007 – Sem Tempo para Morrer, o vigésimo quinto filme oficial da franquia mais duradora do cinema, tem estreia programada para o dia 7 de outubro de 2021 – após ser adiado do ano passado devido à pandemia. Como forma de irmos aquecendo os motores para esta nova superprodução que, como dito, faz parte de uma das maiores, mais tradicionais e queridas franquias cinematográficas da história da sétima arte, resolvemos criar uma nova série de matérias dissecando um pouco todos os filmes anteriores, trazendo a você inúmeras curiosidades e muita informação.
Em seu nono filme, 007 enfrenta um dos maiores adversários de sua carreira: Francisco Scaramanga, considerado o melhor assassino do mundo. O que marcou nesta nova investida do agente secreto, no entanto, foi o retorno de Roger Moore ao papel principal, se tornando assim o primeiro ator depois de Sean Connery a viver o personagem mais de uma vez nas telonas. Isso porque George Lazenby havia sido um James Bond de um filme só. Apesar da empolgação de ter Moore de volta ao papel, essa seria uma produção bem problemática. Confira abaixo os detalhes sobre ela.
Produção
Fora das telas, a situação escalava e piorava para os então parceiros profissionais Harry Saltzman e Albert R. Broccoli, produtores e donos da EON Pictures, responsável pela franquia oficial de 007 no cinema. Como dito no texto anterior de Viva e Deixe Morrer (1973), suas diferenças chegaram a um nível em que os executivos sequer se falavam. Assim, concordaram em cada um cuidar de um filme da franquia por vez, apesar de ambos serem creditados na função. Como o último havia sido Saltzman em Viva e Deixe Morrer, agora era a vez novamente de Broccoli. A escolha para a produção no nono filme da franquia foi O Homem com a Pistola de Ouro, o último livro da série 007 escrito por Ian Fleming.
Antes sequer de escolherem o material a ser usado, os produtores colocavam ordem na casa e analisavam os números. Viva e Deixe Morrer havia sido um sucesso. O público da época aceitava Roger Moore como o novo intérprete do protagonista – e o próprio Sean Connery dava o seu aval para o colega. De fato, Viva e Deixe Morrer foi ainda mais bem sucedido do que os últimos dois filmes anteriores de James Bond: Os Diamantes São Eternos (1971), com Sean Connery, e A Serviço Secreto de Sua Majestade (1969), com George Lazenby.
Ou seja, a EON desta vez havia tirado a sorte grande. E aí mesmo foi que residiu o problema. Com o sucesso e Moore aprovado, todos começaram a se mexer para tirar logo do papel o próximo exemplar, num período de meros 18 meses entre os filmes. Com a produção apressada, a qualidade terminou sendo atropelada. Para poupar tempo, apenas o produtor conduzindo o show era trocado. De resto, O Homem com a Pistola de Ouro reprisaria quase toda a equipe por trás das câmeras, incluindo o diretor do anterior, Guy Hamilton – que adentrava seu quarto filme de 007 no comando, e terceiro consecutivo.
James Bond
Roger Moore a esta altura se consolidava como a escolha certa para substituir Sean Connery, mesmo com a idade avançada (Connery se despediu da franquia com 40 anos em 1971, enquanto Moore entrava no papel aos 45 anos em 1973). Vivendo o espião pela segunda vez seguida, em dois anos consecutivos, Moore se tornava o primeiro ator a reprisar o papel após Sean Connery tê-lo eternizado. O que sem dúvida era significativo. Apesar disso, o roteiro desta vez desagradaria muito o protagonista.
Em entrevistas, o ator diz que O Homem com a Pistola de Ouro é o filme que menos gosta em sua fase na franquia – tendo diversas cenas duvidosas, que chegaram a causar-lhe arrepios (como um momento em que esbofeteia uma das Bondgirls ou quando empurra uma criança dentro de um rio). Tais momentos fizeram James Bond soar como um patife como nunca anteriormente e desde então. Segundo Roger Moore, ele só viria a entrar completamente no papel e criar o seu estilo próprio para o personagem no próximo filme, O Espião que me Amava (1977) – o filme favorito de sua fase para os fãs.
Missão Secreta
Curiosamente, assim como Roger Moore, a adaptação de O Homem com a Pistola de Ouro já havia estado na mira da EON para ser um dos filmes no cinema ainda na década de 1960. Como as locações exigiam filmagens no Camboja e aquela era uma época complicada de se estar no país devido a uma revolução, a história foi sendo empurrada, até finalmente ser filmada em Hong Kong e na Tailândia. Na trama, James Bond está com a cabeça à prêmio. O espião se vê alvo de ninguém menos do que Francisco Scaramanga, o maior assassino de aluguel do mundo. E desta vez, Bond terá um rival à altura, que possui todas as técnicas do agente secreto e pretende usá-las contra ele.
A adaptação, no entanto, sequer pode ser chamada de tal, já que os produtores desta vez se utilizaram somente do título e trocaram grande parte da narrativa. A ameaça principal, por exemplo, se torna uma história sobre um artefato capaz de redirecionar a energia do sol. E se durante a primeira fase de 007 nos anos 60 vimos a SPECTRE como principal antagonista do agente, agora durante a década de 70, Blofeld e seus capangas finalmente ganhavam descanso a cada nova empreitada de James Bond na fase Roger Moore. Realmente, durante este período os filmes de 007 soavam bastante como a fórmula conhecida do “vilão da semana”, no qual a cada novo exemplar o atrativo se torna o vilão excêntrico a ser enfrentado – que pode inclusive roubar os holofotes do herói.
Bondgirls e Aliados
Embora os desafios do maior espião da sétima arte mudem a cada novo longa, e até mesmo a aparência do protagonista (a esta altura sendo interpretado por um terceiro ator), uma coisa se manteve constante na franquia desde a era Sean Connery, passando por Lazenby e agora chegava a meados da década de 70 com Moore. A equipe por trás do MI6, a agência do serviço secreto britânico que James Bond faz parte, permanecia a mesma com um trio de coadjuvantes de luxo. Em seu nono filme, o chefe M (Bernard Lee), a secretária flerte Moneypenny (Lois Maxwell) e o inventor e armeiro Q (Desmond Llewelyn) são o verdadeiro marco da franquia e aqui faziam novas aparições.
Em matéria de Bondgirls, O Homem com a Pistola de Ouro reservava alguma das menos memoráveis. Novamente, seria até O Espião que me Amava que a fase Roger Moore seria marcada de forma muito positiva. Tudo bem, já que até mesmo Sean Connery foi melhorando com seus filmes. Desta vez, a principal Bondgirl é Mary Goodnight (Maria Boa Noite para os íntimos), uma agente desastrada. A loirinha é vivida pela beldade sueca Britt Ekland. Curiosamente, a atriz foi esposa na vida real de Peter Sellers, que havia participado da paródia de James Bond, Cassino Royale (1967). Neste filme, as duas Bondgirls são interpretadas por atrizes suecas, com a segunda sendo Maud Adams e sua Andrea Anders.
Maud Adams voltaria à franquia ainda na fase de Roger Moore para viver a principal antagonista e personagem título de Octopussy (1983). Contratar a mesma atriz para viver personagens diferentes dentro da mesma franquia e contracenar com o mesmo protagonista, sem qualquer uso de maquiagem para diferenciar seus personagens, é uma decisão muito estranha ao meu ver. Mas não era a primeira vez que isso ocorreu na franquia, com Charles Gray aparecendo pela primeira vez em Só Se Vive Duas Vezes e retornando ainda na fase Connery para viver ninguém menos que o principal antagonista Blofeld. Vai entender.
Vilões
Considerado um dos esforços menos apreciados dentro da franquia, O Homem com a Pistola de Ouro possui um consenso entre os fãs sobre seu verdadeiro ponto forte: o vilão. Isso apoia o argumento de que até os filmes menos brilhantes possui um elemento contando a seu favor. E o chamariz do nono filme do herói 007 – James Bond no cinema sem dúvida é Francisco Scaramanga, o assassino profissional mais certeiro do mundo. Depois de ter abandonado a narrativa da organização terrorista SPECTRE ao fim da era Connery (pelo menos até aqui), a era Moore surgia com a proposta de apresentar novos desafios ao protagonista, assim criando uma fórmula de “vilão da semana”, ou de cada novo filme.
E se no anterior, Viva e Deixe Morrer, tínhamos Yaphet Kotto brilhando e se divertindo muito num papel duplo (como o traficante americano Mr. Big e o regente africano de um país fictício, Dr. Kananga); desta vez a proposta era por um vilão solo, um sujeito implacável. Também vivendo numa ilha, com muitos recursos, Francisco Scaramanga é tão elegante e refinado quanto James Bond – sempre bronzeado o sujeito possui duas características marcantes: uma pistola toda feita de ouro como arma de escolha e três mamilos que o identificam. Para o papel, prontamente foi contatado Jack Palance, a fim de fazer homenagem ao seu personagem no clássico western Os Brutos Também Amam (1953). Mas Palance recusou.
Assim, a produção teve a ótima ideia de partir para um plano B de respeito, e garantiram Christopher Lee como Scaramanga. Lee, não por acaso, era primo de Ian Fleming. Fora isso, na época o ator estava no auge de sua popularidade graças a uma série de filmes de terror da produtora inglesa Hammer nos quais interpretava um dos maiores vilões do cinema: o vampiro Drácula – datando de 1958, com O Vampiro da Noite. Embora Scaramanga não seja um vampiro, muitas brincadeiras no set envolvendo Lee, Moore e seu antigo personagem surgiram.
O Homem com a Pistola de Ouro contou também com a presença do anão Hervé Villechaize no papel de Nick Nack, o capanga que todo vilão de Bond precisava ter. Villechaize ficaria conhecido mundialmente três anos depois pelo papel de Tattoo no programa clássico da TV, Ilha da Fantasia (1977-1983), no qual coincidentemente trabalhava para um homem grisalho, classudo e misterioso – aqui o Sr. Roarke de Ricardo Montalban. Villechaize, seguindo o ritmo de Connery em Os Diamantes São Eternos, se manteve ocupado visitando bastante os bordeis da Tailândia durante as folgas das filmagens. Quem voltava aqui também, e de forma desnecessária, para uma rápida participação era J.W. Pepper, o xerife racista (novamente vivido por Clifton James) de Viva e Deixe Morrer. O personagem foi colocado no filme anterior na forma de uma alfinetada ao racismo de policiais reais do sul dos EUA que hostilizaram a produção.
Relatório
É interessante perceber como certos filmes são vistos, assimilados e interpretados com o passar dos anos. Na franquia 007, por exemplo, alguns exemplares sempre marcaram como os favoritos e outros como os menos favoritos. Uma vez me prontificando a revisitar todos eles, um por um, me deparo agora com outras visões em minhas pesquisas sobre determinados longas da franquia. Como por exemplo chegar à conclusão que O Homem com a Pistola de Ouro é provavelmente um dos menos apreciados de toda a série cinematográfica. Alguns culpam a produção apressada, considerando o roteiro infantil e de mau gosto. Outros vão ainda mais longe, afirmando ser um filme irredimível.
O próprio Roger Moore afirmava não gostar nada do longa, sendo este, em sua opinião, seu ponto baixo como Bond. Como citado, aqui 007 bate em mulher, joga criança do barco, e usa galanteios baratos. O Homem com a Pistola de Ouro apenas adicionou aos elementos que fizeram a era de Roger Moore a mais fanfarrona e galhofeira do personagem. Temos, por exemplo, aproveitando a febre dos filmes de artes marciais, uma cena em que James Bond treina numa espécie de templo. O trecho, no entanto, é criado num tom jocoso para arrancar piada. De forma geral, o filme caminha neste tom, mesclando um assunto pretensamente sério com tiradas cômicas, como a presença do xerife racista, que trata de cair da água, uma bondgirl atrapalhada e inclusive uma cena impressionante de dublê em que um carro pula uma ponte fazendo um giro – cena estragada pelo uso de um efeito sonoro cartunesco de apito.
O ponto alto sem dúvida é a performance de Christopher Lee como Scaramanga, um quesito que todos parecem concordar. Apesar disso, o nono filme de 007 se manteve como um dos mais rentáveis de seu respectivo ano e a franquia, é claro, iria continuar. Apenas precisaria passar por uma reformulação em seus bastidores. Mas isso você verá na próxima matéria da coluna…