quinta-feira , 21 novembro , 2024

‘Dirty Harry’ e a Nova Hollywood | Uma volta ao passado da maior indústria de Cinema

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Obra de Don Siegel é um dos elementos mais famosos do movimento cinematográfico que tomou Hollywood

Até os anos setenta a indústria cinematográfica norte-americana tinha um jeito muito decidido de como fazer filmes. Chamada de “Hollywood Clássica” esse modelo de produção se notabilizou por instituir as regras básicas de como se produzir filmes no início do século XX até pouco depois de sua metade tais como uso de ambientes que pareçam realistas para o público, trabalho coordenado conjunto de todos os envolvidos na produção e a edição de continuidade deveria manter a história com um tom bastante suavizado.



A relação intrínseca entre cinema e sociedade, é claro, não pode ser excluída e para a fomentação das regras que pautaram Hollywood por algumas décadas essa ligação se torna mais esclarecedora. A economia dos EUA na primeira metade do século XX pode ser classificada como extrema, ou seja, tem seus momentos de pico altíssimos e outros de quedas vertiginosas. 

No início do período mencionado o país colheu os frutos do seu processo de industrialização intensificados após o fim da Guerra Civil. Logo em seguida as consequências da Primeira Guerra Mundial tornaram muitos países europeus em consumidores de bens em potencial, providenciando a economia americana um boom histórico. No artigo The Economics of World War I de Carlos Lozada é apontado que o conflito impactou significativamente a economia. “O longo período de neutralidade dos EUA realizou a conversão definitiva da economia para uma de tempos de guerra mais facilmente do que normalmente teria sido”.

“Mágico de Oz” é um exemplo de como a Hollywood Clássica pensava cinema

Com a perspectiva de uma economia em ascensão somada à breve participação do país na guerra e a ascensão de uma classe média, o cinema usufruiu desse momento provendo produtos que representavam a empolgação daqueles tempos; produções gigantescas com a presença de estrelas famosas se tornaram bastante comuns. Até mesmo nos conturbados anos 30, com a grande depressão, o modelo de cinema tentava transpor a mesma felicidade e otimismo por preços ainda mais baixos de modo a não deixar o moral público cair ainda mais.

A questão é que a partir do fim dos anos 60 o cenário seria outro totalmente diferente. Os benefícios colhidos após o fim da Segunda Guerra já haviam desaparecido. Internamente o país via o aumento exponencial de violência racial e tráfico de drogas. Externamente os EUA estavam se chafurdando na Guerra do Vietnã (que por si só causava convulsões sociais pelo elevado número de soldados mortos, acusações de crimes de guerra e a maior parte das convocações serem de negros ou cidadãos mais humildes no geral) e em 1973 ocorreu o baque da crise do petróleo patrocinado pela OPEP.

Nesse período também ocorreu um aumento de importância dada a produções que vinham de fora dos EUA; isso foi importante pois induziu novos artistas a ampliarem o olhar técnico para além do produto nacional. Akira Kurosawa puxava a revolução no cinema japonês, na França a Nouvelle Vague marcava território como um dos mais importantes movimentos do século e na Alemanha um novo cinema alemão surgia com Rainer Werner Fassbinder e Werner Herzorg. 

“Os Sete Samurais” de Kurosawa é um exemplo de trabalho que inspirou gerações de cineastas

É nesse tumulto que surge um novo movimento conhecido como Nova Hollywood. Este que foi um episódio em que uma nova geração de diretores (nomes como Steven Spielberg, Martin Scorsese, Francis Ford Coppola) apareceu para o público e com isso um novo ar foi trazido para o cinema. Por virem de setores variados da sociedade, essa geração tinha muito de suas ideias atreladas ao que eles estavam vivendo à época e à tradições culturais dos meios em que eles nasceram; o drama social possui voz ativa no processo criativo.

Tecnicamente a regra do movimento era de proporcionar filmes que apresentassem temas politizados e que os diretores não tivessem receio de abraçar discussões sobre a sexualidade, algo que também fomentava sua própria discussão mais ampla na sociedade. Produções de baixo orçamento também foram ganhando espaço e com isso o surgimento do cinema independente dos grandes estúdios foi possível.

A base para o movimento é creditada à estreia de Bonnie e Clyde de 1968, uma obra que reunia a violência do casal protagonista com um teor sexual que em outros tempos não teria sido tão popular. No entanto, o filme dialogou perfeitamente com o que os espectadores estavam vivenciando na pele. Um dos ícones do movimento, porém, só viria em 1971 quando o diretor Don Siegel decidiu por fazer um filme policial.

“Bonnie e Clyde” trabalhou todos os elementos que o público ansiava por ver em um filme

O cineasta já era famoso por fazer comentários sociais em suas obras. Nos anos 50 ele dirigiu o suspense Vampiros de Almas, que é inteiramente sobre a paranoia social da Guerra Fria. Agora, já sendo os anos 70, as preocupações eram outras e muitas delas associadas com o aumento exponencial da violência nas grandes cidades. Uma estimativa do Centro de Desastres indica que em 1970 a população estava avaliada em mais de duzentos milhões de habitantes com uma taxa de criminalidade em mais de oito milhões, sendo que desses oito, 738 mil foram identificados como violentos.

O medo social do crime diário, portanto, facilitou para que o projeto mostrasse automaticamente uma revanche frente a esse medo. É nesse ínterim que surge a figura do detetive Harry Callahan (interpretado por Clint Eastwood após disputas com Frank Sinatra pelo papel), um sujeito que é capaz de olhar os criminosos mais perigosos nos olhos e então puxar o gatilho da Magnum.44 sem necessariamente estar quebrando as leis.

Na trama, o protagonista precisa caçar um serial killer conhecido como Scorpio que está aterrorizando São Francisco. Seu modus operandi é o uso de um rifle de longa distância, o que torna qualquer identificação de suspeito bem mais difícil. O vilão é livremente baseado no Assassino do Zodíaco que aterrorizou a São Francisco real durante a década de 60.

O assassino Scorpio instaura o terror na cidade

Novamente, é Hollywood respondendo aos anseios da população, só que dessa vez não mais espelhando uma expectativa positiva para o futuro. Outros filmes do período também fizeram o mesmo: Taxi Driver mostrou o quão claustrofóbica estava a vida nas cidades, Chinatown desconstruiu o romantismo dos anos 40 com uma história bastante pesada, O Bebê de Rosemary lidou com os anseios de toda uma geração que estava a repensar as regras sociais de se constituir família.

Não surpreendentemente o filme gerou uma franquia com mais quatro continuações entre 1971 e 1988, cada uma colocando Callahan em uma trama diferente mas nenhuma tendo o mesmo impacto do primeiro filme. Ao todo a franquia arrecadou mundialmente ao longo dos anos mais de US$ 224 milhões.

 

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Até os anos setenta a indústria cinematográfica norte-americana tinha um jeito muito decidido de como fazer filmes. Chamada de “Hollywood Clássica” esse modelo de produção se notabilizou por instituir as regras básicas de como se produzir filmes no início do século XX até pouco depois de sua metade tais como uso de ambientes que pareçam realistas para o público, trabalho coordenado conjunto de todos os envolvidos na produção e a edição de continuidade deveria manter a história com um tom bastante suavizado.

A relação intrínseca entre cinema e sociedade, é claro, não pode ser excluída e para a fomentação das regras que pautaram Hollywood por algumas décadas essa ligação se torna mais esclarecedora. A economia dos EUA na primeira metade do século XX pode ser classificada como extrema, ou seja, tem seus momentos de pico altíssimos e outros de quedas vertiginosas. 

No início do período mencionado o país colheu os frutos do seu processo de industrialização intensificados após o fim da Guerra Civil. Logo em seguida as consequências da Primeira Guerra Mundial tornaram muitos países europeus em consumidores de bens em potencial, providenciando a economia americana um boom histórico. No artigo The Economics of World War I de Carlos Lozada é apontado que o conflito impactou significativamente a economia. “O longo período de neutralidade dos EUA realizou a conversão definitiva da economia para uma de tempos de guerra mais facilmente do que normalmente teria sido”.

“Mágico de Oz” é um exemplo de como a Hollywood Clássica pensava cinema

Com a perspectiva de uma economia em ascensão somada à breve participação do país na guerra e a ascensão de uma classe média, o cinema usufruiu desse momento provendo produtos que representavam a empolgação daqueles tempos; produções gigantescas com a presença de estrelas famosas se tornaram bastante comuns. Até mesmo nos conturbados anos 30, com a grande depressão, o modelo de cinema tentava transpor a mesma felicidade e otimismo por preços ainda mais baixos de modo a não deixar o moral público cair ainda mais.

A questão é que a partir do fim dos anos 60 o cenário seria outro totalmente diferente. Os benefícios colhidos após o fim da Segunda Guerra já haviam desaparecido. Internamente o país via o aumento exponencial de violência racial e tráfico de drogas. Externamente os EUA estavam se chafurdando na Guerra do Vietnã (que por si só causava convulsões sociais pelo elevado número de soldados mortos, acusações de crimes de guerra e a maior parte das convocações serem de negros ou cidadãos mais humildes no geral) e em 1973 ocorreu o baque da crise do petróleo patrocinado pela OPEP.

Nesse período também ocorreu um aumento de importância dada a produções que vinham de fora dos EUA; isso foi importante pois induziu novos artistas a ampliarem o olhar técnico para além do produto nacional. Akira Kurosawa puxava a revolução no cinema japonês, na França a Nouvelle Vague marcava território como um dos mais importantes movimentos do século e na Alemanha um novo cinema alemão surgia com Rainer Werner Fassbinder e Werner Herzorg. 

“Os Sete Samurais” de Kurosawa é um exemplo de trabalho que inspirou gerações de cineastas

É nesse tumulto que surge um novo movimento conhecido como Nova Hollywood. Este que foi um episódio em que uma nova geração de diretores (nomes como Steven Spielberg, Martin Scorsese, Francis Ford Coppola) apareceu para o público e com isso um novo ar foi trazido para o cinema. Por virem de setores variados da sociedade, essa geração tinha muito de suas ideias atreladas ao que eles estavam vivendo à época e à tradições culturais dos meios em que eles nasceram; o drama social possui voz ativa no processo criativo.

Tecnicamente a regra do movimento era de proporcionar filmes que apresentassem temas politizados e que os diretores não tivessem receio de abraçar discussões sobre a sexualidade, algo que também fomentava sua própria discussão mais ampla na sociedade. Produções de baixo orçamento também foram ganhando espaço e com isso o surgimento do cinema independente dos grandes estúdios foi possível.

A base para o movimento é creditada à estreia de Bonnie e Clyde de 1968, uma obra que reunia a violência do casal protagonista com um teor sexual que em outros tempos não teria sido tão popular. No entanto, o filme dialogou perfeitamente com o que os espectadores estavam vivenciando na pele. Um dos ícones do movimento, porém, só viria em 1971 quando o diretor Don Siegel decidiu por fazer um filme policial.

“Bonnie e Clyde” trabalhou todos os elementos que o público ansiava por ver em um filme

O cineasta já era famoso por fazer comentários sociais em suas obras. Nos anos 50 ele dirigiu o suspense Vampiros de Almas, que é inteiramente sobre a paranoia social da Guerra Fria. Agora, já sendo os anos 70, as preocupações eram outras e muitas delas associadas com o aumento exponencial da violência nas grandes cidades. Uma estimativa do Centro de Desastres indica que em 1970 a população estava avaliada em mais de duzentos milhões de habitantes com uma taxa de criminalidade em mais de oito milhões, sendo que desses oito, 738 mil foram identificados como violentos.

O medo social do crime diário, portanto, facilitou para que o projeto mostrasse automaticamente uma revanche frente a esse medo. É nesse ínterim que surge a figura do detetive Harry Callahan (interpretado por Clint Eastwood após disputas com Frank Sinatra pelo papel), um sujeito que é capaz de olhar os criminosos mais perigosos nos olhos e então puxar o gatilho da Magnum.44 sem necessariamente estar quebrando as leis.

Na trama, o protagonista precisa caçar um serial killer conhecido como Scorpio que está aterrorizando São Francisco. Seu modus operandi é o uso de um rifle de longa distância, o que torna qualquer identificação de suspeito bem mais difícil. O vilão é livremente baseado no Assassino do Zodíaco que aterrorizou a São Francisco real durante a década de 60.

O assassino Scorpio instaura o terror na cidade

Novamente, é Hollywood respondendo aos anseios da população, só que dessa vez não mais espelhando uma expectativa positiva para o futuro. Outros filmes do período também fizeram o mesmo: Taxi Driver mostrou o quão claustrofóbica estava a vida nas cidades, Chinatown desconstruiu o romantismo dos anos 40 com uma história bastante pesada, O Bebê de Rosemary lidou com os anseios de toda uma geração que estava a repensar as regras sociais de se constituir família.

Não surpreendentemente o filme gerou uma franquia com mais quatro continuações entre 1971 e 1988, cada uma colocando Callahan em uma trama diferente mas nenhuma tendo o mesmo impacto do primeiro filme. Ao todo a franquia arrecadou mundialmente ao longo dos anos mais de US$ 224 milhões.

 

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