007 – Sem Tempo para Morrer, o vigésimo quinto filme oficial da franquia mais duradora do cinema, tem estreia programada em nova data para o dia 30 de setembro de 2021 exclusivamente nos cinemas – após ser adiado do ano passado devido à pandemia. Como forma de irmos aquecendo os motores para esta nova superprodução que, como dito, faz parte de uma das maiores, mais tradicionais e queridas franquias cinematográficas da história da sétima arte, resolvemos criar uma nova série de matérias dissecando um pouco todos os filmes anteriores, trazendo para você inúmeras curiosidades e muita informação.
A franquia 007 no cinema chegava ao seu décimo quinto filme na cronologia oficial da EON Pictures. Nesta trajetória, eram englobadas três décadas de produções com o personagem James Bond. Trinta anos onde o famoso espião havia sido interpretado somente por três atores: Sean Connery, o primeiro e para a maioria o definitivo; Roger Moore, um substituto à altura (conseguindo inclusive superar em bilheterias Connery em 1983 – no ano do duelo dos Bonds); e o menos memorável, constantemente negligenciado George Lazenby – que desistiu do papel por se achar superior a ele, numa das decisões mais equivocadas do ramo do entretenimento. Era a hora de anunciar um novo ocupante da vaga. E ele viria justamente quando 007 chegava à marca de quinze filmes nas formas de Timothy Dalton. Confira abaixo os detalhes da produção de Marcado para a Morte.
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Produção
A franquia James Bond entrava em sua terceira década de atividade e sucesso. Reinando absoluta na década de 1960, ela se reinventada pegando muita carona nas tendências da década de 1970 (filmes blaxploitation, de kung-fu, filmes espaciais e aventuras de matinê) e agora chegava à segunda metade da fanfarrona década de 1980. Sim, essa foi uma época em que Roger Moore brilhou no papel, porém, por mais bem sucedido financeiramente que seu sétimo filme como o personagem (Na Mira dos Assassinos) tenha sido, era notório que o veterano ator, aos quase 60 anos de idade, precisava descansar e desocupar o personagem.
Assim, se iniciava novamente o processo de seleção dos produtores para encontrarem um intérprete digno do agente secreto, que fizesse jus ao personagem. Durante esta nova triagem de muitos nomes cogitados e outros testados, um que agradou os “herdeiros do trono” Michael G. Wilson e Barbara Broccoli (pela primeira vez entrando como produtora na franquia) foi Sam Neill (conhecido pela franquia Jurassic Park). Porém, o poderoso chefão e patriarca Albert R. Broccoli vetou a escolha da filha e do enteado. Ao invés de Neill, quem o Broccoli pai queria era Pierce Brosnan, cogitado anteriormente em algumas ocasiões.
E tudo parecia alinhado para a entrada de Brosnan como 007. Até que os produtores do programa Jogo Duplo (Remington Steele), série de TV que o ator protagonizava desde 1982, decidiram renovar o seriado para mais uma temporada. A ideia dos criadores do programa era uma vez que Brosnan se tornasse James Bond no cinema chamaria atenção para a série levantando ainda mais seus números de audiência. Porém, a manobra saiu pela culatra quando Broccoli, sacando a jogada dos engravatados espertinhos, terminou por limar a escalação de Brosnan com a solene frase: “Remington Steele não será James Bond, e James Bond não será Remington Steele”. Bem, isto é, pelo menos não naquele momento, afinal todos conhecemos o destino de Brosnan na franquia – que ainda bem teve um final feliz para o ator.
Com Neill e Brosnan, dois dos favoritos, fora de jogada, os produtores finalmente optavam por Timothy Dalton, igualmente cogitado no passado, mas que havia ficado pelo caminho por ser ainda muito jovem. Agora, aos 41 anos de idade Dalton possuía a idade e a aparência certas para o personagem. Porém, um novo impasse surgia e quase arrancava do ator seu grande momento da carreira. Acontece que ele estava envolvido na época nas filmagens de Brenda Starr, filme com Brooke Shields que adapta uma das histórias de quadrinhos mais clássicas datando da década de 1940, sobre uma repórter aventureira. O filme foi considerado um fracasso e sofreu embargo de uns dois anos até seu lançamento. Já imaginaram se o ator perde o papel de James Bond por causa disso?
James Bond
Como dito acima, Sam Neill e Pierce Brosnan haviam sido testados para o papel e quase conseguiram a vaga em momentos diferentes. Porém, quem de fato assinou para ser o quarto intérprete de James Bond nas telonas, na cronologia oficial da EON Pictures, foi Timothy Dalton. Com o ator no papel era iniciada a era “mais sombria” do personagem, como ficou conhecida pelos fãs. A cada nova interpretação de um ator no papel, uma nova atmosfera era dada aos filmes. E após a saída da era “fanfarrona” e caricata de Roger Moore, a opção dos produtores era por uma obra mais séria e realista – com um 007 mais duro e menos brincalhão.
As características citadas para o espião só viriam a ser repetidas agora na era Daniel Craig, onde todos os fãs apreciam a roupagem dada ao agente secreto pelo ator. Porém, voltando vinte anos antes da entrada de Craig, não era desta forma que os fãs viam a abordagem de Dalton para o protagonista. Um 007 sem a graça, charme, humor e carisma que geralmente vemos no ator que o interpreta não desceu muito bem com os fãs e causou estranhamento. O James Bond sombrio de Timothy Dalton era um sujeito cansado do serviço secreto – em partes semelhante ao apresentado nos livros de Ian Fleming. Em determinado momento, ele manda as ordens do chefe M para aquele lugar, e chega ao cúmulo de pedir sua demissão da agência. Dalton também não exibia muita suavidade no personagem, ficando mais à vontade em vestimentas despojadas e nas cenas de ação.
Fora isso, o James Bond de Timothy Dalton sofria outra grande mudança – esta, no entanto, mais provida pela época em que o filme era situado do que de fato algo trazido para o ator pelo roteiro. Era a época do auge da epidemia de AIDS, que matava milhares de pessoas no mundo. Assim, visando a possível problemática ao ver o protagonista praticando sexo livre e pulando de cama em cama, os produtores acharam de bom gosto colocar James Bond em tela tendo um único relacionamento com a Bondgirl principal – o que deixou a relação com ares mais românticos do que na maioria dos filmes anteriores.
Missão Secreta
Já que a opção dos realizadores era fugir das fantasiosas aventuras que dominaram a era de Roger Moore na franquia, além de uma presença de diferente personalidade para o espião era necessária uma trama que coincidisse com essa abordagem. Desta forma, a seriedade imposta por Timothy Dalton ao papel era servida por uma história sóbria, que pegava elementos reais e vigentes do período para incluir em sua narrativa. Como essa ainda era a época da Guerra Fria com a União Soviética, os russos seriam novamente os vilões da trama. Assim, Marcado para a Morte fazia uso de militares renegados, tráfico de armas e drogas, e a invasão soviética no Afeganistão em seu roteiro.
Bem, por este último item você já pode imaginar. Sim, Marcado para a Morte sofreu do mesmo “mal” de Rambo III, lançado no ano seguinte em 1988. Ambas as superproduções, visando criar uma história de pertencimento ao momento atual em que o mundo se encontrava, colocaram seus protagonistas (James Bond e Rambo) para ajudar a expulsar os russos do Afeganistão. Para isso, os heróis se uniam aos valentes Mujahideen, os guerreiros da liberdade que, infelizmente, anos depois dariam origem ao grupo extremista Talibã – que dominou o país recentemente, como pudemos conferir em todos os telejornais. Nem precisa ser dito que exibições de reprises de Marcado para a Morte e Rambo III se tornaram delicadas atualmente.
Voltando a falar rapidamente do protagonista, uma sacada bem legal do filme para apresentar o novo herdeiro de 007 ao espectador foi fazer certo mistério até a primeira aparição de Timothy Dalton em cena. Assim, alguns sósias de atores que haviam interpretado James Bond antes aparecem como outros agentes secretos em missão, sendo assassinados um a um, até a revelação de quem de fato é James Bond neste filme.
Bondgirls e Aliados
Como dito, a epidemia mundial de AIDS no período reduziu os romances do mulherengo espião britânico. Desta forma, o roteiro pôde se concentrar em desenvolver bem uma única personagem feminina. A atriz Maryam d’Abo, portando um elegante corte Chanel em seus cabelos loiros deu vida à Kara Milovy, violoncelista russa que termina puxada para o meio da trama envolvendo o vilão, por quem é seduzida e tem um relacionamento, e o espião 007. O triângulo amoroso entre James Bond, a Bondgirl e o vilão é sempre um bom artifício utilizado e não é muito comum na franquia. A relação entre Bond e Kara é uma das favoritas dos fãs, assim como d’Abo e seu retrato humano para a sofrida Bondgirl também ganharia o carinho dos fãs.
Por outro lado, o trio de usuais colaboradores de James Bond sofreria uma nova mudança. Desde os primórdios da franquia, o trio composto pelo chefe M, a secretária Moneypenny e o armeiro inventor Q fizeram parte da mitologia em torno de 007. Bernad Lee, intérprete de M, havia falecido após O Foguete da Morte, e o filme seguinte, Somente para Seus Olhos, ficava sem um M. O personagem voltaria somente em Octopussy, agora nas formas de Robert Brown, que retornava aqui em seu terceiro filme no papel. Desmond Lleweyn também estava de volta como Q, fazendo valer sua química agora com Dalton.
Porém, a secretária e flerte miss Moneypenny estava um pouco diferente aqui. Lois Maxwell, intérprete da personagem em todos os filmes da franquia até então, se encontrava já com 60 anos de idade a esta altura. De fato, sua “sobrinha” havia sido apresentada no último filme com Roger Moore para servir de flerte ao sessentão. Maxwell era vinte anos mais velha que Timothy Dalton, assim os produtores acharam que não caberia um flerte entre os dois. Poderiam ao menos tê-la mantido em outra capacidade no filme, seja como for, Lois Maxwell estava oficialmente fora da franquia devido à sua idade (e isso é péssimo). Substituindo a veterana no papel entrava a mais jovem (então com 26 anos) e loira Caroline Bliss – que havia interpretado a princesa Diana num telefilme de 1982. Bliss dava forma a uma Moneypenny mais moderninha e envolvida com os bastidores da ação, ao invés de apenas segurar o chapéu e o casaco do espião na entre sala do chefe M.
Vilões
Se tem um quesito onde podemos dizer que Marcado para a Morte deixa a desejar é na escolha dos vilões. Tudo bem que o show aqui era de Timothy Dalton e a ênfase precisava ser dada na transição de atores no papel, destacando bastante a presença do herói. Seja como for, quem ganha os holofotes mais do que os vilões da aventura é a situação em que o mundo estava inserido, com fatores reais entrando em cena na hora de criar um dos filmes mais realistas da franquia. Marcado para a Morte, no entanto, apresenta três antagonistas. O vilão principal é o General Georgi Koskov, um russo retratado como desertor, mas que se revela o principal antagonista fazendo jogo duplo na trama. Aliás, a história aqui é tida como uma das mais complexas da franquia, digna dos thriller de espionagem de outro especialista no assunto: o autor John le Carré.
O General Koskov é interpretado pelo holandês Jeroen Krabbé, um ator que você com certeza já viu em algum lugar mas não lembra seu nome. O que acontece é que o ator é tido pelos fãs como um vilão “muito simpático”, dono de muitos sorrisos, destoando completamente do que estávamos acostumados na franquia. No final, ele nem sequer morre, termina o filme sendo preso – algo igualmente inusitado. Já o traficante de armas Brad Whitaker é o vilão mais ameaçador, porém, possui pouco tempo de cena. Ele é vivido por Joe Don Baker, que viria a participar novamente da franquia como outro personagem em Goldeneye (1995), o primeiro da era Brosnan. Finalizando o hall de vilões em Marcado para a Morte, o alemão loiro e grandalhão Andreas Wisniewski é o antagonista que consegue mais destaque – na pele do capanga Necros, um matador da KGB.
Relatório
Muitos associam a era Timothy Dalton como a pior da franquia. Os filmes do ator são considerados “fracassos” para o grande público e quem não conhece de perto as obras de 007 no cinema. É bem verdade que Dalton não durou no personagem, interpretando James Bond somente duas vezes – o segundo ator com menos tempo no papel, levando em conta que George Lazenby “pediu para sair”. Ou seja, esse não é um bom sinal. Apesar disso, o filme do diretor John Glen (assumindo a direção pela quarta vez consecutiva desde Somente para Seus Olhos) fez sucesso suficiente de bilheteria, arrecadando mais ou menos o mesmo que o predecessor Na Mira dos Assassinos, com Roger Moore, havia feito.
A verdade é que os filmes desta franquia vão se ajustando aos tempos em que são feitos. E talvez o público ainda não estivesse pronto para a abordagem mais sombria e realista do personagem que temos hoje. Apesar disso, Marcado para a Morte ainda faz uso de diversas cenas de ação de tirar o fôlego e possui um tom mais leve do que seria assumido no próximo exemplar de Dalton – aí sim, considerado “o” filme mais sombrio e violento da franquia. Os produtores ainda não estavam certos se Dalton havia funcionado ou não como James Bond; a resposta havia sido satisfatória o suficiente para mantê-lo no personagem mais uma vez, no entanto. E isso veremos no próximo Dossiê 007.