricos para conseguir dormir e mantendo-se acordada para suas apresentações impecáveis com doses e mais doses de anfetaminas. Não é surpresa que a saúde da artista já estivesse por um fio e já começasse a se manifestar em seu trôpego jeito de andar ou nos pigarros constantes que internalizava no momento de seus shows. Seis meses depois de última aparição nos palcos, ela faleceu devido a uma overdose não intencional e comoveu o mundo – sendo relembrada até hoje como um dos maiores nomes da indústria do entretenimento. 

Judy sem sombra de dúvida é uma controversa figura que foi idealizada para seus fãs e a mando de um cruel estúdio e um cronograma fílmico exaustivo – principalmente para uma jovem de dezessete anos obrigada a amadurecer às vésperas de estrelar num grandioso longa-metragem, O Mágico de Oz. Com uma voz eterna e um legado que a enxerga como um dos emblemas da comunidade LGBTQ+ ao lado da filha, Liza Minnelli, sua vida permaneceu encoberta por tabloides mentirosos e distorções de imprensa que viriam à tona muito tempo depois de seu precoce falecimento. E é justamente a isso que o diretor Rupert Goold pretende fazer com a cinebiografia Judy: Muito Além do Arco-Íris’ – mesmo que falhe em mergulhar mais fundo que a superfície.

A narrativa, assinada por Tom Edge e baseada na peça de Peter Quilter, se inicia nos bastidores do filme dirigido por Victor Fleming em 1939, onde uma jovem Garland (Darci Shaw) é levada a abdicar de sua ingenuidade e de sua infância através de uma infeliz sutileza crítica escolhida por Goold – e que reflete o momento em que a menina foi abusada pelo produtor Louis B. Mayer. Logo depois, viajamos no tempo para a época em que a artista, agora encarnada pela irretocável Renée Zellweger, aceitava fazer pequenos trabalhos para conseguir o mínimo possível para sobreviver ao lado dos dois filhos mais novos (seus bens mais preciosos) e lidar com uma luta judicial que poderia culminar na perda da guarda dos pequenos. 

Durante toda a produção, fica óbvio que o foco é direcionado exclusivamente à Zellweger. Seja na pesada maquiagem que a envelhece algumas décadas e traduz os duros traumas pelos quais a performer passou, seja na canalização da essência de Garland – mostrada claramente pelos tiques com as mãos, pelo repuxo dos lábios e pela leve corcunda do pescoço enquanto anda. Mais do que isso, a atriz, que já havia nos mostrado suas habilidades musicais com Roxie Hart em Chicago (2002), demonstra pleno conhecimento dos timbres, da tecedura e da estética de Garland ao levá-la para as telonas em uma perspectiva única e que se afasta de uma mera cópia biográfica. 

Através do desenrolar da trama, percebe-se que as intenções do diretor e de sua equipe técnica são as mais puras possíveis: Judy é retratada com compaixão (um pouco excessiva demais), humanizando-a de diversas formas enquanto a retira de um espaço complacente encarado com equívoco normalizado por aqueles que se aventuram na vida dessa lenda. Goold almeja a uma construção multi-cronológica que invade um passado conturbado e o “analisa” dentro de um consecutivo presente marcado pelo esquecimento e pelas glórias de um tempo que talvez não volte mais. É claro que certas pessoas – principalmente a comunidade britânica representada pelos rostos dos fãs incondicionais de Andy Nyman e Daniel Cerqueira e até mesmo da calculista assistente interpretada por Jessie Buckley – a respeitam e desejam continuar seu legado para a posteridade, mas os obstáculos postos nesse trajeto são brutais e comoventes. 

De qualquer forma, essa singela minúcia é cansativa e, como já mencionado, supérflua demais para alguém como Garland. A viagem temporal explanada nas telonas é artificial e insurge como uma fragmentada decisão de facilitar nossa compreensão da história – deixando nítido que a personagem titular, por mais que tentasse fugir do estrelato, era sempre sequestrada de volta e forçada a entrar num ciclo compulsório que destruiu todos os seus ideais e que a afastou da uma coisa de extrema importância: sua sanidade mental. É essa a explicação fornecida pelo filme para nos mostrar que ela merece um eterno e pacífico descanso. 

O ritmo dos três atos também oscila entre uma exaltação frenética e um melodrama constante impregnado no roteiro de modo intrínseco. Felizmente, a carga trágica, romantizada por uma necessidade inexplicável de se conectar com uma parcela da audiência que talvez nem saiba da importância desse ícone para a cultura dos dias de hoje, é mesclada com a complexa tarefa de Zellweger em dar tudo de si e carregar o longa em suas costas, cuidando para que cada lágrimas e cada hesitação esteja posta em seu devido lugar. 

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Judy sem sombra de dúvida é uma controversa figura que foi idealizada para seus fãs e a mando de um cruel estúdio e um cronograma fílmico exaustivo – principalmente para uma jovem de dezessete anos obrigada a amadurecer às vésperas de estrelar num grandioso longa-metragem, O Mágico de Oz. Com uma voz eterna e um legado que a enxerga como um dos emblemas da comunidade LGBTQ+ ao lado da filha, Liza Minnelli, sua vida permaneceu encoberta por tabloides mentirosos e distorções de imprensa que viriam à tona muito tempo depois de seu precoce falecimento. E é justamente a isso que o diretor Rupert Goold pretende fazer com a cinebiografia Judy: Muito Além do Arco-Íris’ – mesmo que falhe em mergulhar mais fundo que a superfície.

A narrativa, assinada por Tom Edge e baseada na peça de Peter Quilter, se inicia nos bastidores do filme dirigido por Victor Fleming em 1939, onde uma jovem Garland (Darci Shaw) é levada a abdicar de sua ingenuidade e de sua infância através de uma infeliz sutileza crítica escolhida por Goold – e que reflete o momento em que a menina foi abusada pelo produtor Louis B. Mayer. Logo depois, viajamos no tempo para a época em que a artista, agora encarnada pela irretocável Renée Zellweger, aceitava fazer pequenos trabalhos para conseguir o mínimo possível para sobreviver ao lado dos dois filhos mais novos (seus bens mais preciosos) e lidar com uma luta judicial que poderia culminar na perda da guarda dos pequenos. 

Durante toda a produção, fica óbvio que o foco é direcionado exclusivamente à Zellweger. Seja na pesada maquiagem que a envelhece algumas décadas e traduz os duros traumas pelos quais a performer passou, seja na canalização da essência de Garland – mostrada claramente pelos tiques com as mãos, pelo repuxo dos lábios e pela leve corcunda do pescoço enquanto anda. Mais do que isso, a atriz, que já havia nos mostrado suas habilidades musicais com Roxie Hart em Chicago (2002), demonstra pleno conhecimento dos timbres, da tecedura e da estética de Garland ao levá-la para as telonas em uma perspectiva única e que se afasta de uma mera cópia biográfica. 

Através do desenrolar da trama, percebe-se que as intenções do diretor e de sua equipe técnica são as mais puras possíveis: Judy é retratada com compaixão (um pouco excessiva demais), humanizando-a de diversas formas enquanto a retira de um espaço complacente encarado com equívoco normalizado por aqueles que se aventuram na vida dessa lenda. Goold almeja a uma construção multi-cronológica que invade um passado conturbado e o “analisa” dentro de um consecutivo presente marcado pelo esquecimento e pelas glórias de um tempo que talvez não volte mais. É claro que certas pessoas – principalmente a comunidade britânica representada pelos rostos dos fãs incondicionais de Andy Nyman e Daniel Cerqueira e até mesmo da calculista assistente interpretada por Jessie Buckley – a respeitam e desejam continuar seu legado para a posteridade, mas os obstáculos postos nesse trajeto são brutais e comoventes. 

De qualquer forma, essa singela minúcia é cansativa e, como já mencionado, supérflua demais para alguém como Garland. A viagem temporal explanada nas telonas é artificial e insurge como uma fragmentada decisão de facilitar nossa compreensão da história – deixando nítido que a personagem titular, por mais que tentasse fugir do estrelato, era sempre sequestrada de volta e forçada a entrar num ciclo compulsório que destruiu todos os seus ideais e que a afastou da uma coisa de extrema importância: sua sanidade mental. É essa a explicação fornecida pelo filme para nos mostrar que ela merece um eterno e pacífico descanso. 

O ritmo dos três atos também oscila entre uma exaltação frenética e um melodrama constante impregnado no roteiro de modo intrínseco. Felizmente, a carga trágica, romantizada por uma necessidade inexplicável de se conectar com uma parcela da audiência que talvez nem saiba da importância desse ícone para a cultura dos dias de hoje, é mesclada com a complexa tarefa de Zellweger em dar tudo de si e carregar o longa em suas costas, cuidando para que cada lágrimas e cada hesitação esteja posta em seu devido lugar. 

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