quinta-feira , 21 novembro , 2024

Do Pior ao Melhor: 13 Filmes Franceses Inéditos e Gratuitos no My French Film Festival 2021

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Precursores do cinema, a produção audiovisual francesa é uma das mais proeminentes no cenário mundial. Por outro lado, diversas obras não chegam ao circuito comercial nas Américas e nem em plataformas de streaming. Por isso, se você – como eu – é apreciador do cinema francês, é preciso aproveitar os festivais online e gratuitos, como o My French Film Festival 2021, para dar uma espiada nessas produções.

Se em 2020, o Festival Varilux de Cinema Francês propôs três meses de filmes gratuitos na plataforma Looke, todo início de ano o My French Film Festival seleciona obras recentes e as disponibiliza de graça para a América Latina. Nesta 11ª edição, o evento ocorre entre 15 de janeiro e 15 de fevereiro de 2021. Você ainda tem OITO dias para conferir! 



Embora eu tenha alguns preferidos entre os títulos, como Felicità, de Bruno Merle,e Camille, de Boris Lojkine, nossa lista será baseada na opinião pública dos franceses no termômetro do Sens Critique. Para ter uma ideia melhor da seleção deste ano, o CinePOP propõe um rankeamento “do pior ao melhor”, mas vamos também apresentar a contextualização de cada obra, para você encontrar os filmes ao seu gosto. Clique na foto para ir direto assisti-lo, ok?

  1. Heróis Nunca Morrem (Les Héros ne meurent jamais, 2020, SC: 5,4)

Com a presença de Adèle Haenel, protagonista do elogiado Retrato de Uma Jovem em Chamas (2019), Heróis Nunca Morrem parte da premissa questionável da reencarnação. O primeiro longa de Aude Léa Rapin retrata o percurso de Joachim (Jonathan Couzinié). Ele acredita ser a reencarnação de um soldado morto em guerra na Bósnia, no dia 21 de agosto de 1983, data do seu nascimento em Paris. Com a ideia fixa em sua mente, ele parte com suas amigas, Alice (Haenel) e Virginie (Antonia Buresi), para seguir os passos de sua vida anterior na Bósnia. Para isso, ele propõe fazer um documentário, contudo, a ideia desponta-se equivocada e mal elaborada para dar coerência à representação dos destroços da guerra no país. 

  1. Crianças (Just Kids, 2020, SC: 5,5)

O grande chamariz da obra é o seu tom de veracidade e crueldade da vida. Lançado em agosto de 2020, na França, Just Kids conta a história de três órfãos: Jack, 19 (Kacey Mottet Klein), Lisa, 17 (Anamaria Vartolomei), e Mathis, 10 (Andrea Maggiulli). Após a tragédia familiar, Lisa distancia-se e o mais velho fica incumbido de cuidar da irmã caçula. A questão é: como se tornar responsável por alguém, quando você mal saiu da adolescência? A origem de Just Kids está na própria vida do cineasta Christophe Blanc, o qual deparou-se muito cedo com a perda brutal do seu pai. Ao lado de Béryl Peillard, Blanc tenta transpor esse luto no roteiro. 

  1. Donas de Alegria (Filles de Joie, 2020, SC: 5,6)

Produção indicada pela Bélgica a Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2021, o título em francês faz um jogo de sentido com a palavra “joie”, significado tanto de alegria quanto de gozo, questão a qual as protagonistas lidam em seu cotidiano secreto. Axelle (Sara Forestier), Dominique (Noémie Lvovsky) e Conso (Annabelle Lengronne) se reúnem todas as manhãs no estacionamento da cidade para pegar a estrada e ir trabalhar do outro lado da fronteira, na Bélgica. Lá, eles se tornam Atenas, Circe e Hera em um bordel. Donas de Alegria apresenta o percurso de cada uma em luta pela suas famílias e para manter a dignidade. Longe de ser uma comédia, a obra de Frédéric Fonteyne e Anne Paulicevich apresenta uma reflexão sobre a prostituição no mundo capitalista e a união feminina para enfrentar as adversidades.

  1. Enorme (Énorme, 2020, SC: 6,0)

Protagonista da série Family Business (2019-2020), da Netflix, e La Flamme (2020), do Canal +, Jonathan Cohen é um dos grandes comediantes franceses da atualidade. Portanto, ele carrega com seu carisma essa comédia repleta de clichês sobre maternidade e os papéis de gênero durante o período da gestação. Com direção e roteiro de Sophie Letourneur, a comédia aborda o ato de Frédéric (Cohen) ao burlar o anticoncepcional da sua esposa, a pianista Claire Gerard (Marina Foïs). Como gerente da sua carreira, ele vê-se no papel de decidir sozinho engravidá-la aos 40 anos e ocupar-se do bebê. Com o objetivo de reverter os clichês do gênero, tal como em Ligeiramente Grávidos (2007), de Judd Apatow, o filme ganhou o prêmio Jean Vigo 2020 .

  1. Espírito Vivente (Vif-Argent, 2019, SC: 6,0)

Nas ruas de Paris, Juste (Thimotée Robart) coleta as últimas memórias de pessoas, antes de ajudá-las na vida após a morte. Um dia, no entanto, Agathe (Judith Chemla) o reconhece. Ela está viva, mas ele não. Como é possível eles se conectarem? Com esta proposição, Stéphane Batut apresenta seu premiado primeiro longa, que constrói poeticamente um romantismo atemporal. Afinal de contas, o cinema tem o poder e a liberdade de transcender as fronteiras da vida e da morte para nos contar belas e eletrizantes histórias, vide Ghost (1990) e A Casa do Lago (2006). 

  1. Você Merece um Amor (Tu mérites un amour, 2019, SC: 6,5)

Esta é a estreia da até então atriz Hafsia Herzi (Mektoub, My Love: Intermezzo) como diretora e roteirista. O longa começa a partir de uma tensa discussão entre Lila (Hafsia Herzi) e seu namorado Rémi (Jerémié Laheurte). Ele decide partir à Bolívia para pensar no futuro da relação, a qual possui um destino incerto. O filme acompanha Lila no dilema entre resistência e resiliência. Graças ao apoio dos amigos, ela começa a explorar a possibilidade de outros laços. Com simplicidade e naturalidade, Hafsia Herz apresenta diálogos eloquentes e um duelo emocional complexo. Para quem gosta das heroínas de Eric RohmerO Joelho de Claire (1970) e Pauline na Praia (1983), o trabalho da jovem francesa é deveras aprazível. 

  1. Camille (Camille, 2019, SC: 6,9)

Jovem fotojornalista e idealista, Camille (Nina Meurisse) parte a Bangui, capital da República Centro-Africana para cobrir o início de uma guerra civil. Localizado entre a República Democrática do Congo, Sudão, Chade e Camarões, o país vive uma turbulenta disputa de poder político e ideológico entre uma parte da população sobre a outra. Apaixonada pela juventude e resistência da região, Camille lança o seu destino ao lado dessas pessoas. Com roteiro e direção do documentarista Boris Lojkine, a ficção é baseada na história verídica de Camille Lepage, fotojornalista francesa morta aos 26 anos na República Centro-Africana. É um retrato íntimo sobre a vivência de uma repórter de guerra e também sobre acreditar em ideais em meio a tempos sombrios. 

  1. Felicità (Felicità, 2020, SC: 6,9)

Com direção e roteiro de Bruno Merle, Felicità é um dos melhores filmes lançados em 2020, ao lado de Drunk, de Thomas Vinterberg, e Soul, de Pete Docter. Os três filmes, por exemplo, possuem o encanto de passar uma mensagem sobre o que é a felicidade em nossas vidas, de formas completamente diferentes. Em Felicità, o casal Tim (Pio Marmaï) e Chloe (Camille Rutherford) aproveitam a vida com as pequenas coisas do dia a dia sem compromissos, ao lado da filha Tommy (Rita Merle). O roteiro acompanha as últimas 24h do verão da família. No dia seguinte, começa o ano letivo de Tommy e ela está na expectativa de ser aceita pelos colegas, no entanto, horas antes Chloe desaparece e Tim rouba um carro para procurá-la. Confusa com seus sentimentos juvenis, Tommy bate-papo com um cosmonauta (o rapper Orelsan). É impossível não sentir-se mais alegre após assistir este filme. 

5. Josep (Josep, 2020, SC: 7,2)

Antes de tudo, esta animação deve ser considerada como uma sincera e emocionante homenagem de um cartunista a outro. Seu criador Aurélien Froment, conhecido como Aurel, é cartunista dos jornais franceses Le Monde e Le Canard Enchaîné. Do outro lado da tela, o personagem Josep (voz de Sergi Lopez) é baseado em Josep Bartolí (1910-1995), um talentoso, mas pouco conhecido, desenhista catalão, cuja obra principal, La retirada, testemunha sua vida e a dos seus companheiros num campo de concentração na França. Ao transformar o trabalho de Bartoli em um longa, Aurel dá visibilidade e reforça o poder de sua mensagem humanista. Ou seja, um apelo comovente pelo respeito à dignidade humana, particularmente relevante nos dias atuais. Vale lembrar que o desenhista foi amante de Frida Kahlo (voz de Sílvia Pérez Cruz). 

  1. Kuessipan (Kuessipan, 2019, SC: 7,5)

Filmado na comunidade Innu, ao norte de Quebec, no Canadá, os atores de Kuessipan são em sua maioria residentes locais. Através das lentes da cineasta canadense Myriam Verreault, a narrativa segue os caminhos de duas melhores amigas nessa reserva indígena. Enquanto Mikuan (Sharon Ishpatao Fontaine) sonha em tornar-se poeta, Shaniss (Yamie Grégoire) começa uma família. Quando crianças, elas prometeram ficar sempre juntas, contudo, aos 17 anos, sua amizade é abalada. O problema é que Mikuan apaixona-se por Francis (Étienne Galloy), um rapaz branco e ela pensa em deixar a comunidade, a qual tornou-se pequena demais para seus sonhos. Em novembro de 2019, Kuessipan foi uma das maiores bilheterias de Quebec e ultrapassou hollywoodiano Joker (2019). Em 2020, Myriam Verreault ganhou nominações para diversas premiações no país, a mais importante foi o Canadian Screen Award

  1. Orfeu (Orphée, 1950, SC: 7,6)

Selecionado para a categoria de Histórias de Fantasmas do Festival, este é o único clássico da lista. Dirigido por Jean Cocteau – escritor da peça A Voz Humana (1958), adaptada para o cinema em 2020, por Pedro Almodóvar -, Orfeu é uma transposição moderna do mito de Orpheus (Jean Marais), um poeta obcecado pela Morte (María Casares). Enciumada a Morte, encarnada na Princesa, mata Eurídice (Marie Déa), a esposa de Orfeu. Apaixonado, ele parte ao submundo à procura da sua amada. Uma versão do mesmo mito foi encenada por Toni Garrido, do grupo Cidade Negra, e Patrícia França no filme brasileiro Orfeu (1999), de Cacá Diegues. Contudo, a única relação entre as duas obras é a inspiração mítica. 

2. Adolescentes (Adolescentes, 2020 – SC: 7,6)

Em 2020, o documentarista Sébastien Lifshitz lançou duas obras de grande repercussão na França. A primeira, em setembro, é esta, e a segunda, lançada em dezembro nos cinemas brasileiros, foi Pequena Garota. Ambos documentários são intimistas e belíssimos, é a ótima utilização da linguagem cinematográfica para criar uma mise en scène hipnótica ao contar histórias reais. Em Adolescentes, o cineasta acompanha as amigas inseparáveis Emma e Anaïs, dos 13 anos até a maioridade. Em cinco anos, o documentário mostra as transformações da juventude, mas também da França. Os atentados à redação do Chalie Hebdo, no Stade de France e ao Bataclan, assim como a eleição de Emmanuel Macron sob a perspectivas das jovens. Comparada pela crítica à epopeia de Richard Linklater, Boyhood (2014), a obra é tão fluida que é possível esquecer de tratar-se de um documentário.

  1. Madame (Madame, 2020, SC: 7,9)

Direto dos arquivos de uma família suíça, Madame é o diálogo entre Caroline e seu neto cineasta Stéphane Riethauser. Com base em três gerações familiares, o documentarista suiço busca discutir os tabus da sexualidade e de gênero em um mundo patriarcal e hostil às diferenças. Como disse Simone de Beauvoir: “você não nasce mulher, você torna-se uma”, ou seja, Caroline tentava se emancipar dos homens, enquanto Stéphane buscava compreender quem ele desejava ser. Aliás, o que significa ser homem hoje? O resultado dessa questão é um documentário íntimo, sensível e poderoso sobre transmissão e compartilhamento.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Precursores do cinema, a produção audiovisual francesa é uma das mais proeminentes no cenário mundial. Por outro lado, diversas obras não chegam ao circuito comercial nas Américas e nem em plataformas de streaming. Por isso, se você – como eu – é apreciador do cinema francês, é preciso aproveitar os festivais online e gratuitos, como o My French Film Festival 2021, para dar uma espiada nessas produções.

Se em 2020, o Festival Varilux de Cinema Francês propôs três meses de filmes gratuitos na plataforma Looke, todo início de ano o My French Film Festival seleciona obras recentes e as disponibiliza de graça para a América Latina. Nesta 11ª edição, o evento ocorre entre 15 de janeiro e 15 de fevereiro de 2021. Você ainda tem OITO dias para conferir! 

Embora eu tenha alguns preferidos entre os títulos, como Felicità, de Bruno Merle,e Camille, de Boris Lojkine, nossa lista será baseada na opinião pública dos franceses no termômetro do Sens Critique. Para ter uma ideia melhor da seleção deste ano, o CinePOP propõe um rankeamento “do pior ao melhor”, mas vamos também apresentar a contextualização de cada obra, para você encontrar os filmes ao seu gosto. Clique na foto para ir direto assisti-lo, ok?

  1. Heróis Nunca Morrem (Les Héros ne meurent jamais, 2020, SC: 5,4)

Com a presença de Adèle Haenel, protagonista do elogiado Retrato de Uma Jovem em Chamas (2019), Heróis Nunca Morrem parte da premissa questionável da reencarnação. O primeiro longa de Aude Léa Rapin retrata o percurso de Joachim (Jonathan Couzinié). Ele acredita ser a reencarnação de um soldado morto em guerra na Bósnia, no dia 21 de agosto de 1983, data do seu nascimento em Paris. Com a ideia fixa em sua mente, ele parte com suas amigas, Alice (Haenel) e Virginie (Antonia Buresi), para seguir os passos de sua vida anterior na Bósnia. Para isso, ele propõe fazer um documentário, contudo, a ideia desponta-se equivocada e mal elaborada para dar coerência à representação dos destroços da guerra no país. 

  1. Crianças (Just Kids, 2020, SC: 5,5)

O grande chamariz da obra é o seu tom de veracidade e crueldade da vida. Lançado em agosto de 2020, na França, Just Kids conta a história de três órfãos: Jack, 19 (Kacey Mottet Klein), Lisa, 17 (Anamaria Vartolomei), e Mathis, 10 (Andrea Maggiulli). Após a tragédia familiar, Lisa distancia-se e o mais velho fica incumbido de cuidar da irmã caçula. A questão é: como se tornar responsável por alguém, quando você mal saiu da adolescência? A origem de Just Kids está na própria vida do cineasta Christophe Blanc, o qual deparou-se muito cedo com a perda brutal do seu pai. Ao lado de Béryl Peillard, Blanc tenta transpor esse luto no roteiro. 

  1. Donas de Alegria (Filles de Joie, 2020, SC: 5,6)

Produção indicada pela Bélgica a Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2021, o título em francês faz um jogo de sentido com a palavra “joie”, significado tanto de alegria quanto de gozo, questão a qual as protagonistas lidam em seu cotidiano secreto. Axelle (Sara Forestier), Dominique (Noémie Lvovsky) e Conso (Annabelle Lengronne) se reúnem todas as manhãs no estacionamento da cidade para pegar a estrada e ir trabalhar do outro lado da fronteira, na Bélgica. Lá, eles se tornam Atenas, Circe e Hera em um bordel. Donas de Alegria apresenta o percurso de cada uma em luta pela suas famílias e para manter a dignidade. Longe de ser uma comédia, a obra de Frédéric Fonteyne e Anne Paulicevich apresenta uma reflexão sobre a prostituição no mundo capitalista e a união feminina para enfrentar as adversidades.

  1. Enorme (Énorme, 2020, SC: 6,0)

Protagonista da série Family Business (2019-2020), da Netflix, e La Flamme (2020), do Canal +, Jonathan Cohen é um dos grandes comediantes franceses da atualidade. Portanto, ele carrega com seu carisma essa comédia repleta de clichês sobre maternidade e os papéis de gênero durante o período da gestação. Com direção e roteiro de Sophie Letourneur, a comédia aborda o ato de Frédéric (Cohen) ao burlar o anticoncepcional da sua esposa, a pianista Claire Gerard (Marina Foïs). Como gerente da sua carreira, ele vê-se no papel de decidir sozinho engravidá-la aos 40 anos e ocupar-se do bebê. Com o objetivo de reverter os clichês do gênero, tal como em Ligeiramente Grávidos (2007), de Judd Apatow, o filme ganhou o prêmio Jean Vigo 2020 .

  1. Espírito Vivente (Vif-Argent, 2019, SC: 6,0)

Nas ruas de Paris, Juste (Thimotée Robart) coleta as últimas memórias de pessoas, antes de ajudá-las na vida após a morte. Um dia, no entanto, Agathe (Judith Chemla) o reconhece. Ela está viva, mas ele não. Como é possível eles se conectarem? Com esta proposição, Stéphane Batut apresenta seu premiado primeiro longa, que constrói poeticamente um romantismo atemporal. Afinal de contas, o cinema tem o poder e a liberdade de transcender as fronteiras da vida e da morte para nos contar belas e eletrizantes histórias, vide Ghost (1990) e A Casa do Lago (2006). 

  1. Você Merece um Amor (Tu mérites un amour, 2019, SC: 6,5)

Esta é a estreia da até então atriz Hafsia Herzi (Mektoub, My Love: Intermezzo) como diretora e roteirista. O longa começa a partir de uma tensa discussão entre Lila (Hafsia Herzi) e seu namorado Rémi (Jerémié Laheurte). Ele decide partir à Bolívia para pensar no futuro da relação, a qual possui um destino incerto. O filme acompanha Lila no dilema entre resistência e resiliência. Graças ao apoio dos amigos, ela começa a explorar a possibilidade de outros laços. Com simplicidade e naturalidade, Hafsia Herz apresenta diálogos eloquentes e um duelo emocional complexo. Para quem gosta das heroínas de Eric RohmerO Joelho de Claire (1970) e Pauline na Praia (1983), o trabalho da jovem francesa é deveras aprazível. 

  1. Camille (Camille, 2019, SC: 6,9)

Jovem fotojornalista e idealista, Camille (Nina Meurisse) parte a Bangui, capital da República Centro-Africana para cobrir o início de uma guerra civil. Localizado entre a República Democrática do Congo, Sudão, Chade e Camarões, o país vive uma turbulenta disputa de poder político e ideológico entre uma parte da população sobre a outra. Apaixonada pela juventude e resistência da região, Camille lança o seu destino ao lado dessas pessoas. Com roteiro e direção do documentarista Boris Lojkine, a ficção é baseada na história verídica de Camille Lepage, fotojornalista francesa morta aos 26 anos na República Centro-Africana. É um retrato íntimo sobre a vivência de uma repórter de guerra e também sobre acreditar em ideais em meio a tempos sombrios. 

  1. Felicità (Felicità, 2020, SC: 6,9)

Com direção e roteiro de Bruno Merle, Felicità é um dos melhores filmes lançados em 2020, ao lado de Drunk, de Thomas Vinterberg, e Soul, de Pete Docter. Os três filmes, por exemplo, possuem o encanto de passar uma mensagem sobre o que é a felicidade em nossas vidas, de formas completamente diferentes. Em Felicità, o casal Tim (Pio Marmaï) e Chloe (Camille Rutherford) aproveitam a vida com as pequenas coisas do dia a dia sem compromissos, ao lado da filha Tommy (Rita Merle). O roteiro acompanha as últimas 24h do verão da família. No dia seguinte, começa o ano letivo de Tommy e ela está na expectativa de ser aceita pelos colegas, no entanto, horas antes Chloe desaparece e Tim rouba um carro para procurá-la. Confusa com seus sentimentos juvenis, Tommy bate-papo com um cosmonauta (o rapper Orelsan). É impossível não sentir-se mais alegre após assistir este filme. 

5. Josep (Josep, 2020, SC: 7,2)

Antes de tudo, esta animação deve ser considerada como uma sincera e emocionante homenagem de um cartunista a outro. Seu criador Aurélien Froment, conhecido como Aurel, é cartunista dos jornais franceses Le Monde e Le Canard Enchaîné. Do outro lado da tela, o personagem Josep (voz de Sergi Lopez) é baseado em Josep Bartolí (1910-1995), um talentoso, mas pouco conhecido, desenhista catalão, cuja obra principal, La retirada, testemunha sua vida e a dos seus companheiros num campo de concentração na França. Ao transformar o trabalho de Bartoli em um longa, Aurel dá visibilidade e reforça o poder de sua mensagem humanista. Ou seja, um apelo comovente pelo respeito à dignidade humana, particularmente relevante nos dias atuais. Vale lembrar que o desenhista foi amante de Frida Kahlo (voz de Sílvia Pérez Cruz). 

  1. Kuessipan (Kuessipan, 2019, SC: 7,5)

Filmado na comunidade Innu, ao norte de Quebec, no Canadá, os atores de Kuessipan são em sua maioria residentes locais. Através das lentes da cineasta canadense Myriam Verreault, a narrativa segue os caminhos de duas melhores amigas nessa reserva indígena. Enquanto Mikuan (Sharon Ishpatao Fontaine) sonha em tornar-se poeta, Shaniss (Yamie Grégoire) começa uma família. Quando crianças, elas prometeram ficar sempre juntas, contudo, aos 17 anos, sua amizade é abalada. O problema é que Mikuan apaixona-se por Francis (Étienne Galloy), um rapaz branco e ela pensa em deixar a comunidade, a qual tornou-se pequena demais para seus sonhos. Em novembro de 2019, Kuessipan foi uma das maiores bilheterias de Quebec e ultrapassou hollywoodiano Joker (2019). Em 2020, Myriam Verreault ganhou nominações para diversas premiações no país, a mais importante foi o Canadian Screen Award

  1. Orfeu (Orphée, 1950, SC: 7,6)

Selecionado para a categoria de Histórias de Fantasmas do Festival, este é o único clássico da lista. Dirigido por Jean Cocteau – escritor da peça A Voz Humana (1958), adaptada para o cinema em 2020, por Pedro Almodóvar -, Orfeu é uma transposição moderna do mito de Orpheus (Jean Marais), um poeta obcecado pela Morte (María Casares). Enciumada a Morte, encarnada na Princesa, mata Eurídice (Marie Déa), a esposa de Orfeu. Apaixonado, ele parte ao submundo à procura da sua amada. Uma versão do mesmo mito foi encenada por Toni Garrido, do grupo Cidade Negra, e Patrícia França no filme brasileiro Orfeu (1999), de Cacá Diegues. Contudo, a única relação entre as duas obras é a inspiração mítica. 

2. Adolescentes (Adolescentes, 2020 – SC: 7,6)

Em 2020, o documentarista Sébastien Lifshitz lançou duas obras de grande repercussão na França. A primeira, em setembro, é esta, e a segunda, lançada em dezembro nos cinemas brasileiros, foi Pequena Garota. Ambos documentários são intimistas e belíssimos, é a ótima utilização da linguagem cinematográfica para criar uma mise en scène hipnótica ao contar histórias reais. Em Adolescentes, o cineasta acompanha as amigas inseparáveis Emma e Anaïs, dos 13 anos até a maioridade. Em cinco anos, o documentário mostra as transformações da juventude, mas também da França. Os atentados à redação do Chalie Hebdo, no Stade de France e ao Bataclan, assim como a eleição de Emmanuel Macron sob a perspectivas das jovens. Comparada pela crítica à epopeia de Richard Linklater, Boyhood (2014), a obra é tão fluida que é possível esquecer de tratar-se de um documentário.

  1. Madame (Madame, 2020, SC: 7,9)

Direto dos arquivos de uma família suíça, Madame é o diálogo entre Caroline e seu neto cineasta Stéphane Riethauser. Com base em três gerações familiares, o documentarista suiço busca discutir os tabus da sexualidade e de gênero em um mundo patriarcal e hostil às diferenças. Como disse Simone de Beauvoir: “você não nasce mulher, você torna-se uma”, ou seja, Caroline tentava se emancipar dos homens, enquanto Stéphane buscava compreender quem ele desejava ser. Aliás, o que significa ser homem hoje? O resultado dessa questão é um documentário íntimo, sensível e poderoso sobre transmissão e compartilhamento.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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