
Você viu aquele filme nacional sobre a ditadura militar, que é estrelado pela Fernanda Torres, tem o Selton Mello e a Fernanda Montenegro, e que foi indicado ao Oscar? Se você pensou em Ainda Estou Aqui, não está de todo errado. Afinal, o longa conquistou três indicações ao Oscar, incluindo a inédita de Melhor Filme, e aparentemente tem grandes chances de trazer a primeira estatueta para o Brasil. Porém, o filme que estamos falando é O Que É Isso, Companheiro?.
Dirigido por Bruno Barreto, o thriller político é um dos mais curiosos e interessantes da história do cinema brasileiro, a começar pelo elenco. A trama é pesada e os papéis trazem uma carga dramática intensa, então chama atenção que os atores e atrizes escalados sejam praticamente o mesmo time que arrancaria gargalhadas do público da TV Globo nos anos seguintes. O grande protagonista é o jovem jornalista Paulo, que é interpretado por Pedro Cardoso, o eterno Agostinho Carrara de A Grande Família. Junto a ele, Fernanda Torres (consagrada na comédia em Os Normais e Tapas & Beijos) e Luiz Fernando Guimarães (Os Normais e Minha Nada Mole Vida) interpretam guerrilheiros sérios. Não bastasse a dupla, Selton Mello e Matheus Nachtergaele, os eternos Chicó e João Grilo de O Auto da Compadecida, completam o grupo, sendo Nachtergaele dono de um papel extremamente sério.
E mesmo com esse dream team do humor, o filme se mantém fiel à seriedade que a história demanda, com Bruno extraindo o que esse elenco tinha de melhor. E vale destacar que o embaixador é interpretado pelo também genial Alan Arkin (Pequena Miss Sunshine), que traz uma atuação contida e significativa, falando em inglês e português. É uma equipe genial que leva o trabalho muito a sério e passa todas as nuances da preparação de um sequestro, dos desafios de não se envolver com o sequestrado e as incertezas de estarem ou não fazendo o que consideram melhor para o país, adentrando brevemente em temáticas como a hierarquia das guerrilhas e a precariedade que o país enfrentava naquela época.
E grande parte da genialidade do projeto se dá pela habilidade do diretor de desmistificar figuras históricas, trazendo um elemento que costuma ser esquecido quando se aborda personagens dessa época tão complexa. Independentemente de seu viés político, é comum que haja um embate de narrativas sobre os guerrilheiros. Há quem os chame de vagabundos, há quem os trate como heróis. Mas, além dos rótulos, o filme faz questão de lembrar que por baixo dessas imagens há seres humanos. E como seres humanos, eles expressam medos, angústias, dúvidas e incertezas, incluindo sobre a ideologia e os limites que podem ou não ser ultrapassados em situações de extremo risco. E isso é estendido também ao embaixador.
Em histórias assim, é comum que haja heróis e vilões. Só que o roteiro se nega a tratar a questão de forma tão ‘preto no branco’ e explora esse lado cinzento de seus personagens, que eram, em grande maioria, jovens querendo aquilo que achavam melhor para o país: a democracia. E ter ao lado um embaixador do país que sempre se vendeu como a maior democracia do mundo é muito significativo. No fim das contas, o único grande vilão é mesmo o regime, como fica explícito pelas cenas finais.
Confesso que a ideia de indicar esse filme veio por conta do Clássico dos Milhões, o clássico entre Vasco e Flamengo que para a cidade do Rio de Janeiro, que acontecerá na noite deste sábado. Ao pensar no jogo, lembrei imediatamente deste filme. Isso porque ele tem uma das mais interessantes e bem construídas sequências dos thrillers nacionais, que acontece justamente durante uma partida entre os eternos rivais do futebol carioca.

Entretanto, por mais que essa passagem habite um grande espaço na minha mente, já que usa de planos abertos incríveis para dar a sensação de ‘perdido’, é justamente em situação oposta que o filme se consagra. As partes mais tensas do longa são ambientadas em quartos apertados, sem muita estrutura. Esses ambientes mais reclusos ajudam a construir deliciosamente um clima de suspense constante, com a clausura causando um incômodo proposital em quem assiste. São toques de genialidade que fazem desta obra um clássico necessário do cinema brasileiro, que também recebeu uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Internacional há 27 anos.