domingo , 22 dezembro , 2024

Dica do Fim de Semana | ‘Estrelas de Cinema Nunca Morrem’ é um poderoso drama biográfico que não tem o devido reconhecimento

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Chega uma época em que atrizes e atores lendários ganham pequenas homenagens acerca de sua imensa filmografia e sua colaboração para o cinema como o conhecemos hoje. E o diretor Paul McGuigan decidiu em meio a diversos projetos focar na conturbada vida de Gloria Grahame, uma das artistas mais conhecidas da era clássica da indústria cinematográfica que encontrou sua ruína por causa do amor verdadeiro. Sim, é exatamente isso: Grahame, em toda sua incrível habilidade cênica que lhe rendeu papéis em longas memoráveis – como o inesquecível A Felicidade Não se Compra’foi praticamente apagada conforme chegava aos últimos anos de sua vida por ter mergulhado em um círculo proibido e repleto de tabus que ainda hoje são discutidos com certo temor.

Sabe-se que a transição da década de 1970 para a de 1980 tornou-se um dos períodos mais conturbados de toda a História, principalmente se levarmos em conta a crise do petróleo que repousou bruscamente nos colos estadunidenses e, consequentemente, alastrou-se para todos os seus aliados – incluindo a Europa. Como forma de resgatar valores há muito esquecidos de modo proposital (afinal, é costumeiro que a sociedade passe por um processo denominado evolução), uma onda conservadora tentou retomar os “anos de glória”, impactando até mesmo no cotidiano de inúmeras pessoas – incluindo Grahame. Estrelas de Cinema Nunca Morrem é, eventualmente, uma ode ao livre arbítrio e à liberdade de expressão que nos é esquecida nos momentos mais cruciais da vida, e o próprio longa de McGuigan já se inicia com o peso necessário para explorar a narrativa principal.



Annette Bening encarna a protagonista de modo soberbo, passando por um processo de caracterização que a deixa quase irreconhecível. As marcas em seu rosto podem parecer saturadas além da conta, porém é necessário dizer que o jogo de luz conversa diretamente com essa escolha estética: no início do primeiro ato, construído através de vários enquadramentos fechados que refletem o intimismo do microcosmos em questão, temos Grahame desmontada e desconstruída, mostrando sua vulnerabilidade, e logo depois se maquiando e se transformando na imortal atriz adorada por uma legião de fãs. Ela sabe de sua condição como influenciadora, por assim dizer, e a armadura que veste até mesmo contribui para sua sanidade mental. Entretanto, as coisas não são tão simples assim e, como é de se esperar, ela acaba por sentir o peso da idade e cede às dores de uma doença que até então não era tratada com o devido cuidado: o câncer.

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A nossa “heroína” é forte. Essencialmente. E é essa negação por qualquer ajuda que abre espaço para a exploração desse incrível potencial humano e que nos aproxima de uma celebridade intocável. Tal patamar endeusado sofre uma mudança de ares quando ela é resgatada por seu ex-amante, o jovem aspirante a ator Peter Turner (Jamie Bell), o qual desenterra seus sentimentos para tornar seus últimos momentos os mais suportáveis possível. Logo de cara conseguimos sentir a química entre os dois atores: a faísca de um antigo relacionamento que desperta sem precedentes é carregada pelos olhares pesarosos que substituem a necessidade de diálogos autoexplicativos ou qualquer coisa do tipo. Os laços também são reafirmados pela presença dos inúmeros coadjuvantes – incluindo Julie Walters em uma rendição aplaudível de Bella Turner, mãe de Peter que sempre enxergou Grahame como sua própria filha.

McGuigan faz bom uso da montagem anacrônica para ir e vir no tempo, retornando através de transições muito sutis para dois anos antes, momento no qual Peter e Gloria se conhecem e passam pela previsível, porém adorável jornada romântica. Ambos são dotados de personalidades distintas – Grahame é irreverente, e mesmo com certa idade mostra o mesmo vigor de quando era mais jovem, enquanto Turner é um pouco mais introspectivo, apaixonado e carismático, desenvolvendo uma boa relação com todos. Os dois se conhecem realmente do modo mais improvável possível e protagonizam uma cena de dança que marca a primeira fusão de suas ideologias acerca do que é o amor de fato – e o mais interessante é que ambos compartilham da ideia de que esse conceito inquebrantável e milenar não reconhece idade ou gênero.

Caso a linha narrativa se mantivesse dentro de um círculo encarcerado, o duo teria todas as ferramentas para construírem-se dentro de um novo âmbito; entretanto, o filme faz questão de nos lembrar em que época estamos e como amar não é tão simples assim. Eles passarão por obstáculos que constantemente colocarão algo tão puro em cheque ou até mesmo em represália por questões banais. Isso parte de diversas instâncias das duas partes da trama, incluindo família – que interpreta um papel fundamental para a dissociação do casal a um prazo mais curto que o esperado – e até mesmo pessoas que não estão ligadas a eles, mas que encaram aquilo como um afronte. “Não se case com ela. Mesmo que ela implore”, ouvimos a mãe de Gloria dizer desesperadamente para Peter.

É claro que, em uma obra como esta, a estética não poderia ser deixada de lado: a paleta de cores e a escolha das técnicas de enquadramento seguem um padrão em crescendo que perpassa por todas as fases do conturbado relacionamento, optando por cores mais vibrantes e que se mesclam umas às outras durante os dois primeiros atos – e que atinge o ápice da construção amalgamada quando os dois se mudam para uma pequena casa à beira de um lago -, apenas para preparar terreno à neutralidade da profusão artística, embebendo cada um dos protagonistas em seu próprio mundo, ao mesmo tempo compartilhado e isolado per se. Todo esse paradoxal escopo é de suma importância para compreendermos o que existe por trás da superfície e entre as linhas de uma história que, a priori, parece simplista.

Estrelas de Cinema Nunca Morrem pode até ceder a alguns clichês do gênero; todavia, tais equívocos conseguem ser ofuscados principalmente pela rendição de Bening e de Bell a seus personagens, criando magia em algo que não poderia ser quebrado. E, sem sombra de dúvida, essa é uma das pequenas joias do cinema contemporâneo que busca humanizar ícones da própria indústria em uma investida emocionante e satisfatória.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Chega uma época em que atrizes e atores lendários ganham pequenas homenagens acerca de sua imensa filmografia e sua colaboração para o cinema como o conhecemos hoje. E o diretor Paul McGuigan decidiu em meio a diversos projetos focar na conturbada vida de Gloria Grahame, uma das artistas mais conhecidas da era clássica da indústria cinematográfica que encontrou sua ruína por causa do amor verdadeiro. Sim, é exatamente isso: Grahame, em toda sua incrível habilidade cênica que lhe rendeu papéis em longas memoráveis – como o inesquecível A Felicidade Não se Compra’foi praticamente apagada conforme chegava aos últimos anos de sua vida por ter mergulhado em um círculo proibido e repleto de tabus que ainda hoje são discutidos com certo temor.

Sabe-se que a transição da década de 1970 para a de 1980 tornou-se um dos períodos mais conturbados de toda a História, principalmente se levarmos em conta a crise do petróleo que repousou bruscamente nos colos estadunidenses e, consequentemente, alastrou-se para todos os seus aliados – incluindo a Europa. Como forma de resgatar valores há muito esquecidos de modo proposital (afinal, é costumeiro que a sociedade passe por um processo denominado evolução), uma onda conservadora tentou retomar os “anos de glória”, impactando até mesmo no cotidiano de inúmeras pessoas – incluindo Grahame. Estrelas de Cinema Nunca Morrem é, eventualmente, uma ode ao livre arbítrio e à liberdade de expressão que nos é esquecida nos momentos mais cruciais da vida, e o próprio longa de McGuigan já se inicia com o peso necessário para explorar a narrativa principal.

Annette Bening encarna a protagonista de modo soberbo, passando por um processo de caracterização que a deixa quase irreconhecível. As marcas em seu rosto podem parecer saturadas além da conta, porém é necessário dizer que o jogo de luz conversa diretamente com essa escolha estética: no início do primeiro ato, construído através de vários enquadramentos fechados que refletem o intimismo do microcosmos em questão, temos Grahame desmontada e desconstruída, mostrando sua vulnerabilidade, e logo depois se maquiando e se transformando na imortal atriz adorada por uma legião de fãs. Ela sabe de sua condição como influenciadora, por assim dizer, e a armadura que veste até mesmo contribui para sua sanidade mental. Entretanto, as coisas não são tão simples assim e, como é de se esperar, ela acaba por sentir o peso da idade e cede às dores de uma doença que até então não era tratada com o devido cuidado: o câncer.

A nossa “heroína” é forte. Essencialmente. E é essa negação por qualquer ajuda que abre espaço para a exploração desse incrível potencial humano e que nos aproxima de uma celebridade intocável. Tal patamar endeusado sofre uma mudança de ares quando ela é resgatada por seu ex-amante, o jovem aspirante a ator Peter Turner (Jamie Bell), o qual desenterra seus sentimentos para tornar seus últimos momentos os mais suportáveis possível. Logo de cara conseguimos sentir a química entre os dois atores: a faísca de um antigo relacionamento que desperta sem precedentes é carregada pelos olhares pesarosos que substituem a necessidade de diálogos autoexplicativos ou qualquer coisa do tipo. Os laços também são reafirmados pela presença dos inúmeros coadjuvantes – incluindo Julie Walters em uma rendição aplaudível de Bella Turner, mãe de Peter que sempre enxergou Grahame como sua própria filha.

McGuigan faz bom uso da montagem anacrônica para ir e vir no tempo, retornando através de transições muito sutis para dois anos antes, momento no qual Peter e Gloria se conhecem e passam pela previsível, porém adorável jornada romântica. Ambos são dotados de personalidades distintas – Grahame é irreverente, e mesmo com certa idade mostra o mesmo vigor de quando era mais jovem, enquanto Turner é um pouco mais introspectivo, apaixonado e carismático, desenvolvendo uma boa relação com todos. Os dois se conhecem realmente do modo mais improvável possível e protagonizam uma cena de dança que marca a primeira fusão de suas ideologias acerca do que é o amor de fato – e o mais interessante é que ambos compartilham da ideia de que esse conceito inquebrantável e milenar não reconhece idade ou gênero.

Caso a linha narrativa se mantivesse dentro de um círculo encarcerado, o duo teria todas as ferramentas para construírem-se dentro de um novo âmbito; entretanto, o filme faz questão de nos lembrar em que época estamos e como amar não é tão simples assim. Eles passarão por obstáculos que constantemente colocarão algo tão puro em cheque ou até mesmo em represália por questões banais. Isso parte de diversas instâncias das duas partes da trama, incluindo família – que interpreta um papel fundamental para a dissociação do casal a um prazo mais curto que o esperado – e até mesmo pessoas que não estão ligadas a eles, mas que encaram aquilo como um afronte. “Não se case com ela. Mesmo que ela implore”, ouvimos a mãe de Gloria dizer desesperadamente para Peter.

É claro que, em uma obra como esta, a estética não poderia ser deixada de lado: a paleta de cores e a escolha das técnicas de enquadramento seguem um padrão em crescendo que perpassa por todas as fases do conturbado relacionamento, optando por cores mais vibrantes e que se mesclam umas às outras durante os dois primeiros atos – e que atinge o ápice da construção amalgamada quando os dois se mudam para uma pequena casa à beira de um lago -, apenas para preparar terreno à neutralidade da profusão artística, embebendo cada um dos protagonistas em seu próprio mundo, ao mesmo tempo compartilhado e isolado per se. Todo esse paradoxal escopo é de suma importância para compreendermos o que existe por trás da superfície e entre as linhas de uma história que, a priori, parece simplista.

Estrelas de Cinema Nunca Morrem pode até ceder a alguns clichês do gênero; todavia, tais equívocos conseguem ser ofuscados principalmente pela rendição de Bening e de Bell a seus personagens, criando magia em algo que não poderia ser quebrado. E, sem sombra de dúvida, essa é uma das pequenas joias do cinema contemporâneo que busca humanizar ícones da própria indústria em uma investida emocionante e satisfatória.

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